domingo, 27 de setembro de 2015

Uma percepção da Festa de Sukkot na Tradição bíblica-judaica e sua relação com a literatura Joanina Elio PASSETO, nds Saint-Pierre de Sion - Ratisbonne A reflexão sobre a festa de Sukkot, seu contexto e sua importância em relação aos escritos joaninos, supõe, evidentemente, uma apresentação de sua evolução na história e de sua praticidade. Este estudo propõe uma visão geral do tema, a partir Bíblia, da literatura interstamentaria, sua estrutura halakhica a partir da literatura rabínica. Veremos no final a comtemplação da teologia da festa de Sukkot nos relatos do Evangelho de João e do livro do Apocalipse. Primeiramente, a festa de Sukkot se funda nas Escrituras e ao longo da história, sua prática será portadora de uma evolução teológica que sustenta o povo judeu até nossos dias. Esta reflexão teologica, já conhecida no final do período do segundo Templo e após sua destruição (anos 70 d.C.), será melhor sistematizada nos ensinamentos e escritos dos Sábios de Israel. Por sua vez a literatura do Novo Testamento dá testemunho da importância da celebração da festa de Sukkot e de sua espiritualidade na vida do povo judeu; deste fato aprendemos que enquanto o Templo existia, Jesus, seus discípulos e todos os seus seguidores, conviveram ativamente com a liturgia exitente da festa de Sukkot e participaram de sua riqueza espiritual. Antes de tudo é preciso assumir o fato de que os escritos do Novo Testamento, a literatura interstamentaria e a literatura rabínica não são produtos de ambientes diferentes e distantes um do outro. Se cada um possui sua propria particularidade, os elementos constituintes fundamentais não são diversos, ao contrario, quando eles não possuem a mesma base entre si, eles se convergem. Apresentamos inicialmente os principais textos bíblicos que fixam o quadro da festa de Sukkot e que nos informam de sua prática na história do povo de Israel durante o período do Segundo Templo . Os textos das Escrituras enfatizam a centralidade da festa de Sukkot e sublinham sua importância para a comunidade de Israel. Ex 23,16: “Observarás a festa da Ceifa, dos primeiros frutos do teu trabalho e daquilo que tiveres semeado nos campos, como também a festa da colheita, saindo o ano, quando recolherás os frutos do teu trabalho.” Lv. 23,34-37: “Fala aos filhos de Israel: O dia quinze desse sétimo mês é a Festa das Tendas, que dura sete dias, em honra do Senhor; no primeiro dia se fará uma reunião sagrada; não executareis nenhum trabalho servil. Cada um dos sete dias, apresentareis uma oferenda consumida ao Senhor. No oitavo dia, fareis uma reunião sagrada e apresentareis uma oferenda consumida ao Senhor: é o encerramento da festa; não executareis nenhum trabalho servil... .” Nm. 29,12: “No décimo quinto dia do sétimo mês, fareis uma reunião sagrada. Não fareis nenhum trabalho servil. Celebrareis o Senhor numa peregrinação de sete dias.” Dt. 16,13-15: “Quanto à festa das Tendas, tu a celebrarás durante sete dias, quando houveres recolhido tudo o que vem de tua eira e do teu lugar. Estarás na alegria de tua festa, com teu filho, tua filha, teu servo, tua serva, o levita, o migrante, o órfão e a viúva, que residem em tuas cidades. Durante sete dias, celebrarás peregrinação em honra do Senhor, teu Deus, ao lugar em que o Senhor, teu Deus, houver escolhido, pois o Senhor, teu Deus, te terá abençoado em todos os produtos de teu solo e em todas as tuas ações; e serás todo alegria.” Neh. 8 : Todo o povo, como se fora um homem só, reuniu-se na praça localizada diante da porta das Águas, e pediram a Esdras o escriba, que trouxesse o livro da Lei de Moisés que o Senhor havia prescrito a Israel ... Era o primeiro dia do sétimo mês. Ele leu no livro, na praça que está diante da porta da Águas, desde a aurora até o meio-dia, diante dos homens e mulheres e dos que tinham capacidade de entender ... E Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus, e o povo inteiro, erguerdo as mãos, respondeu: ‘Amén! Amén! Depois inclinaram-se e prosternaram-se diante do Senhor, com o rosto em terra... os levitas - explicavam a Lei ao povo, e o povo permanecia em pé no local. Liam no Livro da Lei de Deus, de maneira distinta, explicando o sentido dela, e faziam compreender o que era lido. Então Neemias, o governador, Esdras, o sacerdote-escriba, e os levitas que davam as explicações ao povo, disseram a todo o povo: ‘Este dia é consagrado ao Senhor vosso Deus... Encontraram escrito na Lei que o Senhor havia prescrito por intermédio de Moisés, que os filhos de Israel deviam habitar em tendas durante a festa do sétimo mês e que eles deviam comunicar isto e publicar este anúncio em todos as suas cidades e em Jerusalém, nestes termos: ‘Saí para a montanha e levai ramos de oliveira, ramos de oliveira selvagem, ramos de murta, ramos de palmeiras e ramos de árvores frondosas, para fazer tendas,conforme está escrito.’ Então o povo saiu e levou o material para fazer tendas, cada um sobre o seu teto, nos seus próprios pátios e nos átrios da Casa de Deus, assim como na praça da porta das Águas e na praça da porta de Efráim. Toda a assembléia - os que haviam voltado do cativeiro - fez tendas e habitaram nessas tendas, Desde o tempo de Josué, filho de Num, até este dia os filhos de Israel não fizeram isso. Foi uma alegria muito grande. Fez-se leitura diária do livro da Lei de Deus, desde o primeiro dia até ao último. A festa durou sete dias, e no oitavo dia, segundo o costume, houve uma assembléia de encerramento. Zac. 14, 6-10: Naquele dia não mais haverá luminar, nem friagem, nem geada. Será um único dia - o sonhor o conece. Não mais haverá dia nem noite; ao anoitecer brilhará a luz. Naquele dia, águas vivas sairão de Jerusalém, metade para o mar oriental, metade para o mar ocidental. Será assim no verão e no inverno. O Senhor mostrar-se-á então rei de toda a terra. Naquele dia o Senhor será (UM) único e (UM) único , o seu nome... Zac. 14,16-19: Acontecerá então que todos os sobreviventes das nações que tiveram marchado contra Jerusalém subirão, ano após ano, à cidade para se prosternarem diante do rei, o Senhor de todo poder, e para celebrar a festa das Tendas. Mas para os clãs da terra que não subirem a Jerusalém para se prosternarem diante do rei, o Senhor de todo poder, não cairá chuva. E se o clã do Egito não se puser a subir, acaso o flagelo de que o Senhor ferirá as nações que não sobem a celebrar a festa das Tendas não se abaterá sobre ele? Tal será o castigo do Egito e tal será o castigo de todas as nações que não subirem a celebrar a festa das Tendas. Como demonstram os primeiros textos, a tradição bíblica situa as festas de perigrinação no contexto das atividades agricolas e na verdade, da mesma forma que o ciclo de produção da terra evidencia a base da existência, assim as festas de peregrinação assumem estas manifestações e estabelecem a relação direta da intervenção de Deus . Ademais, estes costumes não são invenções da Bíblia e nem tampouco do povo de Israel. Eles são práticas vividas naturalmente pelos povos comtemporâneos ao povo judeu ou, mesmo, povos que o prescederam; de fato a Bíblia vai teologizar estas práticas e proclamar Deus como o único criador de tudo o que a terra produz. A festa dos ázimos ou da primavera (Páscoa), que marca a primeira festividade entre as festas de perigrinação, celebra o início da colheita da terra, através da oferenda do produto do sorgo; é a primeira vez do ano agrícola que a comunidade de Israel se apresenta diante de Deus para Lhe agradecer e reconhecendo-O como o único Criador, o Senhor de tudo. A segunda, a festa da ceifa, das Semanas ou Pentencostes, acontece 50 dias depois da Páscoa; celebra-se a segunda colheita, a do trigo e por final, termina-se o ano com a festa de Sukkot, (das Cabanas, Tendas), é terceira e última festa da colheita. Todos estes três momentos são distribuidos em períodos diversos durante o ano. A primeira (Páscoa) inicia com a primavera e a última (Sukkot) marca o início do inverno. Do ponto de vista da natureza, a festa de Sukkot marca o final do período do sol, do brilho da luz e o inicio do período dos dias mais curtos em que a noite assume o domínio sobre o dia, isto é, as trevas sobrepõem à luz. É tempo de se recolher, de plantar, é tempo de germinar, de espera, nada é assegurado, tudo depende, é tempo de expectativa: como será a germinação, as condições de crescimento, como será o tempo...? são perguntas que permanecem abertas neste espaço de tempo . Uma vez terminado este tempo de incerteza em que os dias começam a se prolongar, a luz vencendo as trevas, tendo recebido a intervenção de Deus, a terra dá seu fruto. É a partir desta realidade, completamente real e palpável que se celebra o ciclo das festas. Este ciclo intruduz, desta forma, o sentido divino nos acontecimentos aparentemente naturais da vida. Na verdade, a Escritura não cria outra realidade para proclamar a presença e a ação de Deus na história, ela assume costumes culturais vigentes do meio onde é formada. A Palavra de Deus não inventa tampouco outra linguagem, mas segue a realidade concreta, descrevendo os acontecimentos correntes. A partir do existente, tal qual ele se apresenta e é vivido; a Bíblia afirma a relação profunda da presença de Deus e proclama, por conseguinte, a soberania absoluta de Deus sobre todo o criado. Se por um lado o ciclo litúrgico das festas ocupa um espaço no tempo, por outro lado, ele traz em si o domínio do tempo: é um período que está além do cronológico, é um tempo para Deus, no lugar escolhido por Ele: “Observarás a festa da Ceifa, dos primeiros frutos de teu trabalho e daquilo que tiveres semeado os campos, como também a festa da colheita, saindo o ano, quando recolherás dos campos os frutos do teu trabalho. Três vezes ao ano, todos os teus homens virão ver a face de quem é o dono. o Senhor” (Ex 16,16). Há um encontro marcado e será uma Santa Assembléia. Santo porque ao contrario não seria um encontro com Deus. É um momento de ver Deus e ao mesmo tempo ser visto por Ele. E neste momento, no lugar fixado por Deus, os três elementos principais se encontram: Deus, a comunidade e o produto da terra. Criador e criatura se encontram. A criatura não se diviniza, mas o Divino a invade. Deus aponta o lugar do encontro: Jerusalem, o Templo, mas é a comunidade que faz a caminhada e oferece. As duas partes são ativas e se põem em movimento para o encontro. É preciso ter presente que o ponto básico de todo encontro com Deus se fundamenta na teologia do Sábado que é a festa por excelência. As festas partem do principio fundamental do Sábado. Dia consagrado por excelência a Deus. A criação se encontra com o Criador. O Sagrado invade o profano: “Que se faça do dia de sábado um memorial, considerando-o sagrado. Trabalharás durante seis dias, fazendo todo o teu trabalho, mas o sétimo dia, é o sábado do Senhor, teu Deus. Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu servo, nem tua serva, nem teus animais, nem o migrante que está em tuas cidades. Pois em seis dias o Senhor fez o céu e a terra, o mar e tudo o que eles contêm, mas no sétimo dia repousou. Eis que o Senhor abençoou o dia de sábado e o consagrou.” (Ex 20, 8-11). Todos e tudo está incluido, é o dia Sagrado ao Senhor. É o dia da criação. O Criador nele reina e a criatura recebe sua porção, sua graça. Seis dias a humanidade participa com Deus em sua obra de criação e no Sábado descansa, participa do Sagrado que está disposto por Deus neste dia. De fato, o sábado revela a perfeição de Deus estendida à humanidade. Pela sua observância, se colocando inteiramente diante so Senhor, a criatura pode fazer a experiência de Deus que se dá de maneira particular, semanalmente, neste dia. Porisso, esta realidade comtemplada pelo dia do Sábado, é a base para a teologia das festas. Mantendo seu aspecto concreto, agrícola, fazendo a memória de acontecimentos passados onde Deus agiu em função do povo, a festa evidencia o encontro com o sagrado e afirma a soberania de Deus em tudo o que existe; nas festas, através da produção, da vida terrestre, se proclama, o Senhor da vida - é Ele que possui a vida eterna. Concretamente, a partir da compreensão do Sábado como um espaço sagrado dentro do espaço profano, como o tempo que o Criador estebelece sua morada com a criatura, faz-se a experiência de um tempo fora do tempo, de um espaço da eternidade acontecendo no mundo, como uma experiência do eterno na terra. Em relação e a partir da natureza do Sábado as festas proclamam e vivenciam esta realidade de eternidade. É portanto por ocasião das festas de perigrinação, no lugar escolhido por Deus, que a terra (com seus produtos), o povo e Deus se encontram, criando assim uma harmonia de eternidade. A festa de Sukkot na literatura rabínica Veremos mais adiante que estes elementos são constituintes nos relatos Evangélicos. Neles, os momentos de festas confirmam dados históricos na celebração da memória da fé vivida, da transcendência de Deus e da realização da Palavra de Deus. Apresento na sequência alguns textos rabínicos que fixam as bases da festa e da liturgia de Sukkot. Estes textos evidenciam uma prática correspondente ao final do período do Segundo Templo e vários aspectos teológicos, inerentes aos textos, se encontram no Evangelho de João e no livro do Apocalipse, sobretudo no relato da festa de Sukkot. Jesus celebra à festa de Sukkot ou se relaciona com seu significado a partir da visão de cumprimento. Jesus cumpre à espera messianica anunciada pelos profetas que se articula dentro da teologia da festa de Sukkot. - “Durante sete dias se faz da Cabana o lugar estável (comer, dormir e estudar), enquanto que a casa se converte em lugar da residencia provisoria. Em caso de chuva, quando se é permitido abandonar a Suká? Quando se altera a sopa (pelo excesso de água que cai dentro dela). Faz-se uma comparação. Ao que se parece este fato? Se assemelha a um servo que vai servir um prato ao seu Amo e este lho joga em seu rosto.” (m Sukka II, 9). Neste texto a Mishná fixa alguns elementos práticos da festa e busca motivar as exigências bíblicas. A festa de Sukkot enfatiza a realidade de dependência da vida, ensinando a provisioriedade da existência humana. O estabelecimento em uma morada (Sukka), como lugar precario e provisório, cria na comunidade de Israel a certeza de que somente em Deus se há segurança e tudo é provisorio na existência. Assim a Sukká construida para recordar o experiência do deserto onde se está exposto à todas as intempérias do mundo, indica que somente os Céus são a proteção segura e definitiva. A experiência feita de viver dentro da Suká antecipa a habitação definitiva com Deus. Na situação passageira e precaria que se vive na Suká, sob a proteção exclusiva de Deus, representando toda a vida, o povo faz a experiência de habitar com a Shekhiná - na verdade a Suká materializa a morada de Deus no meio da comunidade. - R. Ismael dice: três ramos de mirto (Hadas) e dois ramos de salgueiro (Aravá), uma palma (Lulav) e uma cidra (Etrog) (m Sukka III, 4). A tradição judaica explica estes quatro elementos básicos que compõem a festa de Sukkot (Etrog, Lulav, Hadas, Aravá), como simbolizando o conjunto da comunidade judaica. A prática deste mandamento pedagogicamente insentiva a cada individuo da comunidade e a todo o povo a fazer uma auto-crítica: pede que se junte todos estes quatro elementos em um único maço e que se o porte todos os dias da festa. Vejamos sua significação: - O Etrog representa a comunidade de Israel. Assim como o Etrog possue sabor e perfume, a comunidade de Israel é composta por aqueles que conhecem (estudam) a Palavra de Deus e que possuem também boas ações; - O ramo de Lulav significa Israel. Da mesma maneira que a folha de palmeira possui sabor e não possui perfume, assim em Israel há pessoas que conhecem a Palavra de Deus, mas não têm boas obras. - O ramo de Hadas representa Israel. Assim como o mirto possui perfume e não tem sabor, da mesma forma na comunidade de Israel há os que possuem boas obras e não conhecem a Palavra de Deus. - O ramo da Aravá significa Israel. Como o salgueiro não possui nem sabor e nem perfume, existe na comunidade de Israel os que não possuem nem boas obras e nem conhecem a Palavra de Deus. Os textos que seguem se relacionam praticamente com a aplicação litúrgica da festa: como fazer, o que fazer, onde fazer e seu significado. - Quando se agitavam o Lulav? Deve agitá-lo no início do Salmo 118: ‘Rendei graças ao Senhor...’ (v1) e no vs 25: ‘Salva-nos Senhor’. Esta é a opinião da escola de Hillel. A escola de Shamai disse: também deve-se agitar o Lulav no final do versículo 25: ‘Faz-nos Senhor prosperar’. R. Akiba disse: estive observando R. Gamaliel e R. Yehoshua que enquanto todo o povo agitava suas palmas, eles somente agitavam no vs 25: ‘Salva-nos Senhor’ (m Sukka III, 9). - No lugar onde se há o costume de repetir (os nove versículos finais do Halel), se repete; onde se há o costume de dizer a continuação da benção, se diz (somente uma benção antes do Halel). Tudo deve ser feito segundo as práticas de cada região. (m Sukka III, 11). - A libação da água, como era feita? Um frasco de ouro, de 3 log de conteudo, era enchido nas águas de Siloé. Quando chegavam à porta das águas, tocavam o shofar com um som sustenido e em seguida calorosamente e na continuação novamente sustenido. Subia (o sacerdote) a rampa do altar e se dirigia à sua esquerda onde estavam disposto dois jarros de prata. R. Yehudá disse: os vasos eram de argila e se escureceram por causa do vinho. Cada jarro tinha um tipo de pequeno bico. Um jarro tinha um bico largo e o outro um bico estreito para que os dois pudessem ser esvaziados ao mesmo tempo. O jarro do oueste era de água e o do leste era de vinho. Se por erro se pusesse água no jarro de vinho ou vice-versa, se cumpria a obrigação. R Yehuda disse: se fazia a libação com um log durante os oito dias. Para aquele que fazia a libação, o povo dizia: levanta a mão, porque certa vez (um sacerdote) derramou a libação sobre os pés e todo o povo lançou limões contra ele (m Suka IV, 9). - Toca-se a flauta cinco ou seis dias. Trata-se do tocar de flauta na fonte da tiragem da água, ato que não revoga o sábado nem o dia de festa (Yom Tov). Diz-se que quem não viu a alegria da festa da tiragem da água não viu alegria na vida (m Sukka V, 1). - … Não havia nenhum pátio em Jerusalém que não fosse iluminado com o fogo (luz) que emanava da tiragem da água. (m Sukka V, 3). - Os piedosos e os homens de boas ações dançavam diante do povo com tochas acesas nas mãos. Eles recitavam cantos e louvores. Os levitas com harpas, liras, címbalos, trombetas e inúmeros instrumentos de música, tocavam sobre os quinze degraus descendentes do átrio dos homens para o átrio das mulheres. Estes quinze degraus correspondem aos quinze “Cantos da subida” do livro dos Salmos (120-134). Sobre estes degraus se posicionavam os Levitas com seus instrumentos e entoavam cantos. Dois sacerdotes, com as trombetas nas mãos, se posicionavam diante da porta superior, a que conduz do átrio dos homens ao átrio das mulheres. Ao cantar do galo, eles tocavam as trombetas com sons sustenidos, em seguida clamorosamente e na continuação, novamente, com son sustenido. Quando chegavam ao átrio tocavam a trobeta com som sustenido em seguida clamorosamente e na continuação, novamente, com son sustenido (Tekia, Teruá, Tekiá). Tocam a trombeta e caminhavam até chegar à porta de saida na parte oriental. Quando chegavam à porta que estava na saida da parte oriental voltavam as faces para o ocidente e diziam: ‘nossos pais, que estiveram neste lugar com sua costas voltadas para o Templo e com suas faces orientadas para o oriente, se prostraram voltados para o sol (ver Ez 8,16); nós, ao contrario, temos nossos olhos dirigidos para o Senhor’. R. Yehudá disse: acostumavam repetir: ‘somos do Senhor a para o Senhor estão voltados nossos olhos’(m Sukka V, 4). - Rabí Yeshua ben Levi disse: Por que se chama Beit ha Sho’eva (casa onde se tira (busca) água)? Porque é dela que se faz sai (recebe) o Espírito Santo, segundo o que está escrito (Is12,3): ‘Na alegria fareis sair água dos mananciais da Salvação’. Rabí Yoná diz: Yoná ben Amitai era um dos que subiam em peregrinação. Ele entrou com alegria na Beit ha Sho’eba (casa onde se tira água na noite do II dia da festa de Sukkot) e o Espírito Santo desceu sobre ele. Isto nos ensina que o Espírito Santo não desce senão sobre um coração alegre. Qual é a base nas Escrituras desta afirmação? ‘Enquanto Eliseu tocava o instrumento a mão do Senhor veio sobre ele (II Rs 3,15). Não está escrito ‘enquanto se tocava o instrumento’, mas ‘enquanto o músico tocava o Espírito do Senhor desceu sobre ele’ (TJ Sukka 5, 1, 51a). Temos, portanto, como componentes básicos da festa de Sukkot a água que é fonte de vida, o fogo ou a luz e a manifestação da alegria expressa pelas danças, pelos instrumentos musicais, pelas procissões e pelos textos litúrgicos (Salmos) que acompanham toda a celebração. Estes elementos: água, luz e alegria, são elementos que não temos dominio sobre eles e que sendo vitais para a existência não podemos criá-los ou sustentá-los por nossa própria força. Segundo a dimensão bíblica eles possuem vida própria somente em Deus. Como já dito antes, o quadro litúrgico da festa de Sukkot situa a comunidade dentro da experiência do divino. O cenario desta experiência escatológica é representado através da alegria intensa celebrada e expressada, dos louvores cantados e proclamados em torno da água e da luz como manisfestações visíveis da presença de Deus. Outra afirmação importante e que conclui a manifestação do especto divino da festa é a descida do Espírito Santo em meio a celebração, sinal concreto e manifesto da presença de Deus. O livro de Jubileu comtempla a festa de Sukkot Vimos até aqui como base alguns textos bíblicos e da literatura rabínica que descrevem o universo da festa de Sukkot: seu motivo, sua estrutura disciplinar e sua teologia. Da mesma forma encontramos comentarios em Filon de Alexandria, Flavio José e muito frequente na literatura de Qumrãn. Como o objetivo não é esgotar todas as fontes sobre o tema, mas ter uma visão geral, me permito saltar estas fontes citadas acima e apresentarei alguns textos do livro de jubileu. Primeiramente o livro guarda uma importância capital pois foi escrito em hebraico entre o final do II século e inicio do I a.C. e traduzido para o grego, latin, etíope e presente nas descobertas de Qumrãn. Parece que este livro teve muito proximidade com comunidade de Qumrãn. Somente a Igreja Etiópia reconhece sua canonicidade. Mas é bom lembrar também que este livro foi conhecido e lido pelas comunidades judaicas e cristãs depois da destruição do segundo Templo. O que descatamos aquí no livro de Jubileu é o aspecto de anuncio que ele é portador, assim como a apresentação de Abraão como o primeiro a celebrar a festa de Sukkot, com grande alegria e louvando a Deus por ter visto o dia que virá. -Abraão construiu alí um altar para o Senhor que o havia libertado e que lhe havia dado esta alegria no país onde morava. Este mês, durante sete dias, ao lado do altar que construiu próximo ao poço do Juramente, fez uma festa alegre. Construiu também umas Tendas para si mesmo e para seus servidores por ocasião da festa e foi ele o primeiro, na terra, a celebrar a festa dos Tebernáculos... Celebrou a festa durante sete dias, alegrando-se de todo o seu coração e com toda a sua alma, ele e todos os de sua casa... Rendeu graças ao seu Criador por tê-lo criado em sua geração e pela graça de tê-lo criado. Abraão sabia justamente que dele surgiria uma planta de justiça para as gerações eternas e desta planta surgiria uma semente santa destinada a ser conforme a Aquele que teria feito tudo por ele. Abraão rendeu graças a Deus e se alegrou. Deu nome a esta festa “a festa do Senhor” , dia de regozijo agradável a Deus... Porisso, segundo o que está escrito na tábuas celestes, em relação a Israel, no mês sétimo, deve-se celebrar a festa dos Tabernáculos com regozijo durante sete dias, o que é agradável aos olhos do Senhor... Abraão recolheu folhas de palmeiras, frutos bons das árvores e cada dia pela manhã, dando sete voltas em torno do altar com os ramos nas mãos, glorificava e adorava seu Deus por todas as alegrias (Jubileu 16, 20-31). - E disse: Te celebro Deus, por haver me deixado ver este dia. Levo já comigo cento setante e cinco anos, ancião e no final dos meus dias, e todos meus dias foram tranquilos (Jubileu, 22, 7). Entre as festas, Sukkot ocupa um lugar central na Bíblia, como também ela é de grande relevância em toda a literatura judaica do período do final do segundo Templo e posterior. Vimos também, através de algumas citações, sua importância no livro de Jubileu; como dito antes, esta presença se repete também na literatura de Qumrãn, Filon de Alexandria, Flavio José. Toda esta vasta literatura interpreta e explica pontos de vistas diferentes sobre a compreensão da festa de Sukkot. A Festa de Sukkot na teologia joanina Como é notorio, entre os quatro Evangelhos o de João se distingue particularmente . Esta singularidade do texto, seu estilo e sua teologia, deixam aberta muitas perguntas sem respostas à pesquisa, até nossos dias. Nos últimos anos se iniciou uma releitura do Evangelho de João, buscando compreendê-lo a partir de sua relação com a tradição judaica. O estudo sobre o Evangelho de João mostra que objetivamente o texto oferece um debate aberto com o judaismo de seu tempo, de forma que a crítica que se encontra em relação ao judaismo ou sua oposição manifestada, são feitas a partir de dentro do universo judaico e não de fora. Ele não se posiciona fora de uma realidade que ele está em discussão, mas o debate do texto é sustentado pela diversidade de interpreação presente no judaismo do final do período do segundo Templo e pós sua destruição. A originalidade proclamada pelos seguidores de Jesus, confessando-O como o Filho de Deus, Deus feito homem, se enraiza nas Escrituras. A base da fé se fundamenta na Palavra de Deus, na sua interpretação e na justa correspondência entre o conteudo anunciado e o que está escrito nas Escrituras e não fora do meio que a porta. Portanto a comunidade de João, seguindo sua própria escola, vai elaborar sua teologia articulando sua experiência de fé em Jesus ressucitado conforme as Escrituras. Este debate se faz em confrontação com aqueles que não estavam de acordo com esta interpretação. É de se supor que com o passar dos anos a comunidade Joanina será composta sobretudo de cristãos vidos da gentilidade , no entanto, sendo as Escrituras a fonte principal da vida para os que seguiam Jesus (judeus e não judeus) de igual maneira que era central para os judeus que não seguiam Jesus , o ambiente da interpretação da Palavra de Deus e da elaboração teológica é o contexto do judaismo. É portanto a partir desta perspectiva que se situa a compreensão da festa de Sukkot no Evangelho de João, bem como em toda a literatura joanina. É bom remarcar que João situa a ação de Jesus sempre dentro do contexto das festas judaicas . No capítulo 7 João menciona explicitamente a festa de Sukkot: “Porém se aproximava a festa judaica das Tendas” (v. 2). O texto relata que Jesus é convidado a associar-se aos seus discipulos para subir em perigrinação à Jerusalem. Inicialmente Jesus afirma que não irá. Cria-se um suspense, os discipulos entram em cena, eles se põem em marcha. Depois de a festa ter iniciada, já no meio do ato (v.14), Jesus, de improviso, aparece ensinando no Templo. No primeiro momento Jesus ensina a partir da Tora e sua fidelidade . Ela não é uma invenção humana, ela vem de Deus, é sua Palavra e Jesus se identifica com ela. Por outro lado Jesus confirma que ela foi dada por intermedio de Moisés para ser observada, porisso está ao alcanse de todos (vs. 16-19). Na continuação Jesus ensina sobre sua origem divina e que é o Messias o enviado do Pai (vs. 28-30). João termina esta parte de seu relato (vs. 37-39) de maneira muito precisa e em perfeita harmonia com a teologia da festa de Sukkot, respeitando perfeitamente seu ciclo litúrgico e ao mesmo tempo anunciando sua plenitude. No último dia da festa Jesus se apresenta como “fonte de água viva” e que é o portador do “Espírito Santo” . O capítulo 8 se situa no mesmo ambiente: na madrugada do outro dia Jesus volta ao Templo para continuar seu ensinamento; no v. 12 Jesus se define como “Luz do mundo” . Para terminar o capítulo 8 João enfoca sobre a figura de Abraham que representa o inicio do plano de Deus para a Redenção da humanidade e que a tradição de Israel lhe atribui a certeza de ver a promessa de Deus realizada por seu intermedio. Esta idéia está perfeiramente formulada no v. 56: “Vosso pai Abraão se alegrou pensando em ver meu Dia; viu-o e se regozijou”. Uma vez terminando a cena, Jesus que era visível aos olhos de todos e que mesmo buscavam lhe matar se torna outra vez invisível: “Então pegaram pedras para atirar-Lhe, mas Jesus se ocultou e saiu do Templo” (8, 59). O texto refaz o inicio do relato da festa: inicialmente Jesus não viria para a festa e se apresentou depois, entrando despercebido. No final Ele se afasta do público sem ser visto pelos que estavam presentes. Na verdade temos uma representação completa. A festa de Sukkot é o cenário em que o Evangelho de João desenvolve a peça que se chama Jesus . No último dia da festa em que se celebra o dia da Libação, Jesus proclama sua própria identidade citando as Escrituras. O texto sugere primeiramente água e normalmente abundante. Possivelmente podemos ver uma referência a Ex 17,6: “Ficarei diante de ti , lá sobre o rochedo, em Horeb, Golpearás o rochedo, brotará água e o povo beberá”, pois João fala de fonte e de beber. Pode-se ver também a relação com Ez 47, 1-12. Este texto fala também da água abundante que sai do Templo e que é fonte de vida por onde ela passa. Outro texto muito importante que serve de base para a afirmação de Jesus como água viva é Zc 13, 1: “Brotará naquele dia uma fonte para a casa de David e os habitantes de Jerusalém, como remédio do pecado e da mancha”. E no mesmo espírito Zc 14, 8: “Naquele dia, águas vivas sairão de Jerusalém, metade para o mar ocidental e metade para o mar oriental. Será assim no verão e no inverno”. São todos textos proféticos que anunciam a transformação e a perfeição da realidade. Como visto antes os textos litúrgicos proclamam esta vivacidade da festa onde a água é um dos elementos centrais da celebração. É o sinal concreto da presença de Deus vivido na festa. A correspondência de seguir uma doutrina e vir beber água, se relaciona também com Is 55, 1-3: “Ó todos que estais com sede, vinde para as águas, mesmo aquele que não tem dinheiro, venha!...” João extrai sua teologia cristológica nas Escrituras e na Tradição judaica que a interpretou, da mesma forma ele situa a apresentação de Jesus dentro da celebração litúrgica da festa de Sukkot como a realização da própria liturgia. Na verdade, como vimos acima, Sukkot é a experiência do novo tempo que se abre para o universal e para a eternidade, é também a experiência da plenitude do tempo. É, pois, justamente neste contexto que João apresenta Jesus. É de se supor que Jesus tenha participado, não somente da Festa de Sukkot, como faziam os demais judeus observantes, mas Ele debe ter ensinado os valor profundo da Festa aos seus discípulos. João, à luz da resurreição introduz Jeus na festa e a interpreta realizando.se n’Ele. Seu significado se cumpre em Jesus. Para João a compreensão da Festa de Sukkot explica o acontecimento de Jesus. No livro do Apocalipsis vamos perceber a continuidade da escola joanina, onde os mesmos elementos fundamentais da festa de Sukkot são afirmados. Porém, evidentemente, dentro de uma visão de realização apocaliptica: “Por isso encontram-se diante do trono de Deus, rendendo-lhe culto dia e noite em seu templo. E o que está sentado no trono os abrigará sob sua tenda. Nunca mais terão sede, e não pesará sobre eles o sol nem seu fogo, pois o Cordeiro que está no meio do trono será seu pastor e os conduzirá para as fontes das águas da vida. E Deus enxugará toda a lágrima de seus olhos” (Ap 7, 15-17). Este texto nos apresenta todos os principais elementos da festa da Suká: a reunião da comunidade diante de Deus, a tenda, o culto permanente no Santuario. A fome e a sede, representando o deserto, porisso a prática de construir a cabana em vista da terra prometida. Está presente a água viva que é a vida em Deus - a Suká eterna: “os abrigará sob sua tenda”. A Grande Suká, a Suká que é festejada todos os anos, agora é estabelecida definitivamente e teologicamente ela abrange todo o Universo. A peregrinação que se faz para ver Deus e para ser visto por Ele, agora é permanente. Para João Jesus primeiramente cumpre na sua totalidade a compreensão e as exigencias da Festa de Sukkot para em seguida ser, Ele mesmo, a realização definitiva da Festa. Como afirma no capítulo 21, 3: “Eu ouvi uma voz forte, vinda do trono, que dizia: Eis a morada de Deus com os homens, Ele habitará com eles. Eles serão seu povo e ele será o Deus que está com eles”. É a Sukká definitiva, eterna. Mais uma vez voltamos ao contexto da Suká anunciado em Zc 14, 9: “O Senhor mostrar-se-á então rei de toda a terra. Naquele dia o Senhor será (UM) único, e (UM) único, o seu nome”. Toda a criação reconhecerá seu único Criador e todos estarão na sua presença. O que era experimentado pelo povo escolhido, o povo judeu, doravante, através de Jesus, a Sukká (Morada: estar diante da presença de Deus) passa a estar ao alcanse de toda a humanidade. Neste sentido a afirmação de João que é sua mais profunda teologia cristologica: “E a Palavra se fez carne e pôs sua Tenda (Suká) entre nós” (Jo 1,14), assume seu sentido pleno dentro da teologia da festa de Sukkot. Ele nos põe diante da afirmação central da fé cristã, isto é, a incarnação de Deus. Porque a Suká é Deus que se revela, que se faz ver. Jesus, portanto, para a escola Joanina, encarna a própria Suká. É a proclamação do acontecimento de Deus na Terra, concreto, histórico. Em definitivo para João, em Jesus, Deus conosco (Ymanu-El), confirma a invasão do Divino sobre toda a criatura e através da morada entre nós (sua Suká), se inaugura, para todos, definitivamente, a eterna fonte da água viva: “…Diz-se que quem não viu a alegria da festa da tiragem da água não viu alegria na vida” (m Sukka V, 1). Deus, povo e criação se encontram. Portanto, apresentando Jesus dentro do contexto da festa de Sukkot, João está proclamando e convidando a todos, em dimensão universal, a participar da dança, entoar Salmos, tocar instrumentos pois a Sukká permanente (Jesus) que é a materializaão de Deus com a humanidade, está construida para todos.