terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Santo Sepulcro


Na imaginação dos fiéis, este lugar santo assume uma relevância simbólica particular: se esperaria que o santuario mais importante da cristandade se elevasse majestosamente sobre uma colina. Na realidade, o monumento é encerrado nas construções anônimas. No lugar onde se procuraria uma luz encandescente, perde-se na escuridão e numa sensação de estreiteza. Onde se esperava encontrar a paz, se é assediado pela cacofonia das diferentes melodias e pelo barulho dos martelos dos pedreiros. Onde se desejaria uma veneração condescendente e desinteressada, encontra-se o ciume: os seis grupos representados - a Igreja católica, a Igreja grega ortodoxa, os Armenios, os Sírios, os coptas e os Etíopes - eles se vigiam uns aos outros constantemente para reagir à mínima violação de seus direitos pessoais.
Nunca a fraqueza humana foi tão evidente como neste lugar santo. Aqueles que aqui vieram sem fé esperando encontrar sinais exteriores partirão sem convicção, enquanto que aqueles que souberem buscar a resposta neles mesmos compreenderão porque centenas de milhares de peregrinos arriscaram voluntariamente suas vidas  e a liberdade para virem rezar aqui.
Será que é o lugar onde o Cristo foi morte e ressucitou? Muito provavelmente, sim. No inicio do I século d.C., este lugar era uma pedreira abandonada fora dos muros da cidade. Túmulos eram talhados nas paredes verticais deixadas pela extração de pedras fendidas de qualidade inferior a 10 metros de altura. Pode-se precisar que os túmulos nas pedreiras datam do I século comparando-os aos túmulos encontrados alhures. Estes fatos arqueológicos servem ao menos para reforçar os paralelos entre este lugar e a descrição correspondente no Evangelho relatando que Jesus foi crucificado fora da cidade, sobre um lugar tendo a forma de um crânio (Jo 19, 17) e não longe de um túmulo (Jo 19, 41-42).
Estas indicações arqueológicas encontram uma base na tradição. Na comunidade judaica, o costume era de rezar sobre os túmulos dos santos, e as celebrações litúrgicas sobre os túmulos em questão se reproduziram ao menos até o ano 66 d.C. A lembrança deste lugar permaneceu viva, muito depois que Adriano (135 d.C.) tenha preenchido de pedras para criar uma superficie plana a fim de construir seu templo consagrado a Afrodita. Não é evidente que Adriano tenha escolhido este lugar para destruir a lembrança cristã, como o pretende Jerônimo; um lugar elevado natural próximo da rua principal teria atirado a atenção de não importa qual arquiteto. O emperador Constatino deve ter longamente refletido no valor deste lugar tradicional antes de precisar a colocação de sua Igreja dedicada à Ressurreição. Pois, para construir uma Igreja justo sobre o túmulo, primeiramente foi preciso destruir o importante edificio, o que multiplicaria o custo da construção. Como o povo queria o lugar exato para a construção, Constantino finalmente cedeu à tradição. Na verdade, o público sempre rejeitou todo outra sugestão com exeção do túmulo do jardim criado pelo general Gordon em 1883.
Constantino começou seu canteiro em 326 e inaugurou sua igreja em 335. A igreja se compunha de 4 elementos: 1 átrium no alto da escada vindo da rua principal; uma basílica coberta com uma absídia; um pátio, no ângulo sudeste, a roca identificada com o Golgota; o túmulo. No momento da inauguração, o túmulo não fora destacado do despenhadero, este trabalho imenso foi terminado por volta do ano 348.
Os Persas queimaram a Igreja em 614; Modesto a reconstruiu sem grandes mudanças. Quando o califa Omar venho assinar o tratado de capitulação em 638, ele recusou o convite do patriarca propondo rezar na igreja com esta resposta: “se eu rezo nesta igreja, voce a perderá; pois os crentes musulmanos virão a ocupar dizendo: Omar rezou aqui”.  Mas se a igreja tivesse sido  transformada em mesquita nesta época, ela teria escapado aos ataques do califa Hakim. Em 1009 este ordenou a destruição sistemática da igreja: as equipes de destruição quebraram as paredes e danificaram o túmulo com golpes de martelo e com picaretas até que os descombros impediram-nos a continuar a destruição.
A comunidade de Jerusalém, desprovida de dinheiro, não pode pagar a reparação. Foi necessario esperar até 1042, o ano que Constantino IX Monomaco subiu ao trono bizantino, para que tesouraria imperial acordasse uma subvenção. No entanto a soma foi insuficiente e o projeto de reconstrução teve que excluir uma boa parte do idificio inicial. Para compensar a perda da basílica, acrescentou-se um galeria superior e uma absidia en torno da retonda. O pátio retomou mais ou menos seu aspecto inicial. Esta foi a igreja que acolheu os cruzados em 15 de julho de 1099. Cinquenta anos mais tarde, os cruzados deram um novo retoque à igreja romana construida sobre o pátio e acrescentada à retonda. O Santo Sepulcro que se visita hoje foi portanto arrumado pelos cruzados. A igreja foi danificada por um incendio em 1808 e por uma terremoto em 1927, mas as tres comunidades maiores (católicos, ortodoxos e armenios) somente entraram em acordo para reconstrução em 1959. Agora, os trabalhos já estão quase terminados. O principio de base é a remoção de elementos que não asseguram suas funções estruturais: uma pedra partida foi substituida, enquanto que sua vizinha que era sólida foi deixada no lugar. Os pedreiros da região aprenderam a talhar a pedra da mesma maneira que se fazia no século XI para a retonda e como se fazia no século XII para a igreja.

Jerome Murphy-O’Connor, Guide Archeologique de la Terre Sainte, Denoël, 1982, 57-60.



Santo Secpulcro, um olhar histórico.
Na sequência da destruição de Jerusalém em 70 d.C. pelo Imperador Tito; Um outro imperador romano chamado Élio Trajano  Adriano (117-138), ordenou a sua reconstrução segundo um modelo que visava fazer dela uma cidade pagã chamada Aelia Capitolina[1].;  A fundação de Aelia Capitolina resultou da fracassada revolta judia de Bar Kokhba[2]; os judeus foram proibidos de entrar na nova cidade e um destacamento da Décima Legião foi designado para guardar a cidade e assegurar a proibição de acesso. Neste sentido, o imperador ordena que o local identificado com a sepultura de Jesus seja coberto com terra e que nele fosse construído um templo dedicado a Vénus.
Em 313, o imperador Constantino[3] decretou o Édito de Tolerância para com os cristãos (ou Édito de Milão[4]), que implicou o fim das perseguições. Em 326, sua mãe Helena[5] visitou Jerusalém com o objetivo de procurar os locais associados aos últimos dias de Jesus Cristo. Em Jerusalém, ela identificou o local da crucificação (o rochedo chamado Gólgota[6]) e a tumba próxima conhecida como Anastasis[7] ("ressurreição", em grego). O imperador decidiu então construir um santuário apropriado no local, a Igreja do Santo Sepulcro, no lugar do templo de Adriano dedicado a Vénus. Os arquitetos inspiraram-se não nas estruturas religiosas pagãs, mas na basílica[8], um edifício que entre os romanos servia como local de encontro, de comércio e de administração da justiça.
Em 614, a igreja de Constantino foi praticamente destruída pela invasão dos persas sassânidas[9] que roubaram os seus tesouros. A basílica foi reconstruída pelos bizantinos[10] durante a reconquista da cidade por Heráclio[11].
Em 638, a cidade de Jerusalém, assim como toda a Palestina[12], passou para as mãos dos muçulmanos. Os primeiros líderes muçulmanos de Jerusalém revelaram-se tolerantes para com o cristianismo. Em 966, as portas e o telhado da igreja foram queimados durante um motim. Em 1009, o califa fatimida[13] Al-Hakim ordenou a destruição de todas as igrejas de Jerusalém, incluindo o Santo Sepulcro, sendo que somente os pilares da igreja, que eram da época de Constantino, sobreviveram à destruição. A notícia da sua destruição foi um dos fatores que estiveram na origem das Cruzadas[14].
Em 1099, os cruzados tomaram Jerusalém e construíram uma nova basílica que, no seu essencial, é a que se encontra hoje no local. A nova igreja foi consagrada em 1149. Debaixo da igreja encontra-se a cripta de Santa Helena, local onde a mãe de Constantino I afirmou ter encontrado a verdadeira cruz na qual Jesus Cristo teria sido crucificado.
Com o regresso de Jerusalém ao domínio islâmico em 1187, Saladino[15] proibiu a destruição de qualquer edifício religioso associado ao cristianismo. No século XIV, o local começou a ser administrado por monges católicos e por monges ortodoxos gregos. Outras comunidades pediam também a possibilidade de gerir o local (como os coptas[16])
No século XVIII, procedeu-se à reparação da cúpula da Igreja do Santo Sepulcro. Em 1808, um incêndio destruiu o local e a restauração iniciou-se em 1810. Novos restauros ocorrem entre 1863 e 1868.
Em 1927, um abalo sísmico em Jerusalém causou graves estragos à estrutura.
Desde o tempo dos cruzados, os recintos e o edifício da Basílica do Santo Sepulcro tornaram-se propriedade das três maiores denominações - os greco-ortodoxos, os armênio-ortodoxos e os católicos romanos. Outras comunidades - os copta-ortodoxos egípcios, os etíope-ortodoxos e os sírio-ortodoxos - também têm certos direitos e pequenas propriedades dentro ou a pouca distância do edifício. Os direitos e os privilégios de todas estas comunidades são protegidos pelo Status Quo[17] dos Lugares Santos (1852), conforme estabelece o Artigo LXII do Tratado de Berlim[18] (1878).


[1] O nome Aelia vem do nome gentil de Adriano; Capitolina, porque a nova cidade foi dedicada a Júpiter Capitolino, a quem um templo foi construído no sítio do Templo Judeu.

[2] Foi uma rebelião de judeus contra o Império Romano, que explodiu na Judeia, em 132 d.C.
[3]Constantino I, também conhecido como Constantino Magno ou Constantino, o Grande (em latim Flavius Valerius Constantinus).

[4] Também referenciado como Édito da Tolerância, declarava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso, acabando oficialmente com toda perseguição sancionada oficialmente, especialmente do Cristianismo. O édito foi emitido pelo tetrarca ocidental Constantino I, o grande, e por Licínio, o tetrarca Oriental.

[5] Flávia Júlia Helena, também conhecida como Santa Helena, Helena Augusta, e Helena de Constantinopla.

[6] Calvário (em aramaico Gólgota) é o nome dado à colina que na época de Cristo ficava fora da cidade de Jerusalém, onde Jesus foi crucificado. Calvaria em latim, Κρανιου Τοπος (Kraniou Topos) em grego e Gûlgaltâ em transliteração do aramaico. O termo significa “caveira”, referindo-se a uma colina ou platô que contém uma pilha de crânios ou a um acidente geográfico que se assemelha a um crânio.

[7] Em grego: anastasis significa literalmente "levantar; erguer". Esta palavra é usada com frequência nas Escrituras bíblicas, referindo à ressurreição dos mortos. No seio do povo hebreu, a palavra correlata designava diversos fenômenos que eram confundidos na mentalidade da época. O seu significado literal é voltar à vida; assim, o ato de uma pessoa considerada morta viver novamente era chamado ressurreição. Existe a conotação escatológica adotada pelas igreja cristãs para esse termo que é a ressurreição dos mortos no dia do juízo final.

[8] Basílica é um grande espaço coberto, destinado à realização de assembleias cuja origem remonta à Grécia Helenística. O seu modelo foi largamente desenvolvido pelos Romanos, sendo mais tarde adaptado como modelo para os templos cristãos.
[9] O império sassânidas foi o último Império Persa pré-islâmico, governado pela dinastia sassânida de 224 d.C. a 651.

[10] O Império Bizantino (ou Bizâncio) foi o Império Romano do Oriente durante a Antiguidade Tardia e a Idade Média, centrado na sua capital, Constantinopla. Conhecido simplesmente como Império Romano.

[11] Flávio Heráclio Augusto (ca. 575  11 de fevereiro de 641) reinou como imperador bizantino de 5 de outubro de 610 a 11 de fevereiro de 641.

[12] Palestina é a denominação histórica dada pelo Império Romano a partir de um nome hebraico bíblico, a uma região do Oriente Médio situada entre a costa oriental do Mediterrâneo e as atuais fronteiras ocidentais do Iraque e Arábia saudita, hoje compondo os territórios da Jordânia e Israel, além do sul do Líbano e os territórios de Gaza e Cisjordânia.

[13] O Califado Fatímida foi um califado formado com a ascensão da dinastia dos fatímidas, uma dinastia do xiismo ismaelita constituída por catorze califas, que reinou na África do Norte entre 909 e 1048 e no Egipto entre 969 e 1171.

[14] Chama-se cruzada a qualquer um dos movimentos militares de inspiração cristã que partiram da Europa Ocidental em direção à Terra Santa e à cidade de Jerusalém com o intuito de conquistá-las, ocupá-las e mantê-las sob domínio cristão. Estes movimentos estenderam-se entre os séculos XI e XIII, época em que a região estava sob controle dos turcos muçulmanos.

[15] Saladino foi um chefe militar curdo muçulmano que se tornou sultão do Egito e da Síria e liderou a oposição islâmica aos cruzados europeus no Levante. No auge de seu poder, seu domínio se estendia pelo Egito, Síria, Iraque, Iêmen e pelo Hijaz. Foi responsável por reconquistar Jerusalém das mãos do Reino de Jerusalém, após sua vitória na Batalha de Hattin e, como tal, tornou-se uma figura emblemática na cultura curda, árabe, persa, turca e islâmica em geral.

[16] A Igreja Ortodoxa Copta, de acordo com a tradição, foi estabelecida pelo apóstolo São Marcos no Egito em meados do século I (aproximadamente no ano 60). É uma Igreja não-calcedoniana, isto é, uma Igreja cristã que não está em comunhão com a Igreja Ortodoxa nem com a Igreja Católica.

[17] O conceito de "status quo" origina-se do termo diplomático "in statu quo ante bellum", que significa "no estado (em que se estava) antes da guerra.

[18] O Tratado de Berlim, concluído em 13 de julho de 1878, foi acordado entre as principais potências da Europa e o Império Otomano, e determinou o estabelecimento de um verdadeiro regime de controle permanente sobre a administração interna do império, de maneira a garantir o que os europeus invocavam como um mínimo aceitável de direitos, em particular a "liberdade religiosa" para os cidadãos submetidos à lei turca.

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