1. Deus, onde estas?
A partir do momento em que o homem começou a perguntar-se pelo destino dos mortos, o transcendente passou a ser a resposta. Esse transcendente é Deus. Deus passou a ser cultuado, venerado e solicitado. Cada grupo de pessoas em determinado local e época histórica experimentou sua presença. Deus pode ser visto como elemento da natureza, como é o caso com os índios. É um Panteão de deuses com características humanas, como entre os gregos antigos. É visto nos animais, como no caso da vaca, na Índia. E energia, para muitas confissões orientais. É visto como único e como pessoa para as grandes religiões monoteístas. Deus é algo, alguma coisa, motor imóvel, elemento primordial, é o ser metafísico para a filosofia. Deus... Deus... Não podemos abordar todas as concepções de divindade que essa pequena palavra de quatro letras abarca.
A humanidade sempre precisou de Deus. Deus sempre esteve presente na vida cotidiana do ser humano, como critério de ação, de comportamento, enfim como fundamento para a organização humana. Porem, o critério de organizar o mundo a partir da vontade de Deus, em determinados momentos da história, se absolutizou e passou a escravizar qualquer outra pretensão de explicação do mundo. Qualquer explicação cientifica do mundo tinha de passar pelo crivo da teologia. A razão só era razão quando prestava serviço à teologia ou se ajustava a alguns princípios teológicos intocáveis.
Com o evento da modernidade, a razão se liberta da teologia, do sagrado, e com ela todas as ciências se emancipam e passam a trilhar seus próprios caminhos, construídos a partir de métodos próprios. A razão e seus princípios passam, então, a ser uma das principais dimensões de compreensão do mundo para o ser humano. Assim, os horizontes humanos de compreensão se dilataram impressionantemente, provocando uma verdadeira revolução na organização do mundo e na compreensão do próprio ser humano.
Essa revolução na compreensão humana atingiu em cheio a religião, provocando uma dessacralização do mundo e uma mundanização do sagrado. A razão pode ser comparada a um pássaro que consegue enfim escapar da gaiola que havia muito o aprisionava. Ele sai voando sem itinerário e local onde pousar, simplesmente voa, dá cambalhotas, faz manobras... para sentir o vento batendo em sua plumagem, que lhe proporciona o desfrute da liberdade conseguida. Assim foi com a razão. Voltou-se para quem a aprisionava e como novo arauto da liberdade passou a combatê-lo. Isto afugentou Deus do mundo, tornando-o mais distante, menos conhecido e em conseqüência menos necessário.
A razão passou a explicar melhor a realidade. Houve uma aceitação de que ela era capaz de conduzir a humanidade à felicidade, uma crença de que haveria um momento em que a razão e a ciência superariam todos os males da humanidade e construiriam uma situação de plenitude. Temos então um ato de fé exasperado na razão por parte de toda a filosofia, de todas as ciências e seus sistemas e correntes. Guerras e catástrofes continuam; a morte de milhões de pessoas e a possibilidade de destruição do próprio planeta pelas mãos humanas geram perguntas: Que razão é esta? Que homem é este? Quem é o culpado? A garantia de segurança e sustento para a humanidade nunca veio. Estamos numa época de mudanças aceleradas e, por conseguinte, de verdadeira insegurança em todos os âmbitos da vida humana: valores, religião, ciência, mercado, política, relações, comportamentos etc. a nova política econômica internacional chega a todos os recantos do planeta; nesta “Aldeia global”, um mínimo ajuste econômico em qualquer país pode mergulhar a humanidade numa verdadeira crise planetária. Às vezes, no progresso, na tecnologia e na ânsia desmedida de lucros não encontramos nenhuma ética. Abrimos os olhos e nos percebemos em meio a uma sociedade fragmentada.
Tudo isso leva-nos à pergunta: Deus, onde estás? Deus morreu para muitos pensadores; outros o mataram; para outros, nunca existiu. No entanto, sempre continuou vivo na crença de muitos fiéis e nos interiores das religiões. Atualmente cresce cada vez mais o número de cientistas que confessam ou ao menos acreditam num ser transcendente, seja lá qual for a forma em que é concebido. Muitas religiões respondem à pergunta afirmando estar em suas igrejas; outras, que está por aí, no mundo. Cada religião, cada teólogo, cada fiel, cada crente apresenta uma forma, uma imagem, uma concepção, uma interpretação, uma certeza, uma prova. Uns protestam que seu Deus é o verdadeiro Deus; outros contestam; outros permanecem céticos; outros preferem não emitir considerações; outros... Outros... Outros....
Mas, afinal, onde está Deus?
Para fazer teologia não basta acreditar em Deus. Este é o papel de quem crê ou o professa. Para fazer teologia é necessário perguntar: Deus, onde estás? É da resposta a essa pergunta que nasce a reflexão teológica e, por conseguinte, a própria teologia. Numa sociedade fragmentada, não é difícil encontrar um Deus fragmentado em várias convicções ou crenças.
É nesse contexto que os teólogos devem perguntar e responder: Deus, onde estás? Ao responder, já estarão fazendo teologia.
A fragmentação é uma constatação da sociedade contemporânea. Porém, Deus sempre foi fragmentado. Cada religião e cada teólogo apresentam uma concepção de Deus, uma parte, uma face. Várias são as facetas de Deus no interior das Sagradas Escrituras. Varias são as imagens de Deus que os teólogos da Igreja apresentam ao longo dos tempos.
Em nossos dias, continua a haver diferentes formas de ver e apresentar Deus. Assim, apresentaremos algumas abordagens e questões sobre esse Deus Único, visto como multifacetado e múltiplo na história da tradição judeu-cristã, na historia da filosofia, nas religiões e no mundo contemporâneo.
1.1 A Imagem de Deus na Bíblia
Johan Konings, professor do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte, MG.
Não apresento aqui um estudo sobre o ser de Deus legitimado com citações bíblicas, mas uma tentativa de evocar a imagem deixada pela experiência de Deus nas tradições bíblicas – desde a Bíblia de Israel até as expressões de fé que as comunidades oriundas de Jesus de Nazaré reconheceram como suas e acolheram nas Escrituras cristãs. Não apresento nada de novo em termos de pesquisa histórica ou exegética. Contento-me em refletir sobre dados de domínio público, dispensando, por isso, as referencias bibliográficas. Não apresento um estudo exaustivo. Seria impossível tratar de todos os títulos de todas as figuras referentes a Deus na Bíblia. Seguem apenas alguns pensamentos que o título provocou em mim.[1]
Coloco minhas reflexões à luz do lema geral da presente jornada de estudos: “Deus, onde estás?. Considero essa pergunta uma chave de leitura para o tema da imagem de Deus, como espero explicar.
No Salmo 42,4, o justo se queixa porque os ímpios debocham perguntando onde está seu Deus. o Salmo 79,10 reza: “Por que deixar as nações dizerem: Onde está o deus deles?” A resposta vem no Salmo 115,3: “Nosso Deus está nos céus; tudo o que quis, ele os fez”. E segue-se uma paródia sobre os deuses que não estão nos céus, mas são levados cambaleando em procissões ridículas, os ídolos dos pagãos, que não falam nem agem, como já os descrevera o Segundo Isaías (Sl 115,4-8; cf. Is 44,9-20; 46,6-7).
“Onde está o teu Deus?” – Israel ou o justo aparecem aos olhos dos adversários como pessoas que não podem apontar a presença ativa de um deus que os proteja. É a pergunta sarcástica do dominador ao dominado. E o dominado responde apontando para o Deus soberano e Criador, o Deus que age, que faz tudo o que é de seu beneplácito.
Malaquias 2,17 pergunta: “Onde está o Deus que faz justiça?” As pessoas não acreditam na justiça, os que usurpam o direito é que vão bem. Parece dar razão aos “insensatos” que dizem “Deus não há”, Deus não está nem aí (14,1). A suposta irrelevância de Deus é que inspira aos violentos o plano de aniquilar o justo, que chama Deus de Pai (Sb 1,16-2,24).
“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”, (exclama Jesus na cruz )Mc 15,34), citando o Salmo 22,2. mas, quando logo depois ele morre, o soldado reconhece nele “um filho de Deus”. o grito da ausência de Deus (ao qual o Salmo dá também a resposta) é o grito de alguém para quem Deus é pai. O texto paralelo de Mateus 27,43 cita expressamente o acima referido texto da Sabedoria 2 sobre a perseguição infligida ao justo como provocação a Deus, seu Pai. Do meio de sua opressão, o justo, e mesmo Jesus na cruz, invocam a presença salvadora de Deus.
Antes de todos esses textos encontra-se o testemunho daquilo que pode ser considerado a pedra angular da Escritura judaica e cristã: a manifestação de Deus a Moisés. Deus dá a conhecer seu nome, e esse nome não é senão a resposta à pergunta: “Onde está teu Deus?”. “Quem sou eu para ir a Faraó e fazer sair do Egito os filhos de Israel?” – “Eu estou contigo...” – “Se me perguntarem: Qual é seu nome?” – “Eu sou aquele que aí estarei... Assim falarás aos filhos de Israel: Eu sou/estou me enviou a vós” (Ex 3,11-14). Deus é a presença diante do qual o Faraó se há de dobrar, e Israel há de escutar.
Nesse quadro, a presença de Deus significa experiência de salvação, de libertação, de resgate ou de saída, como se poderiam também traduzir os termos hebraicos. “Onde está Deus?” Não é uma pergunta teórica em torno de um lugar ou conceito de Deus, mas a pergunta de como Israel e a comunidade de Jesus experimentam essa presença salvífica e a exprimem na imagem do “seu” Deus.
1.1.2 O Deus judaico
“Assim falarás aos filhos de Israel: YHWH, Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó, enviou-me a vós. Este é meu nome para sempre, é assim que convém invocar-me em todos os tempos” (Ex 3,15).
Na percepção humana primordial, o que se chama “deus” é o último refúgio, o respaldo firme, o ponto de segurança na vida, a realidade na qual se pode acreditar, à qual se pode dar crédito incondicional. Essa realidade não é pensada imediatamente com toda a transcendência que a teologia hoje em dia exige, mas o efeito prático é o da plena confiança. Daí ter muito sentido a pergunta: “Onde está teu deus?”. se ele não está aí, se ele se perde numa transcendência totalmente alheia ao nosso âmbito existencial – histórico, não exerce mais a função de deus.
O que se chama deus é uma realidade misteriosa, numinosa, que acompanha os seres humanos na vida: os totens que acompanham os índios e as imagens de santo Antonio que acompanha os portugueses... Só que santo Antonio foi devidamente integrado à hierarquia da santidade cristã! Os antepassados do povo bíblico tinham seus seres numinosos que os acompanhavam: o Terror de Isaac (Gn 31,42 E), o Indomável – touro ou cavalo – de Jacó (Gn 49,24 J) ou mesmo a Rocha que salva (Sl 95,1).
Os nomes expressam o caráter protetor ou, quando se trata de uma comunidade política, o caráter tutelar de Deus. Por isso, um deus de verdade tem um povo, alguém a quem proteger, e este, em compensação, deve prestar culto a ele e tornar seu nome conhecido e honrado junto aos outros grupos.
Esse caráter tutelar da figura de Deus aparece num dos mais antigos textos incrustados na Bíblia, na narrativa da aliança entre Labão e Jacó: “Que o deus de Abraão [ antepassado de Jacó] e o deus de Nahor [antepassado de Labão] protejam o direito entre nós” (Gn 31,53a J)...
No culto do antigo Israel pré- exílico aconteceu uma fusão de dois nomes divinos, El e Javé (Yahô ou Yáhu, como revelam os nomes teofóricos Eliyáhu / Elias, Hisquiyáhu / Ezequias, Ieshayáshu / Isaías etc.). o nome Yáhu parece ter raízes entre os seminômades da península do Sinai, o que seria confirmado pela história da teofania no Sinai, quando Yáhu se dá a conhecer a Moisés, e este medeia uma aliança entre Yáhu e os hebreus / filhos de Israel (Ex 3; 6; 19-24), tornando-se por assim dizer o fundador da religião de Israel. Já o nome de El (presente no nome próprio “Israel”, mas também em “Babel”!) é atestado nas outras culturas semíticas e ficou em uso na religião de Israel como nome genérico de Deus, enquanto Yáhu passou a ser usado como nome próprio – tornando-se, com o decorrer do tempo, inefável (daí ser substituído, na pronuncia, por adonay, “o Senhor”).
1.1.3 Considerações finais
A pergunta “Onde está teu Deus?” não é uma pergunta pela localização de Deus. ela significa: “Teu deus está contigo?”, “Tens respaldo?”. Quando o povo exclama: “Deus, onde estás?”, não quer saber onde Deus está, mas se ele está aí. O nome de Deus ehyê asher ehyê não significa em primeiro lugar “eu sou aquele que é” (como traduziu a Septuaginta helenizada), mas “eu estarei aí, seguramente”. Não se pergunta por um lugar, mas invoca-se uma presença atuante e salvadora.
Os nomes de Deus são as invocações dessa presença, as expressões simbólicas daquilo que se espera, da confiança que se põe nessa presença. Podem ser lembranças da origem: o lugar onde sua presença se manifestou: El Betel. Onde aconteceu a invocação de Agar: El Roi. Lembrança do agir salvador: o do Sinai, o de Seir. Reconhecimento do dom da vida: o Deus dos pais, dos antepassados, de Abraão, de Isaac, de Jacó. A condução do povo: o pastor. A força: o Indomável de Jacó, o Terror de Isaac. A guerra santa: o Deus dos Exércitos (mais tarde interpretados como exércitos celestes). Às vezes a imagem ficou perdida e o nome tornou-se mera expressão do númen, do mistério poderoso: El Shaddai. Podem ser proclamações e invocações de sua grandeza: o Senhor, o poderoso. Ou de sua relação exclusiva com seu povo: o Esposo, a Gloria de Israel. Mas é sempre o Deus do povo; e, depois de longa experiência, o nome preferido será Pai.
Para Jesus, não apenas pai do povo. É o Pai que está sempre com ele, de modo muito pessoal. Com o qual ele se relaciona numa unidade afetiva e festiva, de amor e de beneplácito, execução do projeto do Pai confiado a ele no amor e ratificado na comunhão para sempre, na ressurreição.
“Deus, onde estás?” é a pergunta do homem pós-moderno numa situação de crepúsculo. Crepúsculo dos deuses. Um mundo de aprendizes feiticeiros. O invento superou a capacidade humana de dominá-lo. A ciência parece ter-se transformado em poder autônomo, que se exerce em detrimento de seu inventor. O mercado e a máquina governam o homem, excluem o homem, condenam-no à morte. A natureza foge do homem. Ela não morre, mas se vinga de suas exageradas exigências, de sua cobiça desbragada. Amontoam-se nuvens ameaçadoras. Será que há ainda lugar para a nuvem da shekiná, da presença consoladora e reconfortadora de Deus?
A resposta de Jesus de Nazaré continua válida: “Foi a mim que o fizestes”. A shekiná, a Presença esta no ser humano rejeitado e excluído. Nele se encontra o Poderoso, o Inelutável. O crucificado é a imagem do Deus Invisível. Quem me vê, diz ele na véspera de sua execução, vê o Pai. A cruz é o trono da glória onde podemos contemplar a Presença invencível, a Gloria, o rosto que ninguém jamais viu.
1.2 A experiência de Deus nas religiões
Faustino Teixeira, professor de Ciências da Religião da Universidade de Juiz de Fora, PPCIR – UFJF / ISER.
Não constitui tarefa fácil desvendar o universo da experiência de Deus ou do sagrado nas diversas tradições religiosas. Embora convocado para falar sobre esse tema tão amplo e complexo, gostaria de esclarecer de antemão o caminho que decidi traçar na abordagem da questão. Em primeiro lugar, seria importante explicitar o lugar a partir do qual falarei sobre o tema. Minha reflexão se dá na perspectiva da teologia cristã das religiões e não na de uma “teologia mundial” ou universal das religiões, proposta por certos autores, que transcenderia as identidades religiosas particulares ao mesmo tempo que as integraria. Não creio ser possível uma teologia mundial, pertinente a toda a humanidade e sem vinculação específica com uma comunidade religiosa particular. Em sintonia com a reflexão de Jacques Dupuis[2], sublinharia que uma teologia que se pretendesse “supraconfessional” tornar-se-ia problemática na medida em que não há possibilidade de fazer teologia a não ser a partir de uma fé específica. Diversas adesões de fé não podem convergir numa “teologia mundial” mas numa diversidade de teologias. Ao lado de uma teologia cristã das religiões há, assim, um legítimo lugar para outras teologias confessionais. O fato de ser confessional não implica, necessariamente, uma restrição de horizontes. Isto só ocorre quando a reflexão se encerra numa perspectiva ensimesmada ou provincial. Não é esta a perspectiva que defenderemos.
O caminho que apontamos vai no sentido de uma teologia cristã aberta e sensível ao horizonte universal, que assume com otimismo uma “perspectiva global” disponível às várias contribuições e aos diversos enriquecimentos adivinhos das outras tradições religiosas e que seja capaz de reconhecer e saudar o pluralismo religioso como um dado de princípio e não problemático....
1.2.1 A experiência de Deus no cristianismo
O cristianismo encontra-se fundado numa compreensão de um Deus que é comunhão, de um Deus que integra as diferenças: de um Deus que é Trindade e não solidão. Ele suscita a diferença, não por estar marcado pela insuficiência, mas justamente por ser comunhão. Por ocasião do encontro de Puebla, João Paulo II afirmara: “Já se disse de forma bela e profunda que nosso Deus em seu mistério mais íntimo não é uma solidão, mas uma família, pois leva em si mesmo a paternidade, a filiação e a essência da família que é o amor”[3].
A concepção cristã de Deus descarta, por si mesma, toda perspectiva monolítica e fechada de Deus: existe, pois, uma “dimensão ‘plural’ em Deus”. rico em sua unidade de relações, o Deus cristão não é nem o “Um” do monoteísmo estrito (de tipo plotiniano[4]), nem o “Vários” do politeísmo. Trata-se de um Deus que “integra o plural. Um monoteísmo que integra, ousaria dizer, a inquietude, o sussurro, a riqueza do plural”
Como bem sabemos, mediante a perspectiva trinitária, o plural, o múltiplo não podem, absolutamente, ser identificados como algo negativo. Essa identificação foi fruto da tradição grega e filosófica que, com poucas exceções, ponderou unicamente a gloria e a nobreza do “Um” encerrado em si mesmo, como o de Plotino. O monoteísmo presente no cristianismo revela-nos que o “Uno” é rico de uma multiplicidade interna. A riqueza da composição de vários em um foi observada por muitos pensadores, teólogos e poetas. Pascal dizia: “Toda a verdade é feita de verdades contrárias que parecem excluí-la e que subsistem numa ordem admirável”. Esse monoteísmo original e aberto foi fruto da “audácia” das primeiras gerações cristãs, que souberam “transgredir” a compreensão do monoteísmo comum. Deus não se encontra na solidão, Deus não é solidão: “Non in solitudine Deus”, diz Hilário de Poitiers. Já Orígenes, em sua homilia sobre Ezequiel, rompia o bloqueio do conceito filosófico grego do Deus impassível, ao sublinhar que o Deus cristão é alguém que tem piedade, que se compadece, que experimenta uma paixão de caridade. Salienta que “nem mesmo o Pai é impassível. Ao se colocar diante dele em oração, ele manifesta piedade e se compadece, experimenta uma paixão de caridade, colocando-se numa condição incompatível com a grandeza de sua natureza” . essa Kenosis[5] de Deus, esse descensus, esse vir ao encontro do humano era algo inimaginável para aquele tempo e em viva contradição com o paganismo. Como sublinha Gesché, Deus não seria a rigor monoteísta. É de fato, a partir do “três” que aprendemos o significado do “um”.
O cristianismo não fecha, assim, caminho a uma concepção mais flexível da unidade. Nesse sentido, introduz em sua própria linguagem uma abertura que felizmente impossibilita qualquer raciocínio excludente. Assim, podemos nos aproximar da intimidade de Deus, um Deus que integra a diferença e convoca o cristianismo a dar direito à diferença. Trata-se, igualmente, de um Deus que é mistério que sempre advém. Um Deus que é mistério do mundo, mas cuja visibilidade é provisória: se dá nas condições do mundo. “O mundo não pode tornar manifesto o Deus eterno de modo eterno, divino.” O ser de Deus guarda surpresas inauditas para cada um de nós. Sua substancia mais íntima constitui “evento do vir-a-ser”: é o Deus que era, que é e vem.
O Deus da Bíblia é um Deus que “bendiz o múltiplo”. Já no livro do Gênesis a multiplicidade das famílias da terra e a variedade de suas línguas são acolhidas e celebradas positivamente (Gn 10,31-32). E todas as nações da terra, benditas (Gn 12,3). O episódio da torre de Babel, no capítulo 11 do mesmo livro, narra a condenação divina da ambição humana idolátrica de colocar no lugar de Deus uma humanidade monolítica. A pluralidade vem, assim, acolhida por Deus. no Novo Testamento, o episódio de Pentecostes constitui a real consagração do plural e de sua cidadania. A efusão do Espírito indica que “a pluralidade das línguas e das culturas é necessária para traduzir a riqueza multiforme do mistério de Deus”.
O Deus de Jesus é alguém que comunga com o ser humano: um Deus “de ternura e de piedade, lento para a cólera, rico em amor e fidelidade” (Ex 34,6). Como bem sublinhou W. Pannenberg, o Deus de Jesus não difere do Deus testemunhado no Antigo Testamento e reverenciado na fé judaica: o mesmo Deus de Abraão, Isaac e Jacó (Mt 12,26s)[6] . é um Deus de misericórdia (rahamim[7]) e de bondade (hanum), rico em graça (hesed) e fidelidade (‘emet). “Estas são imagens tomadas das emoções e atitudes que mais intimamente comprometem a vida pessoal dos seres humanos e que serão aplicadas a Javé com particular realismo pelos profetas”. Como recorda Ronaldo Munoz, rahum é a ternura, o carinho e a compaixão que sente a mãe pelo seu filho pequeno; hanun, a benevolência ou favor dedicado por alguém para com os seus prediletos; hesed, o amor de solidariedade e a confiança mútua dos que estão intimamente ligados.
O Deus de Jesus não é o Deus da ataraxia estóica, da impassibilidade platônica, da imortalidade aristotélica, mas um Deus que cuida do ser humano, alguém atento e preocupado. E assim se manifesta desde a primeira página da Bíblia: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18), até sua última página, com o Livro do Apocalipse: “Eis que eu venho em Breve” (Ap. 22,7). Um Deus que “cuida de cada cabelo de nossa cabeça” (cf. Lc 21,18), que faz o sol nascer indistintamente para todos e a chuva jorrar sobre justos e injustos (Mt 4045).
Os Evangelhos testemunham de forma muito clara como Jesus retoma esta dinâmica de alteridade, suscita por sua profunda relação com o Pai. Trata-se de alguém que se afirmou e cresceu como um “judeu fiel” mas ao mesmo tempo crítico diante das rigorosas observâncias religiosas mantidas pelos judeus como expressão da vontade de Deus. Essa relação de alteridade foi descrita de forma primordiosa pelo biblista Carlos Mesters em trabalhos recentes.
Ao conviver trinta anos no interior da Galiléia, Jesus se dá conta da dura realidade da exclusão sofrida por segmentos simples da população: os leprosos, os doentes, os publicanos, as mulheres, os pagãos, os pobres e outros, excluídos ou renegados em nome das normas vigentes da cultura e da religião.
Um dos traços peculiares da prática de Jesus é a acolhida dada aos excluídos: sua ternura e o amor receptivo para com os pobres e os excluídos de seu tempo, sobretudo para com os samaritanos. Para os judeus daquele tempo, os samaritanos eram postos, do ponto de vista cultual e ritual, “em pé de igualdade com os pagãos”. Como sublinha Mesters, o povo dos terreiros de candomblé é hoje, para muitos de nós católicos, o que os samaritanos eram para os judeus no tempo de Jesus.[8] Aos samaritanos Jesus dedica de modo preferencial sua ternura e seu amor acolhedor. Jesus não condena a aproximação com o diferente. Ele faz o contrario. Na parábola do bom samaritano, coloca um samaritano como exemplo para o sacerdote e o levita (Lc 10,29-37). Em bela passagem de sua clássica obra sobre a teologia da libertação, Gustavo Gutiérrez sublinha que o samaritano acerca-se do ferido que está à beira do caminho “não por um frio cumprimento de obrigação religiosa, mas porque ‘se lhe removem as entranhas’, porque seu amor por esse homem se fez carne nele[9].
Jesus não evita o território “impuro” dos samaritanos, como o faziam os judeus observantes da época. Ele entra nas cidades e nos povoados da Samaria, mesmo sem ser bem recebido (Lc 9,52-53). No episódio dos leprosos, descrito por Lucas, será justamente o samaritano aquele que o reconhecerá e o agradecerá pela graça recebida )Lc 17,15-16). “Jesus puxa conversa com a mulher samaritana, o que era proibido pelos costumes da época (Jo 4,7)[10]. E conversando com ela não a condenou. Pelo contrário, foi a essa mulher da Samaria que ele, por primeiro, se revelou como o Messias (Jo 4,25-26). Na conversa com a samaritana, Jesus colocou os pingos nos ii (Jo 4,21-22), mas não disse ela devia abandonar a sua religião. [11]
Jesus não fazia acepção de pessoas: convivia e partilhava a comida com pecadores e publicanos (Mc 2,15-16 e Lc 5,30)...
A missão que Jesus conferiu a seus discípulos e discípulas era uma missão de paz. Ao contrario de outros missionários descritos no Evangelho (Mt 23,15), os seguidores de Jesus não podiam levar nada em sua missão: nem ouro, nem prata, nem cobre, nem duas túnicas ou sandálias. Deviam ser portadores de paz: “ao entra na casa, saudai-a”. e que a paz desça sobre ela (Mt 10,9-13). Nem sequer comida deviam levar. Jesus recomendou-lhes que “nada levassem para o caminho”, nem mesmo o pão (Mc 6,8), e que partilhassem a comida do povo.
O missionário devia confiar na hospitalidade do povo e aceitar a comunhão de mesa: “comei o que vos servirem” (Lc 10,8). Em sua missão, deviam cuidar dos excluídos, doentes e estigmatizados. Somente ao cumprir as exigências de afirmação de vida é que podiam, então, saudar e se alegrar com a chegada do Reino (Lc 10,1-12; 9,1-6; Mc 6,7-13; Mt 10,6-16).
O objetivo decisivo da missão não era, em primeiro lugar, “anunciar uma nova doutrina, mas sim testemunhar uma nova maneira de viver e de conviver. Deviam recriar e reforçar a comunidade local, o clã, a casa, para que esta pudesse ser novamente uma expressão do Reino, uma expressão do amor de Deus como Pai que faz de todos irmãos e irmãs”. A missão dos discípulos e discípulas de Jesus revela que o Reino começa a acontecer quando as pessoas, tocadas pela vida e pela mensagem de Jesus, passam a acolher e partilhar as riquezas e valores que possuem; quando assumem em toda a sua radicalidade: criaturas e filhos de Deus e irmãos e irmãs uns dos outros. O anuncio da Boa Nova de Jesus consiste justamente em tirar o véu e revelar que o Reino de Deus está em nosso meio (Lc 17,21) e acontece “onde quer que Deus esteja reinando mediante sua graça, seu amor, vencendo o pecado e ajudando os homens a crescer”[12].
1.2.2. Cristianismo, a religião da revelação de um Deus dos homens
O cristianismo é uma revelação e do livro. Fundamenta-se na manifestação de Deus na história, através do povo de Israel e, de maneira última e definitiva, em Jesus Cristo. Este dado revelado foi transmitido oralmente e consignado por escrito por uma comunidade que reconheceu nessa tradição e escritos uma comunicação única e original de Deus.
O fato de um Deus se comunicar com os homens, um Deus dos homens, é central na visão cristã. Essa realidade foi sempre meditada, pregada através da história por uma comunidade, a Igreja. Ela lê e medita os livros sagrados, celebra a vida do Espírito em seu meio, organiza-se em instituições, desenvolve práticas de serviço e caridade em relação a toda humanidade. Nesse sentido, ela vive dentro de uma tradição, alimentando-se dela, mas também enriquecendo-a pelo simples fato de ir vivendo-a em tempos e circunstancias diferentes.
A Igreja só pode ir transmitindo de maneira viva a Palavra de Deus se a interpreta na fé, na acolhida humilde, para si e para os outros em cada momento da historia. Assim a tradição da Igreja, pensada e pregada, é, ao mesmo tempo, uma realidade já dada e sempre em devir. Enquanto se vive uma comunicação de Deus a um povo escolhido e a sua expressão de modo pleno em Jesus Cristo, a revelação já está toda dada. Enquanto ela é vivida pela Igreja ao longo de uma historia, que caminha em direção a uma plenitude final marcada pela presença do Espírito, está sempre em construção. Uma tradição viva só existe quando apropriada (algo dado) por novos sujeitos sob a presença iluminadora do Espírito (sempre em construção). Além disso, iluminada por essa revelação, a Igreja sabe que seu Deus está atuando reveladora e salvificamente para além dos seus limites, em todos os tempos e em toda a humanidade.
Israel viveu interpretando em e para cada geração, de maneira viva, a história reveladora e salvadora de Deus. Jesus também releu a tradição judaica, com a autoridade máxima de Filho, para a nova situação que vivia. Da mesma maneira continua fazendo a Igreja até hoje. Ela vive dentro da revelação viva e transmitida, nessa correnteza maravilhosa da Tradição. Aí dentro vai desenvolvendo os temas que os momentos históricos exigem. Nos primeiros séculos, debruçou-se sobre a dupla questão fundamental: como articular a unidade monoteísta de Deus com a pretensão divina de Jesus? Como entender essa mesma unidade com a promessa do Espírito divino? Numa palavra, o dogma da Trindade ocupou os debates de séculos. E a pura questão cadente foi o mistério de Jesus. Como aquele homem de Nazaré poderia ser Filho de Deus?
A cristologia e a Trindade estavam intimamente ligadas. No fundo, era o problema de Jesus que obrigava aqueles que acreditavam nele e herdavam a grande tradição judaica a repensar o mistério de Deus, até chegar a entendê-lo como Trindade e Jesus como o verbo feito homem.
Esse evangelho de Jesus penetra o mundo pagão romano, exigindo-lhe profunda conversão. O conflito entre essa proposta de salvação e a realidade de pecado em que viviam os pagãos leva também a teologia a pensar o problema da graça. No mundo oriental, trabalhou-se a vida da graça mais na linha da inabitação do Espírito Santo. No mundo ocidental, com a figura ímpar de Sto. Agostinho, a problemática da graça desenvolveu-se na linha de sua oposição ao pecado e em tensão com a liberdade humana.
Em todas essas questões, tratava-se, no fundo, de ir repensando, interpretando a revelação para novas situações. Vivia-se no interior dessa revelação. Entretanto, a revelação, como fato, não era questionada, nem se tornava problema. Nesse sentido, a teologia não se debruçava sobre o fato, o sentido, as dificuldades que uma manifestação de Deus na história poderia levantar. Dava-se por evidente tal realidade. Era ela o húmus de que se alimentava a fé, o oxigênio que se respirava. Em temos técnicos, elaboravam-se os tratados da Trindade, da Cristologia, da Graça, mas não o da revelação. É verdade que os padres apologetas dos primeiros séculos tiveram um primeiro momento de justificativa da fé cristã. Mas a conversão do Império Romano, como criaram o clima de homogeneidade da fé e a aceitação tranqüila da revelação.
A teologia como “fides quarens intellectum” – a fé que busca inteligência – é sempre uma “ciência segunda” em relação à fé. Só nasce quando a fé, de certo modo, questionada, depara com dificuldades e oposições. E a experiência humana nos mostra como as realidades mais próximas de nós, e que nos envolvem profundamente, são aquelas que mais tardiamente questionamos. Com efeito, realidades fundamentais, vividas intensamente no implícito da existência, tardam muito a serem assumidas numa reflexão explícita, cientifica, temática. De fato, as realidades da liberdade, da espiritualidade, da transcendência do homem são-lhe intimamente presentes em todos os atos, mas quantos, para não dizer a maioria dos homens, passam toda a sua vida sem nunca terem parado para refletir, meditar sobre elas?
A Tradição da igreja viveu sempre da revelação. Meditou-a, pregou-a, nutriu-se dela. Somente nos últimos séculos a teologia começou a trabalhar explicitamente sobre o fato, o sentido, as dificuldades da realidade da revelação. Só então nasce a teologia fundamental como temos hoje.
A teologia fundamental é uma reflexão critica, sistemática, cientifica sobre esse diálogo do Deus que se revela e do homem que responde a tal revelação nos diferentes momentos da historia. Tanto mais importante se tornou tal reflexão, quanto mais o mundo moderno, com a descoberta da autonomia da razão e a importância das experiências subjetivas, sente dificuldade em receber autoritativamente uma revelação. No fundo, está em questão uma das mais espinhosas questões da teologia, que aparece ob diversos nomes: “Relação entre graça e natureza, revelação positiva e religiosidade humana natural, cristianismo histórico e a possibilidade universal de fé”. Está-se frente ao dilema da revelação divina como intervenção ou autocomunicação de Deus. por isso, esse tratado nasce com o surgir do mundo moderno.
Todo tema permite abordagens diversas. Há sempre muitos caminhos para chegar ao lugar desejado. Um quadro se deixa ver por diversos ângulos. Dois pontos de partida parecem colocar-se-nos como viáveis à primeira vista.
De um lado, nossa intelectualidade poderia ser a do não – crente. Nesse caso, estaríamos diante da situação de alguém que ainda não se encontrou com o fato da revelação ou se posiciona arrediamente em face dele. Em esforço teórico, procuraríamos ir desvelando-lhe as razoes de conveniência e mesmo de necessidade, conduzindo-o até os umbrais da fé ou desbaratando-lhe os argumentos contrários. Foi e é ainda o caminho de uma teologia fundamental sob a perspectiva estritamente apologética, quer em moldes tradicionais, quer em forma atualizada e moderna.
De outro lado, pode-se considerar a teologia fundamental já como um primeiro ato da “fides quaerens intellectum” – a fé que busca inteligência. Situa-se já no arcabouço da teologia “sensu pleno”. Nessa segunda perspectiva, que adotaremos, parte-se da pessoa que crê no interior da Igreja. Quem vai refletir sobre a realidade da revelação, da fé, da Tradição somos nós, cristãos que vivemos na América Latina. Não nos preocupa, em primeira linha, justificar racionalmente tal fé. Não porque não existam dificuldades e sérios questionamentos que nos obriguem a aprofundá-la.
Este estudo quer levar-nos a aprofundar o fato de Deus se nos revelar, o alcance dessa realidade, os critérios para discernir a sua presença reveladora até hoje, o acesso que temos a esta revelação. Em termos mais clássicos, vamos elaborar uma teologia fundamental em que se trate dos temas da revelação,, inspiração e inerrância da Escritura, da sua canonicidade e da Tradição.
A temática da revelação sempre foi objeto da teologia. Tudo o que se disse até hoje na teologia se relaciona, de certa maneira, à revelação. As teses na teologia tradicional escolástica recebiam uma qualificação teológica segundo o grau de maior vinculação explicita com a revelação, consignada na Escritura e conservada viva na Tradição eclesial.
A novidade do tratado sobre a revelação vem do fato de considerar a revelação como categoria teológica, como conteúdo transmitido na e pela revelação. E tal empreendimento teológico é relativamente recente, sobretudo a partir da reforma, dos ataques do racionalismo e do ateísmo no início da modernidade.
2. Empecilhos à compreensão e aceitação da Revelação
O mesmo fenômeno da modernidade transformou-se em enormes dificuldades à compreensão e aceitação da revelação crista. Acrescente-se ainda o recrutamento desse processo, que se costuma chamar de “pos-modernidade”. A revelação cristã encontra-se diante de verdadeira muralha. Como é dentro deste mundo cultural que nos toca acolher tal revelação, vale a pena indicar alguns dos principais empecilhos.
A revelação crista é atravessada por um paradoxo que se tornou para o homem moderno verdadeiro escândalo. É um fato particular, acontecido no seio dum povo (revelação veterotestamentária) e na pessoa de um judeu do século I (revelação crista), mas que apresenta a pretensão de um significado universal salvífico, de ser a Palavra de Deus para toda a humanidade de todos os tempos.R. Bultmann, por mais que se empenhe em desmitologizar a pregação evangélica e assim torná-la menos escandalosa para a razão moderna, faz questão de não eludir esse paradoxo fundamental. Mais. Quer afastar os escândalos aparentes para que apareça ainda com maior clareza o real e autentico escândalo, que consiste no fato de Deus ter agido salvífica e perdoantemente num acontecimento particular da historia: Jesus Cristo, a quem se deve aderir para salvar-se. A pretensão universal da experiência particular do cristianismo significa que o homem Jesus é a última e definitiva palavra de Deus na história. É o próprio filho de Deus.
De fato, é verdadeiro escândalo que o pequeno e frágil povo de Israel – tantas vezes derrotado, exilado, massacrado – e a pessoa de Jesus Cristo – pertencente a esse povo, vivendo na periferia pobre do Império Romano no maior escondimento – possam, na sua inelutável particularidade e contingência histórica, pretender fazer depender de sua mensagem e pessoa respectivamente a relação ao Absoluto, de maneira última e definitiva. Mais “normal” seria entrar em contato com o Absoluto no interior das grandes religiões ou através da sabedoria de mentes eminentes, sem que ninguém tivesse o “privilégio” de ser normativo.
A mentalidade moderna e pós – moderna prima por ser tolerante, relativista, pluralista, de um ecumenismo religioso espiritual amplo, e, por isso, refuga altamente as pretensões totalitárias da verdade por particulares, quaisquer que sejam eles: estado, partido, classe, raça, cultura ou religião. Nesse sentido, a revelação crista conflita altamente com essa mentalidade.
2.1. Da eloqüente presença ao silencio de Deus
Gestos e palavras traduzem o universo de pensamento e afetos dos seres humanos. Através deles, ainda é eloqüente a presença de Deus na vida de nosso povo. A linguagem cotidiana está prenhe de expressões que são repetidas espontaneamente: “Se Deus quiser, graças a Deus, A – Deus, fique ou vá com Deus, louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, etc. Os gestos confirmam tal presença, máxime por meio dos sinais – da – cruz que se fazem diante das igrejas, antes ou depois de ações importantes, como jogadores no inicio de partidas, antes de entrar no mar, antes de refeições, no principio de exames, etc.
O fim do ano brinda-nos um desfile de pitonisas e adivinhos que invocam o universo religioso, a proteção de Deus, a benção do Altíssimo para o novo ano, ao tentarem penetrar um pouco o mistério insondável do futuro. Defrontam-se esses mediadores do religioso com a presença divina, num esforço de alcançarem seu projeto sobre nós e, se possível, torná-lo favorável a nosso respeito. Esses fenômenos religiosos não são de ontem. Continuam presentes até mesmo no coração das religiões mais modernizadas de nosso país. Desafiam todos os embates secularizantes. São rincões ou zonas arqueológicas que resistem aos abalos sísmicos e atentam alguma dimensão profunda desse ser humano em face do mundo divino.
Apesar disso, não se pode negar que cresce o silencio de Deus. fenômeno de dupla Valência. Pudor, respeito, prática do segundo mandamento de não tomar o seu santo nome em vão. Silêncio também feito de fé. Silencio fruto de um aprofundamento na intelecção do agir de Deus na historia.
Silencio de uma razão que não mais acha lugar para Transcendente. Julga ter dominado, pelo menos potencialmente, todo o espaço da inteligibilidade das coisas. É questão de tempo. O enigma está no fundo resolvido. “O homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras). O sofista anunciava. O homem moderno realizou essa profecia na linha do conhecimento e da realização prática. Não há barreiras que retenham. A cidade interplanetária está sendo construída. As grandes potencias se unem em projetos astronômicos, de ousadia inimaginável.
“O mundo não fala mais ao homem, o céu não ressoa mais com esta harmonia das esferas que os antigos percebiam, nem tampouco os cânticos das falanges celestes celebram a glória de Deus. os astros, outrora divinos, não passam de pedaços de matéria inerte em movimento na imensidão de um espaço sem limite, obrigados a seguir escrupulosamente no seu nomadismo a lei que estabeleceu o cálculo de Newton”.[13]
Quanto mais avança a palavra humana, mais recua a divina. Quando ela encher todo o espaço do cognoscível, a revelação divina silenciará. Nada existe mais a ser conhecido que necessite de revelação. Chegar-se-á então ao silencio total. Já não é mais o silencio dos céus que atormentam (Pascal), mas o silencio do céu.
“A história das ciências sociais pode ser vista como a historia do desencantamento do mundo... No que se refere à religião, o profano avança pelo reino do sagrado. O Diabo parece vencer Deus”. “Os iluministas já haviam levantado a hipótese de que a religião não teria lugar no mundo do futuro, emancipado da tradição, superstição, absolutismo, despotismo”.[14]
Evans – Pritchard pode afirmar sem rebuço:
“Quase todos os principais antropólogos da minha geração – creio – sustentariam que a fé religiosa é uma ilusão, um curioso fenômeno que logo será extinto e que poderá ser explicado com expressões tais como ‘compensação’, ou, como estabelecem algumas interpretações sociológicas, algo que diz respeito à manutenção da solidariedade social”[15]
Este fenômeno foi muito discutido sobretudo na década de 60 sob o nome de “Secularização”. Causou impacto a publicação das cartas da prisão de D. Bonhoffer dez anos depois de sua morte. Nelas ele já anunciava uma era secularizada. Em carta de 30 de abril de 1944, escreve:
“O tempo em que se podia dizer tudo ao homem com simples palavras – quer sejam teológicas ou piedosas – já passou”. “Assim também já passou o tempo da interioridade e da consciência, o que podemos resumir nas palavras, passou o tempo da Religião. Nós marchamos para uma época sem Religião alguma. Os homens, assim como hoje são, não conseguem ser religiosos. Mesmo aqueles que ainda honestamente se consideram ‘religiosos’ já não mais praticam. Evidentemente eles têm uma idéia completamente diferente sobre o que chamam de ‘religioso’. Toda a nossa proclamação do Evangelho e nossa teologia de 1900 anos de Cristianismo baseiam-se sobre um ‘a priori religioso’ do homem. O Cristianismo sempre foi uma forma (talvez a autentica forma) da ‘Religião’. Caso, entretanto, um dia se venha a descobrir que este ‘a priori’ nem sequer existe, mas apenas foi uma forma de expressão do homem, historicamente condicionada e temporária, os homens voltarão a ser radicalmente a-religiosos – e eu acredito que isto já esteja acontecendo (qual a razão, por exemplo, de esta guerra, diferentemente de todas as anteriores, já não provocar qualquer reação religiosa?). que significa isto então para o Cristianismo”?[16]
Esta carta Transforma-se em manifesto da secularização. Segue-se uma gigantesca publicação sobre tal temática, procurando definir os diversos aspectos da secularização e suas causas. Pode-se esquematizar tal produção em algumas afirmações gerais. O processo de secularização aparece como um declinar da religião; revela uma conformidade com este mundo e um movimento de horizontalização, desviando a atenção do mundo sobrenatural para a realidade intramundana; manifesta uma perda da influencia pública da Religião sobre a sociedade; provoca uma transposição de crenças e instituições para fenômenos da criação e da responsabilidade puramente humana; implica uma dessacralização do mundo. Sob o signo de secularização, entende-se, portanto, vasta gama de manifestações.[17]
2.2. Revelação da Palavra e do Silêncio
A fé revelada na tradição judaico-cristã abraça, de par com uma teologia da Palavra, dela inseparável, uma teologia do silêncio: o silêncio é o ventre fecundo do advento, o cenário onde ecoa a Palavra, o espaço do último dia. Razão profunda pela qual o silêncio é tal consiste no fato de que nele repercute o eco de um outro Silêncio, aquele no qual o mistério se envolveu durante séculos (cf. Rm 16,25), aquele no qual procede a Palavra na eternidade e no tempo. Ao Silêncio divino corresponde um silêncio humano: no entanto, enquanto o primeiro é a Fonte pura do Verbo, a Origem sem origem e o Principio sem principio da divindade, silente inicio de tudo o que existe na absoluta gratuidade do ato criador; o silêncio mundano é só preparação, destinatário, acolhida, espaço aberto para o novo início surpreendente, escuta à espera de ser fecundada pela Palavra. Todavia, embora na distância infinita, o silencio criatural é marca do outro: é também seio, embora do que não produz, mas que procede do Outro até ele; é também aberto, embora não na nascente fecunda, mas na receptividade humilde e casta; é também morada, feita para ser habitada pelo Outro, que é o Filho eterno, procedente do Silêncio.
A analogia do silêncio une os dois mundos – o de Deus e o dos homens – embora sempre na maior dessemelhança, e revela não só uma condição ontológica da criatura – o “silêncio do ser” --, mas também sua condição histórica e sua vocação. A condição ontológica foi descrita muito bem por Heidegger[18]: “o silêncio ‘co-responde’ àquele som sem som da quietude com a qual o dizer originário em seu mostrar e apropriar identifica-se[19]” “O Ser, enquanto destino que destina a verdade, permanece oculto... O que importa é apenas que a verdade do Ser chegue à linguagem e que o pensamento alcance essa linguagem. É possível então que a linguagem reclame, em vez de uma expressão precipitosa, um justo silencio. Mas quem de nós, homens de hoje, pode imaginar que seus esforços por pensar já estariam familiarizados e em casa, no caminho do silêncio?” A condição histórica é a experiência dos tempos do silencio até seu vértice mais dramático, que é o exílio da Palavra, na forma negativa da rejeição do homem ou naquela positiva, embora terrível, do silencio de Deus. A vocação é aquela de alcançar o Silencio da origem, reconhecendo aí a imagem da Pátria: tudo o que vem do silencioso Princípio sem principio tende a retornar para ele como para sua última morada e para seu descanso. O Silêncio divino, do qual o mundo é criado, é também a Pátria de sua identidade, o lugar de seu realizar-se mais verdadeiro, quando Deus será “tudo em todos” (1Cor 15,28), e toda criatura será final e completamente ele mesma nele.
Por essa Pátria anelam o silêncio do ser e o silêncio da espera: o Deus silencioso e recolhido é a vocação do mundo, a arribação da nostalgia inscrita no ser – silêncio da criatura. Do Silêncio ao Silêncio: nessa fórmula, poder-se-ia evocar a Origem e a Pátria, o Início e a Plenitude dos seres, que tendem Àquele do qual provêm. No “entretanto” situa-se o evento da Palavra, coeterna na eternidade, embora gerada, e determinada temporalmente na historia de seu advento entre os homens. Porém, justamente porque “inscrita” no Silêncio, a Palavra lhe é mediação, remissão às profundidades silenciosas, que constituem a proveniência de sua vinda, no tempo e na eternidade. Eis por que acolhe verdadeiramente a Palavra feita carne só quem escuta o Silêncio, do qual ela provém e que por meio dela chega até nós. A autêntica “escuta” do Verbo é ouvir o Silêncio para além da Palavra, o Pai de quem o Filho é revelação no mistério de sua obediência incondicional: “Quem crê em mim não é em mim que crê, mas em quem me enviou, e quem me vê, vê aquele que me enviou” (Jô 13,20b). “E a palavra que ouvis não é minha, mas do Pai que me enviou” (Jô 14,24b).
O aprofundamento trinitário da história da revelação, desenvolvido já no Novo Testamento, mostra como o objetivo final da acolhida do evento revelador não é o evento em si, e nem mesmo a Pessoa do Verbo que nele age, mas – nela e por meio dela – a Pessoa do Pai, o Deus oculto no silencio, tornado acessível por escolha de total gratuidade na encarnação do Filho. A Palavra de revelação requer ser transcendida, não no sentido de que possa ser eliminada ou posta indiferentemente entre parênteses, porque isso barraria simplesmente qualquer acesso às profundidades divinas, mas no sentido de que é verdade e vida precisamente enquanto é caminho (cf. Jô 14,6), umbral que abre ao Mistério eterno, porta pela qual é necessário passar para entrar no redil das ovelhas (cf. Jô 1,9 e Sl 36,10). Sem dúvida nenhuma o que vem antes no conhecimento da fé revelada é a Palavra: crer é assentir o Verbo saído do Silêncio eterno, a fé nasce da escuta (cf. Rm 10,17). A escuta, porém, é possível, na medida em que na história se realizou o evento da Palavra. A obediência da fé não é senão a escuta profunda, a escuta daquilo que está sob e além, em relação à palavra ouvida imediatamente. Se acolhemos realmente a palavra quando a escutamos “superando-a”, quando lhe “obedecemos”, escutando o que está além e por trás e mais profundamente em relação a ela: à dialética de abertura e de escondimento, assinalada na estrutura mesma da palavra latina revelatio (assim como grega apokalnyis), em que o prefixo re – apo tem tanto o sentido de repetição do idêntico como o de passagem para a condição oposta – dialética negada no conceito alemão “Offenbarung”, que designa o puro e único ato de abrir-se – ,corresponde, pois, o movimento de transcendência próprio da obediência da fé, que não pára na imediatidade do Verbo, mas supera-a indo além do dito.[20]Chamado esse “para além da Palavra” com o nome de Silêncio, poder-se-ia afirmar que a verdadeira acolhida da Palavra do Cristo é a escuta do Silencio que a supera e da qual se origina. Graças à dialética trinitária entre a palavra e o Silêncio que a supera e da qual se origina. Graças à dialética trinitária entre a Palavra e o Silêncio, no evento da revelação, a transcendência não é entregue à imanência, como acontece no monismo hegeliano do espírito, mas, exatamente o contrario, a imanência das criaturas é chamada a entregar-se sempre mais perdidamente à insondável transcendência divina pela mediação da Palavra, que armou sua tenda no meio de nós (cf. Jô 1,14).
Por isso a acolhida da Palavra é dinamismo, que deve continuamente transcender-se: se esta é, na verdade, escuta do Silêncio, do qual a Palavra procede, no qual repousa e ao qual remete, a profundidade insondável desse Silencio divino motiva a busca inexaurível que por meio do Verbo tende a ir além do Verbo. É nesse caminho que o Espírito guia os fiéis a toda a verdade (cf. Jô 16,13), atualizando a memória do Cristo e ensinando todas as coisas: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele vós ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse” (Jô 14, 26). Se o Verbo encarnado é o exegeta do Pai (cf. Jô 1, 18), o Espírito é o exegeta do Filho, Espírito de verdade, que glorificará Jesus manifestando as riquezas de Seu mistério: “Quando vier o Espírito da verdade, ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras. Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará” (Jô 16, 13s). A acolhida da Palavra, como escuta do Silencio divino nela escondido, é “êxtase”, saída de si mesmo para as profundezas de Deus, das quais nos atrai a Fonte pura da luz, o Pai do Verbo eterno. É como se o amor “extático” de Deus, aquele pelo qual ele sai do silencio e se comunica na Palavra, suscitasse um amor de resposta, igualmente “extático”, necessitado de sair do fechamento do próprio mundo para imergir-se nos caminhos sem fim do Silêncio, a que conduz fielmente o evento da revelação. Ao êxodo de si mesmo do Silêncio divino corresponde – na assimetria da relação que existe entre criatura e o Criador e por puro dom da Graça – o êxodo de si mesmo do silencio dos seres, a abertura destes últimos ao Mistério que se oferece pela Palavra e nela, o assombro e a maravilha da adoração do Deus revelado no escondimento e oculto na revelação. Por isso, escutar o Silêncio é permanecer no santuário da adoração, deixando-se amar pelo Deus silencioso e atrair a Ele por meio da mediação insubstituível e necessária do Verbo: “Ninguém vem ao Pai a não ser por mim” (Jô 14, 6b). “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o atrair” (Jô 6, 44).
2.3. Do rezar ateu a um Deus ao rezar cristão em Deus
A forma trinitária da re-velatio determina também a estrutura do ato com que o fiel corresponde mais profundamente à autocomunicação do Deus vivo: a oração. Rezando, o cristão não está diante do Eterno como um estrangeiro diante da diferença inacessível, mas entra nas profundezas divinas, como que envolto pelo mistério das relações trinitárias, que vêm tocar profundamente seu ser e seu agir. Aquele que reza é, assim, introduzido na própria vida de Deus em união com Cristo, pela ação do Espírito Santo. Ao rezar, o cristão experimenta o mistério da filiação divina; não se relaciona com um ausente ou com um desconhecido, por mais adorável ou terrível que seja, mas habita no Espírito, pelo Filho, como filho no mistério do Pai: “Enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que se chama: abba, Pai!” (Gl 4,6b; cf. Rm 8, 15). Por isso, a oração é para a fé cristã o terreno da vinda da Trindade na história do mundo, o lugar da aliança entre a história eterna de Deus e a história humana: nela, a criatura toma consciência de ser acolhida no seio da Trindade, e a Trindade é reconhecida presente nas obras e nos dias dos homens. A oração é, ao mesmo tempo, o diálogo de Deus com Deus no coração do homem e o ingresso daquele que reza na Trindade divina: o cristão não reza a um Deus, mas reza em Deus.
Na oração, aquele que acredita na revelação acontecida em Cristo coloca-se antes de mais nada, em relação com o Pai, origem de todo dom perfeito (cf. Tg 1,17): o Pai é aquele que toma a iniciativa do amor e envia o filho e o Espírito Santo. Pura gratuidade irradiante do amor, Deus Pai é o Amante eterno, Aquele que ama desde sempre e amará para sempre, nem nunca se cansará de amar.[21] A oração é o lugar em que o indivíduo e a Igreja reconhecem essa Proveniência originária do amor, fiel e sempre nova. Como tudo vem do Pai, rezar para o cristão quer dizer, primeiramente, fazer-se terreno do advento do mistério de Deus no coração da história humana: rezar é deixar-se amar por Deus, é ficar diante da gratuidade pura do Pai, até que ela inunde o coração e a vida com sua generosidade transbordante. Rezar é receber, esperar na paciência e na perseverança do silencio cheio de maravilha e de assombro do amor. É Deus quem age na oração, e o homem está diante do mistério na pobreza, para deixar-se amar pelo Eterno. Nesse sentido, a oração cristã é experiência noturna do Outro, silencio, no qual nos deixamos inundar pelo mistério da presença divina, a “passio” que prepara a “actio”, acolhida da qual nasce o dom. como, porém, tudo vem do Pai, tudo retorna ao Pai: por isso, a oração cristã, terreno do advento, é, ao mesmo tempo, movido de resposta, ato de remeter tudo a Deus, veículo da nostalgia de Deus que está no coração do homem, e, enquanto tal, sacrifício de louvor, ação de graças, intercessão, na qual o mundo inteiro é assumido para reencontrar a si mesmo em sua verdadeira origem, é rezando que o cristão aprende a ver todas as coisas à luz de Deus e, por conseqüência, a denunciar a injustiça e a proclamar a justiça do Reino que vem. Rezando, orienta suas vicissitudes pessoais, as dos homens e as da Igreja para a Pátria, avistada, mas ainda não possuída, do mistério eterno de Deus. Nessa ótica, o ethos contemplativo é, para o cristão, inseparável do tornar-se voz, para que tudo seja reconduzido ao coração do pai, é ter tão profundamente o sentido das coisas de Deus que a luta pela justiça e o compromisso pela libertação, típicas somente do Reino, que deve vir.
Vinda do Pai e a ele tendente, a oração suscitada pela re-velatio realiza-se pelo Filho, em união com Aquele que é o sumo e eterno Sacerdote da nova alinça, na representação de seu mistério pascal. Se o pai é a fonte pura do amor, o filho é aquele que acolhe eternamente o amor, o eterno Amado, que se deixa enviar ao mundo e entrega-se à morte de cruz para ser cumulado do Espírito Santo no dia da ressurreição. A oração pelo Filho significa, então, entrar no mistério de sua acolhida e, nesse acolher grato diante de Deus, torna-se receptivo à Igreja e ao mundo na solidariedade do amor. Esses são os dois aspectos que a oração em relação ao filho faz resplandecer no ethos cristão: a “imitação de Cristo” e o acompanhamento da fé e da vida. A imitação de Cristo não é cópia de um modelo longínquo que se deva esforçar-se por reproduzir, mas “representação”: o Cristo torna-se presente no discípulo a tal ponto que este pode dizer com o Apostolo “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). A oração é lugar em que Cristo vem morar nos corações (cf. Ef 3,14): e, dado que ele é em unidade incindível o Crucificado Ressuscitado, a “imitação de Cristo” será inseparavelmente experiência da cruz de Cristo e de sus ressurreição. Imitar o Crucificado é conhecer a aridez na experiência espiritual, que é não só fruto da resistência humana, motivada pelo pecado ou pela fadiga da sensibilidade em deixar-se fazer prisioneira do invisível, mas também, e profundamente, “noite escura” (a noche oscura de São João da Cruz), tempo que introduz o fiel no mistério da Cruz do Senhor. Isso explica Poe que, de acordo com o testemunho dos místicos, todos aqueles que aceitam fazer a experiência de Deus passam pela noite da tentação e pela aridez da oração, e só assim alcançam a plenitude da luz. Por isso, dessa noite a “fabula mystica” pode dizer: “Oh! noite mais amável que a alvorada; / Oh! Noite que juntaste / amado com amada, / amada no Amado transformada!”.[22] A oração cristã leva, assim, a imitar o Cristo glorificado: aqui ela se oferece como fonte de paz, participação viva no poder daquele que venceu a morte. A vida do cristão não é senão “conhecer a Cristo, conhecer o poder de sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, conformando-me com ele em sua morte, para ver se alcanço, a ressurreição de entre os mortos” (Fl 3, 10s). A alegria dos ressuscitados é experiência da vitória da Páscoa, na qual o homem todo e todo homem é acolhido com Cristo em Deus. E é justamente nesse deixar-se acolher na acolhida do Filho que o ethos cristão torna-se acolhida dos outros nele. A oração, especialmente litúrgica, gera a companhia da fé e da vida: nela, os muitos tornam-se o único Corpo do Senhor, vivente no tempo. Por isso, o sentido da Igreja e o espírito de solidariedade nutrem-se nas fontes da experiência do mistério, que é a liturgia, evento do ingresso da eternidade no tempo.
A oração, suscitada pela acolhida da revelação cristã, realiza-se, finalmente, no Espírito Santo. No seio da Trindade, a teologia ocidental pensa o Espírito como o liame do amor eterno: entre o Amante e o Amado, o Espírito é o Amor, o vinculum caritatis aeternae (Agostinho), a comunhão divina, que suscita a comunhão e a paz no coração dos homens. Junto a essa tradição, que é totalmente pascal, a teologia oriental considera mais o Espírito no evento da cruz do senhor. Para ela, o Espírito é aquele graças ao qual Jesus entrou na solidariedade dos pecadores, dos sem – Deus, e, por isso, é o “êxtase de Deus”, o dom, no qual o Eterno sai de si mesmo. O Espírito é Aquele que suscita o novo, que abre para o futuro: é liberdade no amor. A liturgia ensina a rezar in unitate Spiritus SAncti: enquanto o Espírito é fonte de unidade, a oração no Espírito deixa fazer a experiência da unidade do mistério. O ethos que se obtém é aquele do diálogo e da comunhão, que induz a reconhecer o outro como dom, que não faz concorrência, nem suscita temor. E justamente com isso, enquanto o Espírito é abertura e liberdade, a experiência orante do Espírito torna-nos dóceis e sensíveis à profecia, dispostos ao “novo” de Deus no “antigo” dos homens. Quem rezar no Espírito não poderá não estar aberto à esperança, porque o Espírito está sempre vivo na história. Na oração, fidelidade e novidade, longe de opor-se, oferecem-se como aspectos da mesma experiência, na qual o futuro de Deus vem fixar sua tenda no presente dos homens, graças à obra do consolador.
Para a tradição cristã, portanto, a oração é o lugar onde a Trindade, evento eterno do amor, entra nas humildes e cotidianas histórias do êxodo humano, e essas, por sua vez, entram no mistério das relações divinas. Nela, a antropologia da identidade, prisioneira de si, é superada graças à acolhida do dom do advento do Outro, ao passo que a antropologia da diferença, destruidora, é vencida na experiência salvífica da Alteridade transcendente. O ethos do contemplativo cristão é, afinal, a vida correspondente à boa – nova da re-velatio, em que o homem tem tempo para Deus, porque Deus teve tempo para o homem, e o tempo entra na eternidade, porque a eternidade entrou no tempo.
2.4. A revelação do ser pessoal no ato do rezar em Deus
Aquele que reza está em Deus: é este o próprio da oração e da mística fundada na revelação ocorrida em Jesus Cristo. Envolto no diálogo pessoal dos três, acolhido nas relações eternas que formam a “pericorese” divina, o ser humano é revelado a si mesmo como ser relacional, como “pessoa”. A partir da oração e da contemplação, entendidas em sua especificidade trinitária, o ser pessoal não se define só no registro do ser em si e para si, mas também, necessariamente, no da relação com os outros: o esse –in e o esse – ad encontram-se até coincidir ontologicamente, como acontece na Trindade, em que as relações fundam-se sobre uma única substancia, naquela profundidade abismal que o místico percebe, ao mesmo tempo, como “tudo” e como “nada” da Alteridade absoluta e acolhedora. No Deus Trinitário, é a relação que subsiste no único ser, de maneira que a relação dos Três é uma comunhão ontológica, que vive da inabitação mútua e total (“pericorese”): eles são Uno, são o Deus único. Na pessoa humana do orante é, ao invés, a subsistência individual que se abre à relação com outros e com o Outro, sem jamais perder a própria solidão ontológica em relações reais de conhecimento e de amor, da qual a mais elevada é justamente a “noite mística” do abismar-se em Deus.
Na experiência da oração em Deus, a pessoa vem, então, situar-se como sujeito absolutamente singular, fonte do dinamismo pessoal, que finaliza em si mesmo a relação com a exterioridade, ao mesmo tempo em que se autodestina ao outro, estabelecendo com os outros uma relação de reciprocidade solidária. É na unidade dessas relações, em sua integração recíproca, que a pessoa aparece como o sujeito livre e consciente da própria história. É possível verificá-lo confrontando o que do ser pessoal está expresso no ato da oração em Deus, fundada na fé na re-velatio, com o que diz da pessoa o pensador que ela fez o tema de sua pesquisa: Emmanuel Mounier.
O ser em si da pessoa corresponde, antes de mais nada, na experiência de quem reza, a sua subjetividade incomunicável, à autoposse, pela qual ele se pertence e se gere como fonte das próprias escolhas e dos próprios atos. Na consistência ontológica dessa singularidade – percebida por quem reza em Deus – ,funda-se o valor absolutamente único e irrepetível de todo ser pessoal: a “subsistência” da pessoa, resguardada na oração cristã contra toda redução a qualquer possível “nirvana”, é a razão profunda da resistência a toda massificação, é o motivo irrenunciável da rejeição a toda objetivação que reduza a pessoa a sua pura exterioridade, que a controle a partir do externo.
2.5. Do silencio ao reencontro
De fato, as profecias do silencio total não se realizaram. O enterro da revelação divina está à espera do atestado de óbito, da parte de tantos que lhe quiseram dar, mas que já morreram. Nasce mais uma vez a referencia a uma palavra divina para esclarecer o sentido da aventura humana. Ou melhor, ela continua viva. Nunca morreu. Nunca se silenciou totalmente. Teve momentos de pausa. Mas sempre conservou entre nós um mínimo de presença.
“Uma chuva de deuses cai dos céus nos ritos funerais do único Deus que sobreviveu. Os ateus têm os seus santos e os blasfemos erigem capelas” (L. Kolakowski).
Este mesmo autor constata uma “revanche do sagrado na cultura profana”[23]. A sociedade moderna não esvaziou o religioso, mas transformou-lhe as modalidades de apresentar-se e de adesão a ele.
O equivoco foi pensar o processo de secularização como se a historia avançasse linearmente e desconhecer a natureza polivalente e flexível do fenômeno religioso. Equivocado também foi identificar o irreversível fenômeno da modernidade com secularização. Esqueceu-se de que pertence à modernidade tanto fomentar como contestar a secularização. A modernidade conheceu e está conhecendo uma tomada vigorosa da “vontade de crença”, pouco compatível com a lógica da secularização.
Há uma permanência do religioso de caráter tradicional. Resiste à modernidade. É pré-moderno. Há outra presença, também tradicional, já não mais como resistência, mas como resíduo. São zonas arqueológicas que convivem com as construções da cidade da modernidade. Não se preocupam ambas do caráter bizarro dessa convivência. Se se pensassem juntas, berrariam de desconforto. Há uma presença do religioso que se esconde sob a forma, quer de uma adesão vaga a uma Transcendência não definível, quer de busca de um sentido pessoal em tensão, ainda que não contestatória, com o projeto de transformação da modernidade. Mesmo sem a aparência religiosa, muitos na sociedade moderna vivem a experiência religiosa sob a forma de grandes ideais, aos quais se consagram com devoção e sacrifício incondicionais, como a uma causa religiosa. Ou substituem o religioso por sucedâneos degradados, em que se invertem sobejas energias, tais como, música, sexo, droga, dinheiro, status, esoterismo etc.
Manifesta-se um verdadeiro “revival” religioso, na forma seja de religiosidade popular dos pobres, seja de manifestações inesperadas fora dos quadros institucionais habituais, seja de descoberta de velhas sabedorias não-ocidentais, seja de uma natureza que se foi repovoando de mistério e de velhos mitos[24].
“Novos movimentos religiosos” despontam no seio da sociedade moderna. Lançam suas raízes nos movimentos de contracultura da segunda metade da década de 60, quando se levantavam interrogações ao horizonte da modernidade, identificado com o progresso técnico, com o desenvolvimento tecnológico e com o consumismo desenfreado. Podem estar herdando certos traços do antimodernismo católico. Mas escrevem, sem dúvida, sua história com os caracteres bem modernos da subjetividade. Configuram-se como “comunidades emocionais”. Vinculam-se as pessoas, com mínima escolha pessoal, menos à comunidade como tal que ao estado afetivo que o ambiente provoca. A intensidade emocional é a mola de adesão, através de resposta individual, livre, em torno, em geral, de um personagem “carismático”, que consegue causar impacto. Por isso predomina uma dimensão carismática e a adesão à comunidade eclesial tem menos importância. Há uma enorme porosidade: entra-se e sai-se dos grupos facilmente. Comunidades de acentuada rotatividade. A permanência dos grupos não se dá tanto pela presença das mesmas pessoas, quanto pelos encontros emocionais dos que lá aparecem. Maximaliza-se a intensidade afetiva do laço interpessoal dos participantes e minimalizam-se as implicações sociais, de compromisso, de tal laço. Reina certa desconfiança a respeito da formalização doutrinal, com certo toque antiintelectual. É uma reação ao caráter de compromisso social dos movimentos anteriores e das comunidades eclesiais de base, para concentrar-se num caráter espiritualista. Parece mesmo uma alternativa da década de 60 e da “utopia moderna” da década de 70.
Desta maneira, “a volta ao sagrado” questiona a modernidade que considerava a religião incompatível com os valores positivos do conhecimento cientifico, do progresso técnico e da autonomia da ação humana. A religião é um dos vetores da critica, chamada hoje de pós moderna, à modernidade. Denuncia-lhe o encurtamento, ao valorizar as faculdades criativas, o desenvolvimento individual, o universo simbólico, o enraizamento do homem na natureza, a relevância da afetividade nas relações humanas reduzidas no mundo moderno à dimensão funcional.
Este surto religioso tem, portanto, um aspecto de crise da modernidade. Denota uma necessidade de sentido dos indivíduos perdidos neste mundo esfacelado. Reflete um desencanto com tal mundo, por causa de ter reduzido o homem à esfera da produção de bens de consumo, ao depositar neles a felicidade. Entretanto, tal surto não questiona o fato de o sagrado ter ido para o mundo da interioridade. Transformou-se em pequeno espaço de sentido no universo funcional da sociedade moderna.
Portanto, quando o “religioso” se desprende das formas religiosas verdadeiras, sai voando pelo espaço à busca de novos campos onde aterrissar.
Uma sociedade totalmente secularizada, racionalmente transparente a si mesma, sem nenhuma alteridade como referencia, seria conduzida pela lógica da pura racionalidade ao totalitarismo e as pessoas poderiam ser objetos fáceis de manipulação.
3. Conceito base de revelação
É claro que o Deus a que se referem as pessoas no seu dia-dia é alguém ativo, que está interessado e intervindo na história. Um Deus que tem seu projeto, sua “providencia”, sua “vontade” de salvação e de bem para a humanidade. Pode-se não entender como através de tanto sofrimento, de tantos males, de tanta injustiça, Deus possa estar atuando. Mas dessa presença atuante não se duvida. Quando o mal e o mau parecem impor-se, a sabedoria popular corrige a ilusão desse triunfo: a justiça de Deus tarda, mas não falha.
Quanto mais simples é o fiel, mais convicto está da presença atuante de Deus. nada lhe escapa. Os letrados oscilam nessa convicção. Em momentos de racionalidade e frieza objetiva, inclinam-se a negar toda e qualquer ação de Deus. O ateísmo metodológico de Laplace transforma-se num ateísmo existencial[25]. Entretanto, não raro, essas mesmas pessoas, em momentos de turbulência espiritual, causada por situações graves, terminam recorrendo espontaneamente ao sagrado, cravado no mais profundo inconsciente.
A revelação de Deus é entendida como manifestação, desvelamento de Deus e de seu projeto, de seu plano, de seu desígnio salvífico dentro da história num processo. Todas as aparentes contradições vão dissolvendo-se, algumas na historia mesma, outras quando este projeto de Deus aparecer em toda sua clareza. No inicio e no fim de todo esse plano de salvação, está Deus Pai. Dele tudo vem. A ele tudo tende. Ou como exprimia, de maneira tão simples e profunda, a célebre mãe-de-santo Menininha do Gantois numa de suas últimas entrevistas antes de morrer: “Acima de Deus, nada; abaixo de Deus, tudo”. Na origem da revelação está Deus Pai. Ao Filho coube manifestá-la aos homens em sua plenitude (Ef 1,3-14). E o Espírito Santo nos ensina, no mais profundo de nossa experiência, tudo aquilo que Deus Pai manifestou em seu Filho (Jo 14,26). A revelação é profundamente trinitária. O Deus trino da revelação histórica, da economia salvífica é o mesmo Deus trino da vida interna imanente. Ele é a salvação e a felicidade da humanidade. Por isso revela-se realizando a salvação, realiza a salvação revelando-se.
3.1. Caráter progressivo da revelação
A revelação de Deus faz-se através de uma aproximação progressiva. Ela se manifesta de diversas maneiras e graus. O autor da epístola aos hebreus resumiu bem no início de sua carta essa experiência que vivia a comunidade cristã primitiva e que corresponde à mesma experiência de hoje.
“HAVENDO Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho,
A quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo”. (Hb 1,1-2)
O encontro com diversas manifestações reveladoras de Deus faz-se de modo e sucessão diferentes conforme as pessoas e culturas. Houve a maneira como o povo de Israel experimentou a Deus. Há a maneira como uma inteligência humana hoje pode caminhar. Há o modo como tantos povos, fora do âmbito judeu-cristão, experimentaram a revelação de Deus.
O conceito-base deve dar conta de dois dados principais. De um lado, o caráter imanente da revelação. Quem experimenta e fala da revelação é o ser humano. Ele já encontra em si um sentido, ele está vivendo uma existência, que recebera de Deus. nela já está em profundidade o seu sentido último. Experimenta, portanto, nas realidades históricas um sentido presente. Elas têm valor. Elas têm consistência. Não podem constituir-se valor unicamente através de uma nova intervenção “reveladora” de Deus, que “revela” ao homem um sentido anteriormente inexistente e que, de modo nenhum, poderia ser vivido e aprendido sem esta revelação explicita. Trata-se de descobrir a experiência básica de sentido, ir-lhe reconstruído a compreensão até chegar a elaborar o conceito de revelação.
Por outro lado, a revelação tem uma dimensão transcendente. O sentido não está dado ao homem. Há um sentido-ainda-não percebido, que, em dado momento, aflora. O homem não é transparência para si mesmo. Não consegue autopenetrar-se a qualquer momento e em qualquer situação. Há momentos e situações que lhe propiciam tal percepção. Assim, no interior de sua experiência, o homem percebe, através da palavra, a novidade e a clareza de um sentido. E com direito atribui tal fenômeno a uma revelação de Deus. A experiência religiosa é o lugar privilegiado para tal percepção. E o povo de Israel foi genial nessa percepção, de tal modo que a revelação transmitida por ele se tornou modelar. E em Jesus Cristo, tal revelação adquire uma plenitude, porque nele o homem descobre o verdadeiro rosto de Deus[26].
4. Revelação Bíblica
A revelação se fez na historia. Não é uma afirmação genérica ou abstrata. É uma constatação.
A história da palavra de Deus aos homens é sempre mediada pelos próprios homens. Deus escolhe um povo e com ele faz uma aliança, revelando-lhe seu ser e projeto salvífico. Esta experiência, que era de um povo, amplia-se e recebe uma interpretação universal e definitiva na pessoa de Jesus Cristo. A comunidade reconhece através de sua mensagem, atitudes, práticas, gestos ser ele o próprio Filho de Deus, mensageiro e revelador escatológico de Deus.
A revelação bíblico-cristã faz da realidade do mundo e de toda a história humana uma leitura histórico-salvífica, de modo especial a partir da dupla experiência fundamental de Deus na Aliança e, sobretudo em Jesus Cristo. Assim a própria criação não é somente a manifestação do poder, beleza e sabedoria de Deus, mas também palco para a ação salvadora de Deus (Gn 1-2) e obra feita por, em e para Cristo (Cl 1,15-17).
A história de Israel constitui-se grande gesta salvadora de Deus, que culmina na vinda de Jesus Cristo. Todos os acontecimentos, que se relacionam com ela, são vistos histórico-salvíficamente. Esta revelação é transmitida como uma história realizada em etapas. Em cada etapa, o autor sagrado revela facetas do ser e do projeto de Deus. Este conjunto constitui-se a revelação fundante.
Levanta-se então a questão: como é que uma comunidade chegou a tal consciência e consignou sua própria história como revelação de Deus? Quem lhe garante a verdade de tal narração? Quem inspirou tal comunidade e seus escritos a deixar tal escrito como revelação de Deus?
A concepção de revelação tinha-se restringido muito ao aspecto nocional, de verdades. E a teologia, por sua vez, se concentrara na tarefa de definir, expor, explicar, justificar, declarar as verdades reveladas. Em reação a tal concepção de revelação e teologia, surgiu um movimento de volta às fontes, sobretudo da Sagrada Escritura, da patrística e da liturgia. Nada melhor no estudo da revelação que voltar à própria revelação, onde ela se estruturou, refazendo-lhe, por assim dizer, a experiência. Tal percurso passa pelo estudo sobre a religião e livros bíblicos, considerados fundamento da revelação cristã.
A volta as fontes é um retorno do conceito à experiência. A teologia escolástica elabora um conceito a priori de revelação. A volta às Escrituras obrigou a teologia a retomar o devir da revelação no seu aspecto de experiência. É sabido que a Escritura não tem um termo técnico para traduzir a idéia de revelação[27]. (...).
(...) R. Latourelle afirma que a palavra “permanece a expressão privilegiada, a mais freqüente e significativa para exprimir a comunicação divina”. Com efeito, a Bíblia conhece um processo de verbalização da revelação, que não é idêntico à conceitualização abstrata da escolástica. Consiste na necessidade do papel mediador da palavra para traduzir uma experiência com pretensão de manifestação de Deus, a ser vivenciada e sobretudo comunicada. A revelação vai ser compreendida cada vez mais tendo como pano de fundo a matriz humana da palavra, como um “falar categorial de Deus”.
O movimento interno na revelação do Antigo Testamento vai na direção de uma crescente relação pessoal com Deus e de suas conseqüências éticas, quer na concepção da divindade purificada de aderências mágicas e experimentada no seu caráter de mistério livre e pessoal, quer na concepção de suas manifestações em formas cada vez mais elevadas, livres, pessoais. Nesse movimento, a palavra oferece excelente instrumental interpretativo[28].
Além do mais, a palavra responde belamente ao caráter ontológico transcendente de Deus e à elevação do nível de conhecimento. Basta comparar a dupla narrativa da criação para perceber como a leitura sacerdotal, usando a palavra como intermediária do ato criativo, exprime níveis mais abstratos, teológicos, elevado, mais condizentes com o caráter transcendente de Deus. Este processo termina identificando o próprio Filho de Deus com a Palavra eterna feita carne: e o verbo se fez carne (Jo 1,1).
Acompanhará toda a revelação esta tensão entre palavra e acontecimento, de modo que o Concílio Vaticano II os reteve como elementos fundamentais da revelação “gentis verbisque” – em eventos e palavras[29].
3.1. Considerações epistemológicas
O estudo da revelação bíblica comporta dois movimentos de ordem oposta. Um corresponde à ordem genética, isto é, à ordem natural da escrita que se pospõe sempre à vida e outro à ordem epistemológica, a ordem a que temos acesso hoje pelo conhecimento.
a.) Ordem genética
Primeiro há a historia vivida pelo povo de Israel. É a experiência de lutas, derrotas, vitórias, com tudo o que isso implica. No centro dessa história, está a luta por uma terra, passando por momentos de escravidão e libertação. No centro do povo, está a religião. Esta ilumina-lhe os acontecimentos, é-lhes o ponto de coesão, sobretudo nos momentos de sofrimento e crise. Para o povo de Israel, a experiência religiosa é fundante e estruturante. A qualidade da percepção religiosa de Israel, pela clareza e profundidade, manifesta-se pelos resultados e frutos que legou às gerações seguintes. Não se entenda, porém, como se Israel vivesse à parte da cultura e religiões circunvizinhas. Antes, os estudos comparativos entre as religiões avançam mostrando como Israel estava tão inserida no mundo egípcio e mesopotâmico, que se chegou a fazer a pergunta em que sentido o Antigo Testamento é israelita e se havia nele algo a mais e distinto do patrimônio cultural do antigo Oriente.
Depois vem o momento da escrita. Pretende-se relatar claramente a ação de Deus na história que o povo vem construindo. Por isso, tais ações adquirem valor universal para as gerações seguintes. É necessariamente posterior, mas exerce uma influencia sobre a própria vida. Assim estabelece-se na realidade uma relação mútua inseparável. Vive-se, escreve-se o que se vive, lê-se o que se escreve e torna-se a viver de maneira diferente sob a influencia do escritor lido. No ato de escrever a história, processa-se não só uma mera narração, consignação por escrito do vivido, mas os redatores interpretam as realidades narradas à base de fatores presentes, às vezes, bem diferentes e distintas daqueles que geraram os fatos. Além do mais, sendo uma historia muito antiga, aconteceu que os escritos sofreram várias reformulações. Cada uma delas reinterpretou os fatos passados, quer à base dos documentos já possuídos, quer de tradições orais, quer das novas experiências que se estavam vivendo.
No caso da história bíblica, os autores humanos dos escritos exprimiam-se de dentro de uma consciência religiosa profunda de modo que consignavam os acontecimentos e palavras como ações de Deus. Relatavam a história da revelação de Deus, isto é, desvendavam o sentido salvífico dos acontecimentos, transmitiam os oráculos de Deus, manifestavam o próprio ser de Deus e seu desígnio salvífico sobre o povo e sobre a humanidade. Israel ia através desses intermediários inspirados descobrindo a presença ativa de Deus na e através da história e, ao fazê-lo, ia descobrindo-se a si mesmo. Ao descobrir, por sua vez, a própria liberdade atuando na história, percebia que ela encontrava em Deus sua fonte, inspiração, impulso, luz, sentido.
O dom de penetrar tal sentido, de referir as palavras de Deus é uma inspiração, graça recebida de Deus. é ela que garante a verdade da Escritura. Mas será a comunidade, sob a influencia dessa inspiração e graça de Deus, que acolherá os livros como inspirados, assim se constitui o cânon dos livros sagrados. Tem-se então o término do processo genético dos livros sagrados. Tem-se então o término do processo genético dos livros bíblicos.
São, portanto, três momentos:
- a vida do povo de Deus;
- a consignação por escrito dessa vida sob a influencia inspiradora de Deus,
- a acolhida-reconhecimento pela comunidade dos livros que traduzem na verdade tal vida e inspiração de Deus.
Com os livros bíblicos, aceitos e reconhecidos como inspirados e dotados do carisma da verdade, tem-se a chave hermenêutica para entender o modo de ser e o processo revelador de Deus, fora do mundo bíblico e até nossos dias. Intelecção que pode terminar por ampliar o próprio processo revelador de Deus para além desses escritos e estabelecer o princípio hermeneutico “maximalista” da revelação, como Queiruga formula:
“Trata-se da evidencia-convicção de que Deus, como puro amor sempre em ato, está sempre revelando-se ao homem na medida máxima que lhe é ‘possível’; de modo que os limites da revelação histórica não se devem a uma reserva divina, mas sim a uma incapacidade humana: a incapacidade constitutiva do homem que, como ser finito, somente de maneira obscura, ambígua e lenta pode ir caindo na conta da palavra viva que Deus lhe está dirigindo constantemente”[30].
É também a partir dessa revelação bíblica, que se pode entender a revelação de Deus como coerência e correspondência com o mais profundo de nosso ser e das nossas aspirações (Von Balthasar). Esta palavra bíblica captada deve ser verificada, pois o processo de verificação é idêntico ao processo de captação (P. Eicher).
b.) Ordem de acesso cognoscitivo
Os livros bíblicos nasceram da experiência que foi redigida. Nós, hoje, temos os livros. A partir dos livros, podemos chegar à experiência e ao conteúdo revelador que o povo de Israel e a comunidade de Jesus nos comunicam.
Partimos, portanto, do fato de que Deus se revelou e que esta revelação está consignada nos livros bíblicos. É o primeiro dado de nosso conhecimento na fé. Em seguida, abordam-se os escritos bíblicos para neles conhecer o conteúdo, o sentido, o alcance da revelação, aí manifestada. Para isso, investiga-se a base empírica e realista do fenômeno da revelação no Antigo Testamento e seu acabamento no Novo Testamento, com toda a semelhança que tenha com as outras religiões ou revelações. O povo de Deus escreve sua história, vida e experiência e reconhece, ao mesmo tempo, que a palavra aí escrita é palavra de Deus. este povo escreve para recordar o que viveu e deixá-lo como lição de vida para as futuras gerações.
Tal passo implica três questões:
- Fazer-se uma idéia da história da redação de tais livros
- Razão teológica de seu caráter revelador, isto é, terem sido inspirados por Deus e gozarem do carisma de verdade;
- A aceitação dos livros como tais pela comunidade, confeccionando assim o cânon dos livros bíblicos.
A partir daí se estabelecem tais livros como chave hermenêutica para interpretar toda outra ação reveladora de Deus, quer nas outras religiões, quer em outros acontecimentos da vida humana.
Didaticamente este percurso é o mais aconselhável, porque corresponde a nossa real situação. De fato, partimos de nossa fé na revelação de Deus na Sagrada Escritura. E como teologia fundamental buscamos maior intelecção de tal realidade, percorrendo os três passos acima indicados. Antes de ser livro, o povo de Deus viveu uma experiência a que nós só temos acesso através dos livros.
5. Revelação nos concílios
No contexto do estudo da tradição, cabe percorrer rapidamente alguns concílios que trataram diretamente da revelação. A tradição da Igreja encontra nos concílios momentos privilegiados de sua expressão. O tema da revelação sempre foi objeto central de todas as declarações do magistério conciliar, quer sob a forma de verdades para serem cridas, quer sob a forma de práticas a serem realizadas. Mas isso não significa que o tema da revelação tenha sido reflexamente tratado. Antes, foi muito tarde que se começou a tratar dele, como uma realidade explícita.
1º. Concílio de Latrão IV (1215)
Este concílio se reuniu principalmente para fazer face aos albigenes e cátaros, seitas espiritualistas. Depois de renovar solenemente o ato de fé na Santíssima Trindade, o Concílio acrescenta:
“Esta santa Trindade, individua conforme a essência comum e distinta conforme as propriedades pessoais, entregou ao gênero humano a Doutrina Salutar, primeiramente por Moisés e pelos profetas, e por outros servos seus conforme uma disposição bem ordenada dos tempos”[31].
A regra fundamental desse Concílio é definir somente as afirmações que estão expressas em forma direta, “in recto”. Portanto, trata-se de definir a Trindade como sujeito revelador de um projeto salvífico para a humanidade. Os outros elementos entram indiretamente – “in obliquo” – na definição. Para exprimir tal verdade, o Concilio recorre ao universo semântico medieval. O projeto salvífico de Deus é visto como “doutrina salutar”. O termo doutrina tem muita densidade significativa, no sentido de comunicação, ensinamento, manifestação do mundo de verdades. Hoje o termo adquiriu uma rigidez, uma a-historicidade expressa, em contraposição a ensinamentos mais flexíveis, mais compatíveis com as situações. O contexto histórico permite perceber que o concilio quer contrapor-se a doutrinas espiritualistas, desprovidas muitas vezes de conteúdo e realidades objetivas. A revelação aparece como algo comunicado por Deus, cuja iniciativa e objetividade vem, em primeiro lugar, de Deus e não da fantasia de grupos espiritualistas. Significa também uma reação a grupos da periferia da cristandade que vinham contrapor-se à doutrina tradicional, constitutiva da Igreja oficial.
2º. Concílio de Trento (1545-1563)
Realizado no século XVI, teve como finalidade principal contrapor-se à Reforma luterana, formulando a doutrina católica em oposição e resposta aos ensinamentos protestantes. Portanto pertence às regras de definição do Concílio a vontade explicita de só definir aquilo que esteja dito diretamente, “in recto”, e que seja em oposição à doutrina luterana. O contexto semântico do momento é encontrar termos que possam ser entendidos pelos protestantes, mas cujo sentido exato seja dado pelo Concílio, em oposição à hermenêutica protestante.
Os protestantes viam a capacidade humana de conhecer enfraquecida por causa do pecado. Com isso, ameaçava-se a própria sobrenaturalidade da revelação. Acentuavam o momento individual da fé, a acolhida da justificação atribuída ao pecador por Deus e o livre exame da Escritura (sola fide, sola gratia, sola Scriptura), com menor atenção ao aspecto objetivo. Salientam também o papel Transcendente de Deus interpelante. Em contraposição, o Concílio vai carregar o ponto da objetividade do conteúdo e ensinamento da revelação, de seus transmissores, de seus intérpretes oficiais, do papel da Igreja, assim ao falar da revelação, o Concílio afirma:
“O Sacrossanto Concílio Ecumênico geral tridentino, legitimamente reunido no Espírito Santo, coloca diante de seus olhos continuamente que a pureza mesma do Evangelho, eliminados os erros, se conserve na Igreja, o qual, prometido antes pelos profetas na Sagrada Escritura, N.S. Jesus Cristo, o Filho de Deus, promulgou então com sua própria boca, em seguida ordenou que fosse pregado a toda criatura pelos seus apóstolos, como fonte de toda verdade salutar e dos costumes de disciplina”[32].
A revelação aparece sob o termo de Evangelho. Mas para que tal não ficasse muito genérico, acrescenta-se que ele é fonte de “verdade salutar e dos costumes de disciplina”, especificando mais o conteúdo do evangelho. Então claras as duas preocupações com a doutrina, aqui chamada de verdade salutar ou salvífica, e com a moral e costumes da Igreja, em oposição à posição mais subjetivista protestante. O aspecto da autoridade da Igreja é também reforçado. Mas o fundamental para a compreensão de Deus e de seu plano salvífico é de novo o aspecto de “boa nova de salvação” que teve nos profetas uma fase de promessa e em Jesus encontrou sua promulgação. Agora a Igreja conserva e prega, em fidelidade à fonte bíblica. A revelação é verdade de salvação que implica em práticas de vida.
3º. Concílio Vaticano I (1869-1870)
Ao tratar do nascimento da teologia fundamental apologética, abordou-se de maneira rápida o contexto do Concilio Vaticano I. Vive-se um momento cultural influenciado por uma pluralidade filosófica muito rica. A filosofia cartesiana, que pusera em xeque a autoridade da Tradição, a espinoziana, que exclui a priori a religião revelada, o Kantismo, que diminui as fronteiras entre filosofia e teologia, a filosofia empírica inglesa, que defende o primado da observação, criam o clima em que o Concílio se vai situar.
Ele teve de defrontar-se sobretudo com as diversas formas de racionalismo, que encontrou sua expressão no primado da razão e sua autonomia diante da revelação, do dogma. O movimento da Ilustração do século XVIII pretendia libertar o homem de tutelas, da imaturidade da razão, para gerar o “homem iluminado”, que usa a própria razão, sem submetê-la a outra instancia.
Estavam em questão problemas referentes à sobrenaturalidade, à possibilidade mesma da revelação. Negava-se-lhe o caráter transcendente, surgia um ateísmo racional, que, em nome da razão, rejeitava totalmente a Deus.
Ao lado do racionalismo havia também correntes fideísta e tradicionalista, que, em infirmando a razão, em última análise, punham em xeque a própria fé. Nesse contexto, o Concílio Vaticano I procura uma posição de equilíbrio que afirma a realidade da revelação em oposição a uma autonomia absoluta da razão e o valor da razão em oposição a um enfraquecimento de sua força cognitiva.
Trata do tema na Constituição Dogmática Dei Filius nos seguintes termos:
“A mesma Santa Madre Igreja retém e ensina que Deus, principio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido pela razão humana, de modo certo, a partir das coisas criadas, pela luz natural da razão humana... Por isso, aprouve à Sabedoria e Bondade de Deus revelar, por outra via, sobrenatural, a si mesmo e os decretos eternos de sua vontade ao gênero humano”...[33]
Em outro lugar fala da tríplice ordem de verdades:
- verdades naturais que podem ser conhecidas pela razão;
- verdades naturais reveladas que são reveladas por Deus, ainda que podem ser conhecidas pela razão, para ajudar o homem a atingi-las de modo mais fácil, certo e por todos;
- verdades sobrenaturais que somente podem ser conhecidas pela revelação[34]
Quanto à origem, as verdades podem ser conhecidas pela razão ou pela fé. Quanto ao objeto, podem ser naturais ou naturais reveladas ou simplesmente sobrenaturais.
O horizonte racionalista condiciona a concepção de revelação como verdade. E a verdade é vista como exatidão, correspondência à realidade. Bem diferente, p. ex., do conceito joanino de verdade ou mesmo da epistemologia moderna.
O importante nessa definição é assegurar dois elementos. De um lado, a liberdade e gratuidade de Deus que pode e quer revelar-se ao homem para além da pura capacidade racional do homem de conhecê-lo através das criaturas, pela via da analogia. Do outro, este homem tem uma inteligência que é capaz pelas suas próprias forças naturais de chegar à verdade, inclusive a respeito de Deus. Não entra em discussão a questão da existência real de tal capacidade puramente natural e de seu exercício na ordem atual. Pois na verdade sabemos que a capacidade humana de conhecer a Deus foi elevada a um nível superior, como se verá mais tarde na discussão sobre o sobrenatural. Todos os homens de fato têm acesso a Deus pela via de sua estrutura existencial sobrenatural.
A problemática do concilio Vaticano I é mais formal e menos existencial. Quer salvaguardar os fundamentos da possibilidade da revelação de Deus, contra uma razão por demais pretensiosa e contra uma visão pessimista da razão humana. Sadia humildade e sadia visão do homem na suas potencialidades.
4º. Concílio Vaticano II (1962-1965)
Outros tempos. Já não se põe no centro definir verdades contra adversários. É o espírito pastoral e ecumênico que domina. Pastoral: resposta ao mundo de hoje. Ecumênico: diálogo com outras denominações religiosas e até com o humanismo ateu.
Neste contexto, o Concilio percorreu longo itinerário até chegar à Constituição Dogmática Dei Verbum. Foi um documento que teve entrada na primeira sessão do concilio e só foi aprovado na ultima. Várias redações precederam a atual forma.
As razões das dificuldades são múltiplas. O problema da tradição não estava maduro. A polemica sobre a exegese moderna no meio católico estava por demais acesa. Havia maior consciência da importância da Sagrada Escritura na vida do católico, como palavra de Deus, graças à atuação vigorosa do movimento bíblico. A efervescência de estudos de teólogos, sobretudo da Europa central, a respeito dos temas da revelação, escritura, inspiração, tradição, com preocupação ecumênica, sensibilizara muitos bispos e criara desconfiança em outros.
Houve verdadeiro salto hermeneutico da primeira redação para a última: de uma visão objetivista e dogmática para uma visão histórica, dialética, dialogal de verdade. Uma concepção de revelação, como doutrina, cede lugar a revelação como ação de Deus na história “gestis verbisque” – por meio de gestas e palavras. O primeiro esquema conservava ainda a concepção das duas fontes em nítida posição antiecumênica e apologética, sob a forte influencia de um Santo Ofício conservador[35]
A idéia central da Dei Verbum preside praticamente a todo o nosso tratado. Por iss, não se necessita deter longamente sobre o texto. Mas mesmo assim, cabe chamar atenção para algumas de suas novidades.
A revelação, na sua fase ativo-constituinte, é a ação gratuita de Deus que se revela a si e “o mistério de sua vontade pelo qual os homens, por intermédio do Cristo, Verbo feito carne, e no Espírito Santo, tem acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina”. Preside a todo esse processo de revelação o amor de Deus Pai no Filho e pelo Espírito.
O aspecto dialogal da revelação aparece na iniciativa de Deus que convida o homem a participar de sua vida íntima, trinitária. A Encarnação é o auge do di´slogo.
Os modos de Deus comunicar-se são a encarnação e a história, havendo entre acontecimentos e palavras uma íntima e mútua relação. Relação de natureza e não de tempo. As palavras podem preceder, ser simultâneas ou vir depois. Podem ser de proporção diversa, ora muita palavra, ora muita obra. As obras manifestam e corroboram a doutrina e as realidades significadas pelas palavras. As palavras indicam o sentido autentico das ações divinas.
O caráter da revelação é histórico, sacramental, pela criação e pela ação positiva de Deus.
Jesus Cristo é a Palavra substancial que o Pai diz e pelo qual ele fez toda criação e que o Espírito Santo aprofunda no coração.
O plano de Deus é que a revelação seja transmitida a todas as gerações. Daí o papel da tradição, a respeito da qual os apóstolos e seus sucessores têm uma missão única. A tradição progride através dos tempos. Há uma relação entre ela, a Escritura e o magistério.
Este ensinamento do concilio Vaticano II refletem enorme amadurecimento dessa problemática na consciência eclesial e abrem perspectivas ecumênicas e missionárias. Dentro dessa perspectiva, pode-se então perguntar por critérios teológicos e pastorais para prosseguir a tarefa da interpretação da tradição para o tempo atual[36].
Paulo VI, quase um ano depois do término do Concilio, animava o prosseguimento na tarefa de ir avançando para além do Concílio:
“Ele é um acontecimento de importância secular. Não pode ser considerado um episódio concluído e acabado. O Concilio entrega à Igreja um ‘tomo’, um volume de doutrinas e de decretos, que podem assinalar a sua nova primavera. Não é a inércia, nem a crítica, nem a revisão, nem a recusa nos confrontos com a obra conciliar que podem ajudar a Igreja. É o conhecimento, o estudo, a aplicação da herança do Concilio, que devem empenhar, de um lado, o estudo teológico, e, do outro, o governo pastoral, para que este novo patrimônio se insira no ‘depósito’, no amplo quadro das verdades já adquiridas pela Igreja”[37]
6. Revelação na perspectiva latino Americana
A revelação tem uma estrutura dual. É automanifestação de Deus (Transcendência) na historia (imanência). A história é o lugar da revelação: Pois Deus revela-se nela e nela o homem a acolhe.
Daí surge uma dupla pergunta: como uma situação sóciopolítica pode ser revelação de Deus? E como a partir de uma situação sóciopolítica pode-se interpretar a revelação?
A reflexão vem sendo feita no horizonte da modernidade, com suas perguntas fundamentais da subjetividade e da historia. (...)
(...) O estudo da revelação na situação latino-americana levanta a dupla pergunta fundamental: o que e como a situação de dominação / opressão e de movimentos libertadores é revelação de Deus? E como entender a revelação de Deus à luz de tal experiência?
Busca-se, em última análise, construir a partir dessa situação de conflito da América Latina, tendo como horizonte fundamental que Deus se revela na história, um novo conceito de revelação mais concreto. Que experiências concretas, históricas, eclesiais ou não, se fazem na América Latina que sejam mediações, concretizações, categorializações, tematizações da experiência fundante do Mistério de Deus, de sua Autocomunicação salvífica, de modo que a categoria revelação adquira concretude? E, portanto, possa ser teologizada? Que mediações históricas ajudam compreender, explicitar a revelação do mistério de Deus? os conteúdos de Deus (elemento universal, transcendente) se explicitam em determinado eixo geográfico e histórico (particular, concreto).
O contexto da América Latina, em que se interpreta a revelação bíblico-cristã, aproxima-se muito da sua experiência geradora. O povo de Israel experimenta a Deus dentro de uma experiência de opressão. Em situação semelhante, Jesus fala de seu Pai. E a Igreja primitiva, também ela marginalizada e perseguida, recorda-se de Jesus.
Em outros termos, a teologia latino-americana:
“Diante do evento único da revelação, busca, antes de tudo, a libertação de si mesma e dos próprios esquemas para chegar a ser, com mais eficácia, verdadeira servidora da evangelização do continente”[38]
6.1. Revelação e opção pelos pobres
A revelação na perspectiva latino-americana é tematizada, sobretudo em sua conexão com a opção com os pobres. Deus se auto-revela como um Ser profundamente apaixonado e interessado pelos pobres. O amor de Deus pelos pobres pertence à própria revelação do seu Ser e projeto salvífico.
Além disso, no seu plano salvífico os pobres ocupam lugar privilegiado, de tal modo que eles são mediação de salvação para os outros. Rejeitar os pobres é excluir-se fora do plano de salvação. A vinculação da revelação com os pobres é muito mais profunda que até então as teologias clássica e neoliberal tinham considerado. E foi a partir do contexto da América Latina que se conseguiu perceber esse dado fundamental da revelação. E por sua vez, a revelação atribui gravidade à opção pelos pobres.
Esta aproximação entre revelação e opção pelos pobres se faz em primeiro lugar na experiência espiritual. Ao encontrar-se com os pobres, o cristão percebe uma presença forte de Deus. esta experiência remete-o a perguntar-se pelo próprio ser de Deus e seu projeto, já que o experimenta nessa situação de fraqueza, de pobreza. E assim iluminam-se-lhe, ao mesmo tempo, q realidade que experimenta e inúmeros textos, mensagens, práticas transmitidos na Escritura.
Este processo tem duas faces. Uma face negativa demolindo as falsas imagens de Deus, incompatíveis com esta experiência de Deus no pobre. Há todo um trabalho de teologia negativa, já com outro sentido, a saber, de demolir os falsos deuses gerados por tantos anos de introjeção de símbolos, interesses, valores, significados religiosos das classes dominantes.
A face positiva pretende estabelecer lugares teológicos a partir dos quais se possa captar a revelação do verdadeiro Deus. de maneira sintética, V. Feller aponta esses lugares:
“Estes três lugares que, ao final, se concentram num só, o pobre e sua experiência de Deus, são o reverso da história, a consciência histórica da libertação e o poder transformador da cruz dos oprimidos. Nestes três lugares, o teólogo encontra a Deus e dele fala, porque aí é chamado a seguir o mesmo comportamento de Deus, por uma indignação ética diante da injustiça do mundo (cf. Is 1,10-20) e uma exigência iniludível de tomar posição ao lado dos que sofrem (cf. Ex 3,7-8), após experimentar um assombro radical da solidariedade que os pobres mantêm entre si, o que lhes garante a presença de Deus em seu meio (cf. 1Jo 4,16). Respondendo, enfim, por uma possibilidade nova e atual, encarnada e eficaz, do conhecimento de Deus e do discurso sobre ele, a teologia da libertação completa a sua teologia da revelação: a revelação de Deus acontece e é captada na libertação do homem; Deus se revela como Deus libertador do pobre”.[39]
A teologia da revelação, ao defrontar-se com a situação de opressão dos pobres, vê-se obrigada a repensá-la, entre extremos de um Deus providencialista que tudo faz e determina e de um secularismo que deposita toda a realidade nas mãos do homem. O Deus da revelação é providente, é Pai, envolve-se apaixonadamente com a história dos homens e, sobretudo com o processo de libertação dos pobres, seus preferidos. Mas tal paixão não supre, antes incentiva o compromisso com a libertação dos pobres, como maneira de fazer verdade para os homens esse amor de Deus.
A leitura de um Deus providente, que aliena, acontece, precisamente porque ela é feita a partir do lugar daquele que se julga o “salvador” dos pobres, mas na verdade não é o lugar do pobre. Somente desde o lugar do pobre pode-se ter uma verdadeira intelecção do Deus revelador, providente, salvador. Pois o pobre sabe que sua libertação tem em Deus sua última fonte, motivação e nele encontra apoio e arrimo. Mas sabe também que este Deus se lhe manifesta através de práticas solidárias, comprometidas, que os próprios pobres devem realizar. E o não-pobre, na medida em que se articula com tais práticas, segundo suas possibilidades, realidade.
[1] Obras do Autor publicadas pela Loyola: Cartas de Tiago, Pedro, João e Judas, 1995; Descobrir a Bíblia a partir da liturgia, 1997; Hebreus, 1995; Marcos, 1994; A Palavra se fez Livro, 1999.
[2] Jacques Dupuis, Verso uma teologia cristiana Del pluralismo religioso, Brescia: Queriniana, 1997, pp. 12-14. ao defender a proposta de uma perspectiva “global” para a teologia cristã da religiões, Dupuis sublinha a necessidade de uma reflexão teológica que saiba reconhecer e valorizar a “pluralidade e a diversidade das crenças e a recíproca aceitação dos outros em sua alteridade singular” (pp. 13-14).
[3] João Paulo II, “Homilia pronunciada no seminário Palafoxiano de Puebla durante eucaristia realizada em 28 de janeiro de 1978”, in Documento de Puebla, Petrópolis, vozes, 1979, p. 46.
[4] Para esse filósofo neoplatonico, a multiplicidade seria impensável sem a unidade. Como indica Gesché, o deus do mito e da filosofia permanece sempre um deus que não busca sair de si mesmo: “Só diante de si mesmo”: “Monos pros monon” como diz Plotino. Trata-se de um ser “idêntico que não se divide e que permanece inteiro; ele não é distante de nada e não tem necessidade de invadir nada”; cf. A. Gesché, dio per pensare 3 – Dio, Ciniello Balsamo, Paoline, 1996, pp. 116-117.
[5] Nosso Deus não é alguém que interdita os caminhos da alteridade, mas é um Deus de tríplice Kénose, como sublinha A. Gesché: a) Kénose da trindade: que abre espaço ao outro em sua alteridade de relações; b) Kénose da criação: que desde o início do mundo celebra a presença do ser humano ao seu lado, como sua imagem; c0 Kénose da encarnação: que se esvazia de sua condição divina e se abre ao desafio do humano. O Deus do “abandono de si” trata-se, portanto, de alguém que não se fecha de forma enciumada em si mesmo e em seus direitos, mas que se afirma como abundancia de gratuidade. Alguém que é capaz de todos os atos da linguagem à exceção do monólogo. Cf. A. Gesché, “L’identité de i’homme devant Dieu”, in Revue Theologique de Louvain, 29 : 22, 1998.
[6] Wolfhart Pannenberg, Teologia Sistemática I, Brescia, Quriniana, 1990, p. 294.
[7] Em hebraico, a palavra rahamim significa ter entranhas como uma mãe e possuir seios como uma mulher. “Deus não só tem um coração que ama. Isso já é extraordinário. Mas também tem entranhas. Isso é avassalador. Tal fato permite que Deus seja visceralmente bom”. Cf. Leonardo Boff, Brasa sob cinzas, Rio de Janeiro, Record, 1996, p. 50. Deus é marcado pelo “Princípio misericórdia”, opondo-se assim às “fraternidades de terror”. Esse principio misericórdia constitui um paradigma materno. Com base em tal paradigma, L. Boff levanta a seguinte interrogação: “Podem as mães condenar o fruto de suas entranhas, lá onde a misericórdia tem o seu trono? Mesmo o filho mais criminoso ou filha mais pervertida não deixam jamais de ser filhos e filhas. Eles serão amados sempre. Jamais sairão do coração de suas mães. Elas amam, compreendem, perdoam. (...) Definitivamente, Deus não precisa de uma lata de lixo. Significaria sua eterna vergonha e seu infinito fracasso” (ibidem, pp. 56-57). Cf. ainda L> Boff, Saber cuidar; ética do humano – compaixão pela terra, Petrópolis, Vozes, 1999,p. 127.
[8] C. Mesters, “Jesus e a cultura de seu povo”, art. Cit., p. 4. para os doutores da lei, fariseus e sacerdotes da época, os fariseus não apresentavam valor, estando possuídos pelo demônio. O próprio Jesus não escapou desse estigma: “você é um samaritano e tem o demônio” (Jo 8,48).
[9] Gustavo Gutiérrez, Teologia da libertação, Petrópolis: vozes, 1975,p. 167.
[10] Como sublinha J. Jeremias, no Oriente a mulher não participa da vida pública; o mesmo acontecia no judaísmo do tempo de Jesus, pelo menos entre as famílias judaicas fiéis à lei. Em conformidade com as regras estabelecidas, as mulheres, em publico, deviam passar despercebidas. As regras do decoro proibiam encontra-se sozinho com uma mulher. Cf. J. Jeremias, Jerusalém no tempo de Jesus, op. Cit., 474.
[11] C. Mesters, “Jesus e a cultura de seu povo”, art. Cit.,p. 4.
[12] III conferencia Geral do Episcopado Latino Americano, Puebla; a evangelização no presente e no futuro da América Latina, Petrópolis, vozes, 1979, n. 226.
[13] G.Gusdorf, A agonia da nossa civilização, São Paulo, convívio, 1978, p. 33.
[14] O. Ianni, O encantamento do mundo, in: Religião e Sociedade 1986, março, n. 13/1 p. 20.
[15] Evans – Pritchard, A religião e os antropólogos, in: Religião e Sociedade 1986, março, 13/1 p. 11.
[16] D. Bonhoffer, Resistência e submissão, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968, pp. 130s.
[17] Secularização tornou-se um termo tão amplo que já não tem referente claro. Ora considera-se um processo de emancipação e de independentização das diferentes esferas sociais, políticas e culturais em relação ao religioso, ora compreende-se em termos de poder como o surgimento de autoridades em concorrência com o poder das igrejas, ora constata-se em termos de normas e princípios éticos como a crescente imposição do critério único das realidades seculares, terrestres, humanas, de tal sorte que a religião aparece cada vez mais como repressiva, usurpadora na sua autoridade e extrinsecista. Concretamente a Igreja já não garante mais um magistério regulador do conjunto das estruturas sociais. Os valores de referencia numa sociedade valem por eles mesmos e não necessitam já do sagrado para sua legitimação. Os fundamentos da vida social são lançados por acordo consensual. Sem dúvida, na origem desse fenômeno há uma contestação do poder da religião por parte dos poderes políticos. As guerras da religião revelaram a importância do cristianismo para garantir a paz e a ordem pública. Os poderes políticos assentados sobre a religião perderam a legitimidade. Logo busca-se assentar o poder sobre uma base racional. O fenômeno de secularização desencadeou uma crise de legitimação também no campo moral, ético. Instala-se uma crise do fundamento dos valores. Qual é o valor dos valores? P. Valadier, La sécularisation em questions. In: Estudes 359/5 (nov. 1983) pp. 515s.
[18] Heidegger, M. In cammino verso il linguaggio. Caracciolo, A. (Org.). Milano, 1984. p. 207.
[19] Heidegger, M. Sobre o humanismo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1967. pp. 64 e 70. (Biblioteca Tempo Universitário, 5.)
[20] Cf. sobre esses temas: Forte, Bruno. “Offenbanrung” aut “re-velatio”? Dalla Scrittura allá Parola ed al Silenzio di Dio. Archivio di Filosofia, 60 (1992), pp. 389-402.
[21] Sobre essas referencias de teologia trinitária cf. Forte, B. A Trindade como história. Ensaio sobre o Deus cristão. São Paulo, Paulinas, 1987.
[22] São João da Cruz. Noite escura. Estrofe V. in: Obras de São João da Cruz. Petrópolis, Vozes, 1960. v. 1 p. 290: “Oh noche amable más que el alborada! / Oh noche que juntaste / Amado con amada, / amada en el Amado transformada!”
[23] L. Kolakowiski, A revanche do sagrado na cultura profana, in: Religião e sociedade 1977 n. 1, pp. 153-162.
[24] L. A. Gómez de Souza, Secularização em declínio e potencialidade transformadora do sagrado, in: Síntese (nova fase) 14 (1986) n. 37 p. 34. nesse artigo, o autor defende a tese de que o velho paradigma cientifico voa em pedaços, civilização e sistemas socioeconômicos se esgotam e, nesta volta da historia, o sagrado, o Deus obsconditus ajudam a questionar, a relativizar, a derrubar falsos ídolos e a resgatar pistas de um mundo novo por nascer (pp. 34/5).
[25] É conhecido o fato de que Laplace, ao ser perguntado por Napoleão a respeito da ausência de Deus no seu livro sobre a mecânica celeste, responde: “não preciso dessa hipótese”.
[26] A. Torres Queiruga elabora a categoria “maiêutica histórica” para explicar tal relação de imanência e transcendência na revelação: La revelación de Dios em la realización Del hombre, Madrid, Cristiandad, 1987, pp. 117-1160; 464-475.
[27] R. Latourelle, Teologia da revelação, São Paulo, Paulinas, 1972, p. 14.
[28] A. Torres Queiruga, La revelación de Dios en la realización del hombre, Madrid, Cristiandad, 1987, pp. 18ss. Reflete bem este processo a afirmação de J. Barr: “Sejam quais forem as ações ou encontros que o Antigo Testamento servem de mediação para o homem na sua experiência com Deus sua forma atualmente compreensível é a de uma expressão verbal, lingüística, literária. Ela é a que descreve o conteúdo de todas as ações e encontros, permite a distinção entre os diferentes conteúdos e entre os diversos elementos de intenção ou vontade pessoais. Assim a experiência de Israel – de seus profetas e de outras pessoas – cristaliza-se em forma de frases e complexos literários. Estes representam a articulação (e por isso mesmo sua forma cognoscível) do modo em que Deus se pôs em relação com eles”: J. Barr, alt und Neu in der biblischen Uberlieferung, Munchen, 1967, cit. Por: A. Torres Queiruga, op. Cit., p. 37.
[29] Concilio Vaticano II, Dei Verbum, n. 2.
[30] A. Torres Queiruga, op. Cit., pp. 461s.
[31] DS 800.
[32] DS 1501.
[33] DS 3004.
[34] DS 3005.
[35] Causou espécie uma intervenção do bispo belga De Smedt, em que ele invoca precisamente o espírito ecumênico para rejeitar tal esquema: “Segundo nosso parecer, o esquema falha notavelmente em seu caráter ecumênico. Ele não representa progresso para o encontro com os não católicos, mas um empecilho; muito mais: é prejudicial”. B. Kloppenburg, Concílio Vaticano II. V. II. Primeira sessão (set-dez 1962), Petrópolis, Vozes, 1963, p. 181.
[36] R. Latourelle, Teologia da revelação,São Paulo, Paulinas, 1972, pp. 366-413: La costituzione dogmática sulla divina rivelazione, Collana Magistero Conciliare, n. 3, Torino, Elle di Ci, 1967; L.A. Schokel, org., Comentários a la constituición Dei Verbum sobre la divina revelación, BAC 284, Madrid, BAC, 1969.
[37] Paulo VI, Fausto e promettente incontro com la conferenza episcopale italiana (23 giugono 1966), in: Insegnamenti di Paolo VI, Città del Vaticano, L.E. Vaticana, 1966, v. IV, p. 304. há outra citação de Paulo VI muito expressiva, mas cuja exatidão não consegui conferir por não ter tido acesso à fonte: “Os decretos conciliares, antes de serem um ponto de chegada, são um ponto de partida para novos objetivos. É necessário ainda que o Espírito e o sopro renovador do Concilio penetrem nas profundezas de vida da Igreja. É necessário que os germes de vida depositados pelo Concilio no solo da Igreja cheguem a sua plena maturidade” Paulo VI, Carta de 21 de setembro de 1966, OssRom 26-27.x.1966.
[38] V.G. Feller, O Deus da revelação. A dialética entre revelação e libertação na teologia latino-americana, da “Evangelii Nuntiandi” a “Libertatis conscientia”, São Paulo, Loyola, 1988, p. 22.
[39] V.G. Feller, Op. Cit., p. 25.
Nenhum comentário:
Postar um comentário