quarta-feira, 29 de abril de 2009

MISTAGOGIA



Mistagogia:
o que é isso?


Mistagogia é uma palavra que está sendo bastante usada ultimamente no estudo da catequese, da liturgia, da teologia. O Concílio Vaticano II já havia decidido pela restauração do catecumenato, com seu tempo de mistagogia , para as pessoas que aderem pela fé a Jesus Cristo e querem fazer parte da comunidade cristã. O RICA (Ritual de Iniciação Cristã de Adultos) incorporou este tempo de mistagogia. Tanto o Diretório Nacional de Catequese, quanto o recente publicado Diretório Nacional 2 , insistem na dimensão mistagógica da formação cristã. O papa João Paulo II disse: “É mister (...) que os Pastores encontrem a maneira de fazer com que o sentido do mistério penetre nas consciências, redescobrindo e praticando a arte mistagógica , tão querida aos Padres da Igreja.” 3 Redescobrimos a função mistagógica da homilia, embora ainda poucos a coloquem em prática. Na teologia litúrgico-sacramental começa a se impor o método mistagógico , no qual se faz teologia partindo da análise do rito e da experiência do mesmo 4 . Numa carta escrita em preparação à 5ª Assembléia Geral do CELAM, o teólogo Jon Sobrino sugere que, em vez de insistir na mera doutrina, devemos oferecer mistagogia e credibilidade. “...cada vez é mais necessária a mistagogia que conduz ao mistério de Deus. Significa introduzir-nos num mistério que é maior, mas que não reduz a pequenez, que é luz, mas que não cega, que é acolhida, mas que não impõe” 5 .
Mas, afinal, o que é mistagogia ? É uma palavra derivada da língua grega, assim como ‘liturgia', ‘catequese', ‘teologia', ‘pedagogia', cirurgia', ‘eucaristia', ‘batismo', ‘crisma', ‘homilia', ‘leigo/a', ‘bispo', ‘presbítero'... e tantas outras, que já estão tão incorporadas à língua portuguesa que mal nos damos conta de que possui sua raiz em outro idioma. Assim acontecerá futuramente com ‘mistagogia', palavra hoje ainda desconhecida para muita gente.
‘Mistagogia' é composta de duas partes: ‘mist' + ‘agogia'. ‘Mist' vem de ‘mistério' e ‘agogia' tem a ver com ‘conduzir', ‘guiar'... Podemos traduzir: a ação de guiar para dentro do mistério. Há outras duas palavras relacionadas: 1) ‘mistagogo' ou ‘mistagoga' – é a pessoa que realiza a mistagogia, a pessoa que conduz para dentro do mistério, nos colocando em contato com este mistério, revelando-o; 2) ‘mistagógico' ou ‘mistagógica' – é o adjetivo derivado de mistagogia; por exemplo, na expressão ‘catequese mistagógica'. A palavra ‘mistério' vem da palavra grega ‘muein', fechar a boca, calar-se, ser iniciado. A iniciação é uma introdução ao caminho que liga o mundo visível a seu significado escondido; ela é feita em silêncio. As palavras portuguesas: murmúrio, mudo, mistério derivam da mesma raiz. ‘Mística', outra palavra relacionada, significa uma vida mergulhada no mistério.
O que está em jogo na mistagogia? Nada mais, nada menos que nossa relação com o mistério de Deus, que é o mistério de nossa própria vida e da história. Ninguém consegue ‘explicar' Deus. É impossível reduzir a realidade de Deus a conceitos racionais. É impossível reduzir a fé à aceitação de dogmas. É necessário que sejamos ‘iniciados' no mistério, não somente com palavras, mas principalmente através de ações simbólicas, através de ritos. No sentido original, são os ritos (as celebrações litúrgicas) que têm esta função mistagógica de nos conduzir para dentro do mistério 6 .
Na cultura atual, chamada de pós-moderna, onde percebemos os limites da razão, abre-se uma nova possibilidade para a liturgia como caminho mistagógico. Liturgia não é um tipo de ‘ginástica', ou uma execução de gestos mágicos ou puramente estéticos ou devocionais. Cada palavra, cada gesto, cada movimento... ‘contém' o mistério e nos faz mergulhar nele: no mistério de Deus, no mistério da vida, no mistério da história, em nosso próprio mistério.
bibliografia:

1 Este é o primeiro de uma série de ‘Grilos´ sobre mistério, mística, mistagogia.
2 CNBB, 2006.
3 Carta Apostólica Spiritus et Sponsa, por ocasião dos 40 anos da Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia (SC), n. 12, trad. provisória da CNBB.
4 Cf. GIRAUDO, Cesare. Num só Corpo; tratado mistagógico sobre a eucaristia, São Paulo, Loyola, 2003, principalmente pp. 1-24.
5 Aparecida: uma assembléia ‘com Espírito'. Carta a Ignacio Ellacuría, www.adital.com.br, 27/10/2006.
6 Daí o nome dos três sacramentos fundamentais, que são batismo, confirmação, eucaristia: “sacramentos da iniciação cristã”.
Autor: Ione Buyst, doutora em liturgia, autora de muitos livros e artigos tanto no campo acadêmico quanto no campo pastoral e popular. Atua na formação litúrgica como professora universitária e como assessora de cursos, retiros e encontros de pastoral e espiritualidade litúrgica. Membro da Rede Celebra

8 comentários:

  1. Excelente explicação para algo tão essêncial e ao mesmo tempo tão "misterioso", fascinante e indispensável à nossa vida.

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  2. Caríssimo: sou postulante ao Diaconato Permanente da Arquidiocese de Vitória-ES e precisei uma definbição mais profunda de Mistagogia e consegui aqui. Obrigado, Augusto Cesar Silvares Costa - Vitória - ES - foucauldvitoria@gmail.com

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  3. o que eu quero mesmo saber qual a boa razao para Gloria de Deus e Bem das Almas o Ministro recusar uma Missa de Corpo Presente com o Argumento de nesse dia ja ter celebrado 3 missas.
    Mais :Qual a Caridosa Razao para recusar a celebraçao de uma Missa de Corpo Presente com a urna aberta.

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  4. Alberto, como responder sua indagação? será que há uma resposta coerente para tal ato ou omissão? a missa é o sacramento por exelencia onde experimentamos o nefeshi de Deus, sua epifania em meio aos homens, o sacerdote é o instrumento desta manifestação de Deus, ou deveria ser. canônicamente é sugerido aos ministros que não celebrem mais de duas missas por dia, mas esta decisão depende da necessidade pastoral da região. de fato, na pratica, os sacerdotes acabam celebrando mais de três missas por dia.Na missa de corpo presente, a Igreja se une à familia que chora sua perca para lhe mostrar que este momento não é para desespero, sim de esperança, pois a morte não é o fim, é o resurgimento para o amor total, a libertação total de todas as limitações humanas. Nesta circunstância, também é uma otima oportunidade para evangelizar àquele (a) que comumente não esta na Igreja. Só tenho a lamentar que alguns ministros da Igreja não consigam ter esta visão do que é o ministerio da caridade em suas vidas.

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  5. Nós, participantes do CATECUMNATO(versão franciso pereira da nobrega) aqui em joão pessoa, agradecemos a valiosa contribuição que voces nos têm dado ao divulgarem textos indispensáveis ao nossos trabalhos do dia a dia, como animadores, coordenadores, padrinhos junto as populações sedentas de informações dessa natureza. Abraços Ignacio Tavares

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  6. Ignácio, é sempre um prazer muito grande poder saber que as informações postadas no blog ajude aos sedentos de informações.
    a catequese é a grande esperança da Igreja, a base da transmissão de nossa fé, tudo que for para melhorar a evangelização é direito de todos. um abraço.

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  7. Diácono Luciano, gostei muito de ter lido esse artigo sobre mistagogia, nosso povo é carente de formação, talvez por isso as vezes não consiga celebrar nem viver na prática o que celebrou.
    Diác. Francisco Alves de Sousa / Manaus/AM

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  8. Fantástico artigo. Destilação perfeita, em linguagem pastoral, do que há de melhor em ciência litúrgica. Obrigado.

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