domingo, 25 de janeiro de 2009

Missiologia: Fundamentos Bíblicos da Missão

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA MISSÃO


1. RESUMO E OBJETIVO


Resumo.
A Bíblia, em sua totalidade, aponta para uma dimensão teológica particular e universal. O Deus que criou a humanidade é o mesmo Deus que elegeu o povo de Israel. O Deus que “fez sair” Israel do Egito é o mesmo que “fez sair” os Filisteus de Cáftor e os Arameus de Quir (Am 9,7). Ele é o Senhor de toda a história e de todos os povos. Nesse horizonte global a eleição de Israel não estabelece entre Israel e as nações uma situação de exclusão recíproca, mas coloca os dois numa relação necessária e bipolar. O povo de Israel desempenha na história a função de testemunha entre as nações do Deus único; o povo da Aliança continua sendo o detentor das promessas de salvação para si e para todos os povos. Entretanto, também os outros povos têm uma própria história dirigida pelo mesmo Deus, também eles têm uma Lei que não é aquela de Moisés, mas aquela de Noé, também eles são “sujeito teológico”. O encontro entre Israel e as nações é importante para reconhecer que também elas possuem uma própria luz, indo na direção de Jerusalém (Is 60) ou na direção do Messias (Mt 2,1-12), porque para elas Deus indicou um caminho a seguir (Mt 2,9-10) e nelas estão presentes a “Semente da Palavra” e o Espírito Santo que enche o universo.

Objetivo.
A busca de uma fundamentação bíblica da “missão” leva antes de tudo a uma tomada de consciência de que a “igreja” não é nenhum “Novo Israel”, pois este permanece o “povo de Deus” e que não pode identificar-se com nenhuma nação ou grupo particular porque ela é e continua sendo “Ecclesia ex gentibus” e não a “Ecclesia gentium”. A igreja também é “povo de Deus”, mas no sentido de “congregatio fidelium”. Por este motivo a sua relação com os povos deve estar alicerçada no respeito e na escuta. Tal atitude implica necessariamente uma profunda valorização das nações e de suas riquezas religiosas e culturais, pois a igreja recebe a missão de “estar com” elas e não acima delas. Ela é recebe a tarefa de discernir a Palavra divina presente entre os povos para levá-los ao encontro do Evangelho de Cristo. A missão da igreja não comporta nenhum plano global para reunir todos os povos, nem tem a função de ser juiz entre eles, mas consiste simplesmente em ser “o lugar” onde todos eles indistintamente possam encontrar e acolher o Evangelho da salvação.

2. FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA MISSÃO

2.1. A missão no Antigo Testamento

2.1.1. Introdução geral
Para evitar mal-entendidos e eventuais reducionismos, o AT deve ser levado em consideração como um todo. Isso significa reconhecer que o AT tem uma palavra e valor próprio e desempenha uma função determinante em relação ao NT quando porém não se passa por cima de suas características e peculiaridades. No que diz respeito à questão da “missão” se torna necessária e imprescindível uma atitude de escuta.
O AT nem sempre pode oferecer as respostas certas às nossas perguntas e satisfazer as nossas expectativas. Se por “missão” se entende o fato de dirigir-se aos pagãos com a intenção de comunicar-lhes a verdadeira fé e de convertê-los ao verdadeiro Deus, então o AT é uma decepção total porque desconhece totalmente uma missão desse tipo.

Ponto de partida: o verbo hebraico shalah: enviar/mandar.
É notório que no AT não se encontra o termo “missão”, mas a idéia está expressa claramente no verbo “enviar/mandar”. O verbo shalah ocorre 847 vezes e geralmente exprime o fato de “enviar/mandar” um objeto ou uma pessoa para alcançar um determinado objetivo, para cumprir uma determinada tarefa ou para cumprir uma ordem.
Sem entrar numa análise detalhada do termo, para a nossa finalidade podemos levar em consideração alguns aspectos.

1. Há um certo número de ocorrências (cerca de 40) em que o verbo indica o envio de presentes ou mercadorias (32,19: presente; 38,17.20.23; Jz 3,15: tributo;1Sm 16,20: Jessé tomou 5 pães, um odre de vinho, um cabrito e mandou seu filho Davi levar tudo a Saul; 1Rs 15,19; Is 16,1; etc); lançar flechas (2Sm 22,15 = Sl 18,15; Sl 144,6); o envio das pragas da parte de Deus (Ex 9,19; 23,28) ou de benefícios (Jl 2,19; Sl 20,3; 43,3; etc). Na maioria das vezes o verbo hebraico indica o “envio de alguém” com uma função definida: mensageiro (Gn 24,7.40; 32,4; 37,13.14; etc); enviar ‘Palavras’ (Prov 26,6); uma carta (2Sm11,14;2Rs 5,5)no sentido de enviar uma mensagem.

2. Chama a atenção o fato de que mais ou menos a quarta parte dos textos tem Yhwh/Deus por sujeito, neste caso o verbo tem o significado de “enviar/mandar alguém”. Alguns exemplos são significativos.

a) Deus manda alguém com a função de proteger: o anjo (Ex 23,20; 33,2; Nm 20,16; etc); pessoas que não têm necessariamente a função de mensageiros: envia o povo pelo caminho (1Rs 8,44; 2Cron 6,34); José como instrumento da providência (Gn 45,5.7;Sl 105,17); Gedeão como salvador (Jz 6,14) e outros juizes (1Sm 12,11); Saul o futuro rei libertador dos filisteus (1Sm 9,16); um salvador e defensor (Is 19,20) e enfim “pescadores e caçadores” com a tarefa de perseguir os pecadores dispersos (Jr 16,16).

b) Significativo e importante é o “envio” dos profetas, os mensageiros de Deus. Antes de tudo emerge a figura de Moisés (Ex 3,14-15;4,13.28; 5,22; Nm 16,28-29;Dt 34,11; Js 24,5; 1Sm 12,8; Mi 6,4; Sl 105,26); figuras anônimas (Jz 6,8; Is 42,19; 48,16; 61,1; Mal 3,1); profetas conhecidos como Samuel (1Sm15,1; 16,1) Natan (2Sm 12,1) Gad (2Sm 24,13) Elias (2Rs 2,2.4; Mal 3,23) Isaias (Is 6,8) Jeremias (Jr 1,7; 19,14;25,15.17; etc) Ananias (Jr 28,15) Semeias (Jr 29,31) Ezequiel (2,3.4; 3,6) Ageu (Ag 1,12) Zacarias (Zac 2,12-15; 4,9; 6,15) Semeias bem Delaías (Ne 6,10) e enfim verdadeiros e falsos profetas(Jr 7,25; 14,14; 23,21.32.38; 25,4; Ez. 13,6; 2Cron 24,19;25,15;etc.).

c) Enfim é preciso lembrar também aqueles textos que apresentam Yhwh que envia o “espírito” (Jz 9,23= espírito mau; Sl 104,30) a sua “instrução” (2Rs 17,13 = Torah) e a sua “palavra” (Is 9,7; 55,11; Zac 7,12; Sl 107,20; 147,15.18).

Em geral o AT, evidencia a iniciativa gratuita e soberana de Yhwh/Deus que “envia” os profetas como seus mensageiros ao povo de Israel (2Rs 17,13; Jr 7,25; 25,4; 29,19; Zac 7,12; etc.). Isto leva a considerar mais de perto 3 problemas estritamente ligados entre si: o problema da missão profética, o problema da relação entre Israel e as nações e enfim o problema da mensagem universal do AT.

2.1.2. A “missão” dos profetas
“Desde o dia em que vossos pais saíram da terra do Egito até hoje, enviei-vos todos os meus servos, os profetas; cada dia os enviei, incansavelmente” (Jr 7,25).
Yhwh, Deus de Israel, manifesta sua solicitude constante para com seu povo “enviando” os seus servos, os profetas, mas o povo nem sempre os aceita: desde a saída do Egito e da constituição da Aliança o povo de Israel não obedece à voz do seu Deus! (Cf Jr 11,7-8). No discurso pronunciado no templo de Jerusalém, Jr lembra a solicitude divina de “enviar profetas” (7,25) mas logo em seguida lembra a situação do povo: “eles não me escutaram nem prestaram ouvidos, mas endureceram a sua cerviz e foram piores do que seus pais. Tu dirás a eles todas estas palavras, mas eles não te escutarão” (7,26-28). A tradição bíblica realça freqüentemente este desprezo da Palavra de Deus e da missão profética: o povo não quer ouvir a mensagem de Deus pregada pelos profetas (Ez 33,31-32).
Os próprios “enviados” têm a mesma dificuldade: Moisés exige sinais para dar credibilidade à sua missão (Ex 3,11ss.) tenta rejeitá-la (Ex 4,13) ou se queixa com amargura (Ex 5,22); Jeremias coloca objeções antes de aceitar (Jr 1,6), só Isaías se prontifica dizendo: “Eis-me aqui, envia-me” (Is 6,8).
Em termos gerais os profetas desempenham a missão de serem portadores da Palavra de Deus numa situação determinada, mas a partir do contexto da Aliança. Por isso quando o povo esquece a Aliança, Deus “envia” os profetas para que o povo lembre dos compromissos assumidos e mude o seu comportamento. Essa mudança de perspectiva chamada de “conversão” convida a olhar para o futuro de acordo com as promessas de Deus. O fato de Israel ser depositário das promessas de Deus se exprime através do conceito de eleição que é uma convicção constitutiva da fé de Israel.
O texto clássico que considera a eleição como ato gratuito de Deus e que exige reciprocidade da parte do povo é Dt 7,6-8 (VII-VI séc). Os profetas pré-exílicos conhecem a questão da eleição (Am 3,2) mas a criticam (Am 9,7) porque cria ilusões perigosas a respeito da salvação do povo.
O Dêutero-Isaías depois da catástrofe do exílio concentra a sua mensagem nesse tema e o amplia (Is 41,8-13). Ele vê a realização da eleição no fato de Yhwh ter reconduzido Israel “desde os confins da terra”. Os 2 títulos anteriormente aplicados ao rei: “Servo e eleito” (cf Sl 105,6; 78,70; 89,4; 2Sm 7,5) agora o Dt-Is os aplica ao povo inteiro (Is 42,1) indicando que a eleição não pode ser separada de missão no mundo. Israel diante das nações é testemunha de Yhwh e tem a missão de torná-lo conhecido como Deus único (43,10.12;44,8).

2.1.3. Israel e as nações
Segundo o AT o mundo se divide em 2 partes: de um lado está Israel, o povo de Deus, e do outro estão as nações (Dt 32,8-9). Não ignora porém, o parentesco com outros povos vizinhos: Ismael (Gn 16); Madian (Gn 25,1-6) Moab e Ammon (Gn 19,30-38) Arameus (Gn 29,1-14) Edom (Gn 36). Sob o ponto de vista da eleição, as nações representam para Israel uma contínua ameaça política e religiosa.
Ameaça política
Israel quase sempre está envolvido nas turbulências dos povos que se enfrentam por questões de prestígio ou pela posse da terra: egípcios, cananeus, madianitas, filisteus etc. com o resultado de ter hostilidades com os pequenos reinos vizinhos e a submissão às grandes potências internacionais (Egito Assíria, Babilônia). O período da monarquia está repleto desses conflitos sangrentos em que os elementos políticos e religiosos se misturam. Nesse sentido a relação de Israel com os outros povos se situa no plano de hostilidade.
Ameaça religiosa.
Diante do povo de Deus os outros povos representam também a “idolatria” que seduz e tiraniza. Israel lembra que seus ancestrais eram idólatras (Js 24,2) e sofre a mesma tentação ao longo da história. Freqüentemente se entrega aos deuses cananeus (Jz 2,11s), o rei Salomão construtor do templo constrói também santuários para os deuses nacionais dos países vizinhos (1Rs 11,5-8). Durante o período da monarquia os cultos da Assíria são acrescentados aos cultos cananeus (2Rs 16,10-18; 21,3-7; Ez 8). Na época dos Macabeus surge a sedução do prestígio e da cultura grega, que Antíoco IV tenta impor a todos (1Mac 1,43-61). Nessa perspectiva as prescrições severas de Dt 7,1-8 querem alertar Israel: deve separar-se radicalmente das nações estrangeiras para não se contaminar. Aliás além disso revela também uma atitude violenta e agressiva: demolir altares, despedaçar suas estelas, cortar seus postes sagrados, queimar seus ídolos (Dt 7,5).
O plano de Deus para as nações não se reduz a esta posição de hostilidade e de agressividade. Israel sabe que Yhwh é um Deus universal, pois todos os povos dependem dele: “foi ele que fez os Filisteus subirem de Cáftor, os Arameus de Quir, como fez Israel subir do Egito” (Am 9,7). Isso exclui
qualquer pretensão de nacionalismo religioso. Israel lembra também que os valores humanos das nações não devem ser menosprezados, pois são dons de Deus: entrando na terra de Canaan se beneficiou de sua civilização (Dt 6,10s) e em cada época é influenciado positivamente pelas culturas internacionais (1Rs 5,9-14; 7,13s).
As nações em geral continuam à margem, a não ser quando ocasionalmente praticam um culto agradável a Deus: Melquisedeq (Gn 14,18ss) Jetro (Ex 18,12) Naaman (2Rs 5,17). Outros personagens se integram no povo de Israel: Tamar (Gn 38) Raab (Js 6,25) Rute (Rt 1,16) os gabaonitas (Js 9,19-27) os estrangeiros residentes que se fazem circuncidar (Ex 12,48s; Nm 15,14ss). Estes são sinais da tendência universalista.

2.1.4. A mensagem universal do AT
A salvação não é uma realidade exclusiva de Israel, mas a respeito das nações ela é uma realidade futura. Por isso elas virão a Jerusalém para aprenderem a Torah de Yhwh indicando o “retorno” à paz universal (Is 2,2-4). As nações se voltarão para o Deus vivo (Is 45,14-17.20-25) e participarão do seu culto (Is 60,1-16; Zac 14,16). Egito e Assíria se converterão e Israel servirá de elo de ligação (Is 19,16-25). Pondo fim à dispersão de babel, Yhwh reunirá em torno de si todos os povos e todas as línguas (Is 66,18-21) Todos os povos reconhecerão a sua soberania unindo-se ao povo de Abraão (Sl 47) e todos chamarão a Sião de “mãe” (Sl 87,5). O Servo, segundo esta perspectiva desempenha uma função de mediador (Is 42,4.6). Assim no último dia deve existir um único povo de Deus. Se a Torah dá a Israel uma conotação exclusivista, a escatologia profética abre as portas ao universalismo.
Depois do exílio há uma alternância entre 2 tendências. A 1a leva ao fechamento porque no passado o contato com outros cultos causou muitos problemas. Esta é uma razão que explica o clima de intenso nacionalismo da restauração judaica no tempo de Esdras e Neemias (Esd.9-10; Ne 10; 13). É a leitura da “eleição” como privilégio.
A 2a tendência leva à abertura aos pagãos: censura o nacionalismo religioso exagerado do livro de Jonas; concede um estatuto oficial aos estrangeiros que querem se unir a Israel (Is 56,1-8); e enfim o judaismo alexandrino toma a iniciativa de traduzir a Bíblia para o grego e toma consciência de ser “povo testemunha” no meio das nações (Sb 13-15). É a leitura da “eleição” como missão.
Dentro dessa visão geral é preciso descobrir se existe no AT uma perspectiva missionária propriamente dita. O AT tem a convicção de que Israel tem uma missão a cumprir em favor de toda a humanidade?
Para responder a essa questão geralmente quem é chamado em causa é o Deutero-Isaías.
Ora a mensagem de consolação desse profeta é dirigida a seus “irmãos” deportados e o centro de sua pregação é o retorno do povo a Jerusalém!
Os povos pagãos desempenham só uma função marginal: devem inclinar-se diante de Yhwh e diante de Israel (42,28s). É importante notar que não há nenhuma tendência a converter as nações (49,13).
Aliás os motivos da atividade do profeta são outros:
- ele deve lutar contra a dúvida dos ‘seus’ e tem como único objetivo a libertação do povo de Yhwh;
- Deus quer a salvação dos exilados para manifestar a sua grandeza (49,26);
- o profeta manifesta tendências opostas: alguns oráculos visam à destruição dos inimigos (Is 47; 41,7) e outros mostram que os pagãos assistem à salvação de Israel, mas não participam, são só testemunhas da reabilitação do povo de Yhwh.
- para aceder ao Deus único, Etíopes e egípcios devem prostrar-se diante de Israel como “escravos” (Is 45,14).
Em resumo estes poucos traços revelam que o profeta está concentrado na salvação de Israel, os outros povos só interessam na medida em que ajudam a sua libertação, nada mais.
Os cantos do Servo (Is 42,1ss; 49,1ss) parecem apresentar um outro ponto de vista: o Servo é enviado às nações tendo a missão de fazer conhecer aos gentios o nome de Yhwh. Parece ter que evangelizar a humanidade inteira: graças a ele “luz das nações” a verdadeira fé seria pregada até às extremidades da terra. No entanto ele manifesta só o julgamento que Yhwh pronuncia em favor de Israel. As nações não recebem nenhum convite à conversão , simplesmente “assistem” ao julgamento divino (42,1). Além disso o servo recebe o título de “aliança de povo” (42,6; 49,8) mas nenhuma missão a cumprir. Mais uma vez ele tem a tarefa de fazer conhecer a obra de Yhwh em favor de Israel. A única coisa que as nações fazem é reverenciar a intervenção de Deus.
Em geral o AT não parece indicar que Yhwh tenha exigido do seu povo a missão de evangelizar o mundo. O Dt-Is, por sua vez, não fornece nenhuma indicação de que Israel tem a missão de pregar o nome de Yhwh até as extremidades da terra. O AT porém apresenta personagens e situações abertas à universalidade.

Gn 12,1-4a: Abraão é instrumento da “bênção” para o mundo. (NB: a dimensão universal do AT não é uma invenção tardia, mas está presente nos textos mais antigos) Através do patriarca Yhwh procura salvar toda a humanidade: a ‘bênção divina’ evidencia a função de Israel como “mediador” de salvação para “todas as famílias da terra”.

Ex 19,4-6: indica a situação de Israel diante de Yhwh (eleição = dom) e diante das nações (eleição = missão). O texto é tardio, mas reflete elementos de uma tradição mais antiga. A expressão “Vós sereis para mim um reino sacerdotal e uma nação santa” indica ao mesmo tempo a relação especial entre Yhwh e Israel e a relação entre Israel e as nações: ambas estão sob a soberania divina: “Toda a terra é minha” (v.5). Nesse contexto aparece claramente que Israel deve exercer entre as nações a mesma função que o sacerdote exerce no meio do seu povo. A “nação santa” deve santificar o nome de Yhwh diante do mundo: assim como o sacerdote representa Yhwh diante do povo, Israel representa a realeza de Yhwh diante dos povos.
É preciso lembrar que esse contexto é teologicamente muito significativo porque os conceitos de “eleição e aliança” não só definem a posição de Israel diante de Deus, mas definem também a sua missão: exigem serviço e obediência incondicional para a realização do plano de Deus.

Is 19,21-24: é também um texto tardio que evidencia a “reconciliação” de inimigos tradicionais: Egito e Assíria “servirão a Yhwh” (v 23). Vai chegar o tempo em que as potências inimigas se unirão em adoração diante de Yhwh e poderão gozar das suas bênçãos. Aqui Israel desempenha só a função secundária de ser elo de ligação entre os vizinhos extremos: a vereda que une Egito e Assíria passa pelo território de Israel. Nesse sentido ele pode ser “uma bênção no meio da terra” (v 24). A conclusão é clara: o Egito que para Israel lembra o tempo da escravidão, e a Assíria símbolo de orgulho e crueldade (cf Is 10,12;14,24-27), prestarão culto a Deus. Israel porém não tem nenhuma função ativa nisso tudo: é Yhwh quem conduz a história, e Israel só é testemunha.

Jn 4,1-11: Em sua atividade profética Jn anuncia unicamente a destruição de Nínive e como resultado de sua pregação há o fato de que os habitantes dessa grande cidade reconhecem o mal que fizeram, mas não aderem à fé em Yhwh. O conteúdo da pregação de Jn é a infinita compaixão divina (chave do trecho: 4,2b.11), e o autor insiste em mostrar que ela realmente não tem limites. Em outros termos, Yhwh tem direito de perdoar mesmo que o seu profeta/o seu povo não goste disso. No livro de Jn não aparece nem a conversão de Nínive à fé de Israel, nem uma missão de Israel para evangelizar os pagãos. Parece que o autor quer corrigir uma interpretação errada de eleição, para que Israel não se torne um obstáculo na relação entre Yhwh e as nações.

Is 2,2-4 : no tempo final acontecerá a reunião dos povos em Sião, o monte de Yhwh, eles virão para ouvir a Palavra de Deus. Quem toma a iniciativa de reunir as nações em Jerusalém é Yhwh. Sião só tem a missão de transmitir a Torah e fazer conhecer a Palavra de Yhwh. Em última análise o conteúdo central do texto anuncia a última revelação de Yhwh posta em paralelo com aquela do Sinai: como antigamente no monte Sinai Yhwh transmitiu a Torah ao povo mediante Moisés, assim nos últimos tempos no monte de Sião Yhwh vai transmitir a Torah às nações mediante o povo de Israel (cf outros textos que se situam na mesma linha: Is 25; 60; Ag 2; Zac 14).

Sumariamente é possível destacar três elementos:
1. Israel ocupa a posição de “testemunha” da soberania universal de Yhwh: antes da assembléia final das nações não há nenhuma pretensão e nenhuma tarefa de convertê-las.
2. Não é Israel que deve ir aos pagãos mas ao contrário são eles que se dirigem a Jerusalém, lá onde Yhwh se revela .
3. Os pagãos se encontram com Yhwh através da mediação de Israel reunido em Sião. Por meio de Israel Yhwh oferece a sua Torah/Palavra (= comunhão de vida) às nações.

A missão propriamente dita faz parte do último capítulo da história da salvação: cabe à Igreja (=comunidade escatológica) desempenhá-la a partir do testemunho do AT. A igreja não pode esquecer que é Deus quem convoca as nações através do seu povo. Somente a intervenção divina faz de Israel “luz das nações”.

2.2. A missão no Novo Testamento
É bom deixar claro desde o começo que o NT não apresenta uma visão uniforme da missão, mas cada escrito tem sua própria maneira de tratar a questão, de modo que é preciso tomar consciência de que estamos diante de uma variedade de enfoques, de modelos e de teologias da missão. Isso nos leva a considerar sumariamente a perspectiva de cada evangelista.

2.2.1. A missão em Paulo
O 1o aspecto que chama a atenção é a vocação de Paulo . O acontecimento de Damasco (At 9;22;26; Gl 1,11-17; 1Cor 9,1-2; 15,8-10) é fundamental para compreender e definir a sua missão. “Deus me enviou...para proclamá-lo entre os Gentios” (Gl 1,15s). Para expressar a sua vocação-missão Paulo si identifica com as figuras proféticas de Jeremias e do Dêutero-Isaías. Na experiência a caminho de Damasco ele descobre Jesus não só como Ressuscitado, mas como Soberano universal, que oferece a sua salvação a todos, judeus e pagãos. Esta convicção está na origem de sua missão.
A missão de Paulo é universal. Em Rm 1,1 ele se apresenta como “servo de Jesus Cristo / apóstolo escolhido para o Evangelho de Deus” e logo mais adiante afirma ser “devedor a gregos e a bárbaros...” (Rm 1,14); ele coloca o Evangelho no centro de toda a sua existência e de toda a sua atividade (Rm 1,16s). Nesse sentido ele se considera apóstolo entre judeus e gentios, mostrando que a sua missão depende totalmente da iniciativa divina. Segundo Paulo, a partir da Soberania divina: “não há mais distinção entre judeus e gentios, o mesmo Senhor é o Senhor de todos... (Rm 10,12; cf Gl 3,28; At 10,36). É este o “Evangelho” que ele anuncia em sua atividade missionária: a graça de Deus é a fonte/fundamento da missão.
O texto de 2Cor 5,14-21 apresenta a missão como ministério de reconciliação. Algumas expressões podem iluminar o modo de Paulo entender a missão. Em 1o lugar realça a importância da morte e da ressurreição de Jesus: ele morreu e ressuscitou por todos. Nisso ele encontra o mais profundo motivo da missão, pois é a experiência do amor de Cristo que o impulsiona a anunciar o Evangelho (vv.14-15). Em 2o lugar mostra como isso o transformou em “embaixador de Cristo” ou “ministro da reconciliação” (vv. 18-20). Em decorrência disso Paulo não tem uma autoridade e uma mensagem própria, tudo isso lhe foi entregue: o protagonista de tudo é Deus que age em Jesus Cristo.
Surge então a necessidade de anunciar o Evangelho (1Cor 9,16): “Anunciar o Evangelho...é uma necessidade que se me impõe: ai de mim se não evangelizar”. Livre em relação a todos, Paulo se faz servo de todos (v. 19) e se torna tudo para todos (v. 22) e tudo faz por causa do Evangelho (v. 23). Ele se dedica totalmente ao Evangelho indo ao encontro dos outros lá onde eles estão e respeitando o que eles são (judeus, pagãos, fracos) com a finalidade de “ganhá-los” ao Evangelho. É interessante notar o contraste entre “livre” e “servo” (v.19): se ele sendo livre se faz servo é porque tem como modelo o próprio Cristo (9,21: está sob a “Lei de Cristo”). Por trás disso ele deixa transparecer que na base do seu modo de agir está o “amor de Deus”. Na exortação aos Gálatas ele se expressa de maneira semelhante: “Carregai o peso uns dos outros e assim cumprireis a Lei de Cristo” (Gl 6,2;cf Rm 13,8). Para Paulo o Evangelho de Jesus é destinado a todos indistintamente e pode ser proclamado com eficácia sem se impor a ninguém. Dessa forma Paulo não paganiza os judeus nem judaíza os pagãos, mas leva a ambos ao encontro com Cristo.
Entretanto Paulo está bem consciente de que diante de sua pregação pode haver rejeição. Para evitar que o Evangelho seja confundido com uma ideologia ou seja considerado como simples propaganda religiosa, toma as devidas distâncias do judaismo e do paganismo, porque os primeiros “pedem sinais” e os pagãos “buscam sabedoria” (1Cor 1,22-24): os dois nesse sentido não passam de auto-suficiência humana. Com efeito, para o egocentrismo religioso judaico o Crucificado é escândalo, e para o egocentrismo intelectual grego é realmente uma loucura. Entretanto Paulo anuncia que Deus tomou a iniciativa de se revelar através da cruz do seu Filho.
O conteúdo essencial da missão de Paulo é o mesmo que recebeu da tradição das primeiras testemunhas: Jesus morto e ressuscitado (1Cor 15,1-5). Ele fala porém do “seu evangelho” (Rm 2,16; 2Cor 4,3) para desvincular o anúncio cristão do condicionamento judaico, não no sentido de abolir todas as diferenças (culturais, sociais e antropológicas: Gl 3,28), mas no sentido de indicar que elas não determinam mais o sentido e o destino da vida cristã. Deus não discrimina ninguém e trata todo mundo com absoluta imparcialidade (cf At 10,34-35). Paulo faz questão de evidenciar que está em jogo a “verdade do Evangelho” (Gl 2,14), e os Gálatas, ameaçados pela atividade dos judaizantes são repreendidos por terem passado depressa a um outro evangelho (Gl 1,6-8).
O livro dos Atos pode dar a impressão de que Paulo seja quase exclusivamente um pregador itinerante, mas levando em conta também as informações das cartas paulinas, ele não só funda mas também acompanha o crescimento cristão das comunidades. Como método missionário ele escolhe os grandes centros urbanos onde se desenvolve a cultura, o comércio, a religião, e onde se formam as opiniões e as filosofias. Nesses centros Paulo funda comunidades cristãs, e dentro delas suscita as lideranças de modo que o Evangelho se irradie pelas redondezas alcançando os povoados vizinhos. A partir dos centros de Corinto e de Éfeso funda as comunidades de Cencréia (Rm 16,1-2) e aquelas de Colossos e de Laodicéia no vale do Lico (Col 1,7; 4,16).
A missão de Paulo é abrangente e quer alcançar a todos. Para não criar problemas aos outros ele faz questão de trabalhar com as próprias mãos (1Cor 4,12; 1Ts 2,9); prega antes de tudo nas sinagogas dos centros urbanos onde não encontra somente os judeus da diáspora, mas também muitos pagãos simpatizantes do judaismo, mas anuncia também nas casas de Lídia em Filipos, e de Jasão em Tessalônica, na casa de Áquila e Priscila (1Cor 14,19) e de Tício Justo e Gaio em Corinto (At 18,7). Nisso ele encontra um ponto de apoio para a difusão da mensagem cristã,mas leva adiante a sua missão inclusive no lugar de trabalho (1Ts 2,9.11). Cerca-se de muitos colaboradores organizando o seu trabalho de forma articulada e eficiente: há um grupo de colaboradores mais próximo (Barnabé, Silas e Timóteo) um outro grupo goza de mais autonomia (Áquila e Priscila, Tito) e outros representantes das várias comunidades. No caso da grande coleta para os pobres de Jerusalém, incentiva as suas comunidades para que sejam solidárias e manifestem concretamente a unidade da igreja (Rm 15,25-28; 1Cor 16,1-4; 2Cor 1,16; 8-9;Gl 2,10).

2.2.2. A missão nos Atos dos Apóstolos
O livro dos At pode ser entendido como o itinerário da experiência missionária que leva a mensagem cristã da Palestina, província periférica do império, até Roma, o seu centro. As cartas de Paulo mostram o nascimento, a formação e o desenvolvimento das comunidades que são fruto do anúncio evangélico. De forma sintética assinalamos só alguns aspectos significativos que nos At marcam o itinerário da missão: a força da Palavra e do Espírito, o Testemunho e a abertura universal.

A fonte da missão
Quando Lucas escreve o livro dos At nos grandes centros urbanos do império já existem grupos ou comunidades cristãs. Para poder reconstruir sua difusão ele realça 3 elementos importantes:
a) A iniciativa divina é a fonte da expansão do movimento cristão;
b) Ela se manifesta especialmente nos momentos cruciais da história: no início os Apóstolos recebem solenemente a ‘missão’; no centro acontece a passagem do mundo judaico ao mundo pagão, e no fim o desenvolvimento da missão de Paulo tem como meta Roma, o centro do império.
c) O ‘Programa’ a ser desenvolvido é anunciado em At 1,8: “Mas recebereis a força do Espírito Santo que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judéia e Samaria e até as extremidades da terra”. Estas Palavras de Jesus antes da Ascensão serão confirmadas pelo Espírito Santo no dia de Pentecostes, dessa forma os Apóstolos recebem a habilitação e a missão de anunciar o Evangelho a todos os povos. Para Paulo não é diferente, pois na origem da sua missão está a iniciativa gratuita de Jesus ressuscitado e lhe entrega a tarefa de ser ‘ servo e testemunha’ (26,16).
Deus é o verdadeiro protagonista da missão, é a fonte que sustenta e acompanha o caminho de seus apóstolos, e que habilita Paulo para a missão universal (9,3-6.15; 22,6-10.14-15; 26,12-18).
Também no caso da 1a missão oficial na diáspora judaica, em Antioquia fora da Palestina, a iniciativa é do Espírito Santo que escolhe Barnabé e Paulo (13,2).
No episódio de Cornélio, a presença divina atua em profundidade na vida dos personagens envolvidos. O testemunho gratuito do Espírito provoca uma ‘conversão’ também em Pedro que deve abandonar certas ‘amarras’ que o prendem à religião judaica para poder encontrar “humanamente” o pagão Cornélio (10,44-47). Esta nova realidade deverá ser reconhecida publicamente pela igreja de Jerusalém: “Também aos pagãos Deus concedeu a conversão para a vida” (11,18; cfr. 15,8). A reviravolta histórica que produz a passagem da missão cristã do mundo judaico ao mundo pagão é atribuída unicamente à iniciativa de Deus.
Assim Paulo e Barnabé voltando da 1a atividade missionária relatam à comunidade de Antioquia e àquela de Jerusalém “tudo aquilo que Deus tinha feito com eles abrindo aos pagãos a porta da fé” (14,27; 15,12). Lucas mostra que todos os ‘protagonistas’ da missão atuam segundo um projeto guiado pela iniciativa divina. A difusão do cristianismo primitivo é fruto da resposta pronta e generosa dos que foram enviados por Jesus ressuscitado, os quais atuam sob o impulso do Espírito Santo.

Os protagonistas da missão
Lucas prioriza a iniciativa divina, mas realça também os protagonistas da missão. Na 1a parte dos At, Lucas dá grande destaque a Pedro e na 2a parte dá destaque a Paulo.
Pedro atua no ambiente judaico de Jerusalém e da Judéia e presença de João ao seu lado confirma e reconhece a sua autoridade de representante dos Doze. Trata-se de uma responsabilidade eclesial que deve ser exercida em sintonia com a comunidade em que residem os outros apóstolos (8,14; 11,1-2).
O grupo dos “Sete” também possui seus representantes na figura de Estêvão e de Filipe. Depois da morte de Estêvão, Filipe evangeliza a Samaria, a costa ao longo do Mediterrâneo até se estabelecer em Cesaréia, onde anima uma comunidade contando com a ajuda de suas 4 filhas “profetisas” (21,8-9). É claro que Filipe não tem a envergadura nem de Pedro, nem de Paulo, mas Lucas não quer deixar cair no esquecimento este missionário de segundo plano, e lhe atribui o título de “evangelista” (21,8).
Cristãos Helenistas e que atuam de forma anônima, percorrem as cidades da Fenícia e anunciam o Evangelho aos pagãos de Antioquia (11,19-21). Também esta experiência missionária iniciada casualmente recebe o reconhecimento da igreja de Jerusalém mediante o envio de Barnabé como delegado oficial (11,22). Barnabé é um cristão da ‘1a hora’ que recebe a função de ser animador da comunidade cristã de Antioquia, e em seguida juntamente com Paulo se torna protagonista da 1a atividade missionária da diáspora.
A partir desse momento surgem outros colaboradores: basta mencionar João Marcos, cristão de Jerusalém, filho de Maria que hospeda em sua casa um grupo de cristãos; Silas também de Jerusalém, Timóteo de Listra (15,37-40; 16,1-3). Além do mais, Paulo encontra novos colaboradores nas comunidades que ele funda. Lucas admira principalmente Paulo que numa década consegue criar uma rede de comunidades cristãs nos principais centros urbanos do império.

Os destinatários da missão
No início dos At fica estabelecido o itinerário da missão: de Jerusalém até as extremidades da terra (1,8). A abertura universal aparece logo no discurso de Pedro ao citar Joel 3,5: “Quem invocar o nome do Senhor será salvo” (2,21), seguindo a perspectiva de dirigir o anúncio antes aos judeus e depois aos pagãos (3,25-26; 13,26.32-33). O mesmo acontece em 18,6 quando Paulo entra em choque com a oposição dos judeus da sinagoga. Na parte final dos At uma citação de Isaías (40,5) confirma e define o horizonte universal da mensagem cristã: “Foi enviada aos gentios esta salvação de Deus, e eles a ouvirão” (28,28).
O fato de o anúncio cristão passar do mundo judaico ao mundo pagão, depende unicamente do projeto divino. Antes de tudo ele se dirige ao ambiente judaico de Jerusalém, e logo alcança o território da Judéia e da Samaria; em seguida ultrapassa a mentalidade e o território judaico com a acolhida do pagão Cornélio na igreja; e só depois deste episódio os Helenistas se dirigem aos pagãos de Antioquia, onde Paulo e Barnabé vão iniciar as grandes viagens missionárias no mundo grego.
Segundo esta trajetória a afirmação de Pedro no seu discurso em Cesaréia ocupa realmente um lugar central: “Na verdade estou me dando conta de que Deus não é parcial, mas em toda nação, quem o teme e pratica a justiça lhe é aceito” (10,34).
Na base de tudo está o Ressuscitado, o Senhor de todos (10,36); é ele que provoca a superação das barreiras nacionais judaicas. É a fé nele que dá novo alento à missão que tem sua referência principal na missão histórica de Jesus de Nazaré. Muitos gestos de Jesus realizados em sua atividade pública são lembrados para que os discípulos sejam responsáveis de uma missão cada vez mais universal (Lc. 13,29-30; 11,29-32).
Um outro fator de superação é a experiência da diáspora judaica que tem na sinagoga o seu centro religioso e cultural. De fato em torno das sinagogas se cria um ambiente de simpatia que leva muitos pagãos à ‘conversão’. Os primeiros destinatários do anúncio cristão fora do judaísmo são os pagãos simpatizantes que freqüentam a sinagoga. Desta forma a experiência da diáspora e o relativo ambiente sinagogal oferecem ao anúncio cristão o ambiente propício para a sua difusão no império romano.

A finalidade e o método missionário
A finalidade de toda atividade missionária encontra a sua expressão mais clara e profunda nas palavras que Jesus dirige a Paulo: “Este é o motivo por que te apareci: para constituir-te servo e testemunha da visão na qual me viste e daquelas nas quais ainda te aparecerei. Eu te livrarei do povo e das nações gentias às quais eu te envio para lhes abrires os olhos e assim se converterem das trevas à luz e da autoridade de satanás para Deus. De tal modo receberão, pela fé em mim, a remissão dos pecados e a herança entre os santificados” (26,16-18). Aqui consiste em anunciar a salvação entendida como passagem das trevas à luz, da idolatria à fé, do poder de Satanás à soberania de Deus. Pela fé em Jesus se obtém a remissão dos pecados e a herança eterna.
O método missionário apresentado por Lc é o seguinte: antes de tudo o anúncio da Palavra parte dos fatos e das expectativas das pessoas, em seguida interpreta estes fatos à luz do “evento – Jesus” situado dentro do horizonte das promessas proféticas, e termina com o convite tomar uma decisão concreta de fé e de conversão. Tudo isso ajuda a construir uma comunidade que seja estável e sólida em sua adesão de fé. Este método missionário se revela eficaz porque cria uma sintonia com as expectativas e os problemas das pessoas e do ambiente de modo que a proposta da mensagem cristã dá um novo significado à vida humana. Nesse sentido o estilo de vida dos missionários e das comunidades se caracteriza como “caminho” (9,2; 16,17; 19,9.23; 24,22). O encontro com as pessoas, a solidariedade e o diálogo, formam a trama do itinerário missionário mediante o qual a Palavra de Deus sob o impulso do Espírito dá sentido às expectativas salvíficas e oferece uma nova esperança a todos os homens.

2.2.3. A missão no evangelho de Mateus

Introdução
Com muita probabilidade os destinatários de Mt são prevalentemente de origem judeu-cristã pelos seguintes motivos:
1. Mt insiste a respeito do cumprimento das Escrituras;
2. Jesus é apresentado como “novo Moisés” sendo portanto fiel à Lei mosaica;
3. Mt omite a explicação de usos e costumes judaicos;
4. as discussões entre Jesus e seus adversários estão baseadas em modelos rabínicos.
Entretanto é possível notar uma tensão constante na comunidade de Mt. Existe uma preocupação interna: a atividade de Jesus e de seus discípulos se limita a Israel; sublinha a validade da Lei mosaica e a necessidade da justiça, o cumprimento das promessas messiânicas,etc. Ao lado dessa preocupação existe também uma exigência de abertura aos gentios, para superar as barreiras culturais e religiosas do judaismo: reivindica a autenticidade da herança judaica em contraste com o judaismo farisaico, de maneira muito dura.

Dentro desse horizonte complexo e diversificado é possível notar também uma dupla visão do processo da história da salvação que pode iluminar a questão da missão.

1. Antes de tudo Mt apresenta o tempo da Lei e dos profetas culminando em Jesus que proclama e inaugura o Reino de Deus. Desde o começo, Mt assinala o cumprimento das antigas profecias (1,22s; 2,5s; 2,15.17-18.23) mas deixa claro que o ministério de João Batista marca a transição definitiva entre AT e a pessoa de Jesus (cf 11,12-13). Além disso o início da atividade de Jesus anunciando o Reino (4,7) cumpre as Escrituras (4,14-16) e mostra que o Reino está em ação (11,2-6; 12,28). Sob este mesmo ponto de vista, a série de 10 milagres (cap 8-9) tem a função de mostrar que Jesus cumpre concretamente a sua missão messiânica. No entanto o desfecho da atividade de Jesus, a morte – ressurreição, está marcado por sinais escatológicos que acompanham o evento: o terremoto é sinal do julgamento divino (cf Am 8,9; Jl 3,16 : “o dia de Yhwh”) e a abertura dos túmulos e a ressurreição dos “justos” do AT é sinal da era escatológica (Ez 37,11-14; Is 26,19; Dn 12,2). Em resumo: assim como no AT os profetas cumpriam a missão tendo como destinatário o povo de Israel, também Jesus realiza as promessas proféticas cumprindo a sua missão de proclamar e inaugurar o Reino no horizonte do povo de Israel.

2. Mt apresenta o tempo da pregação messiânica da Igreja na perspectiva da plenitude do Reino. É verdade que os sinais apontam para era escatológica, mas o fim ainda não veio, ele virá quando “o Filho do Homem vier em sua glória” (16,27-28; 25,31). Antes disso existe o tempo da pregação messiânica, a qual deve enfrentar muitas dificuldades: falsos messias. conflitos e guerras, calamidades naturais, perseguições, desistências, etc. Durante esse tempo “a boa nova do Reino será proclamada a todas as nações, e então chegará o fim” (24,4-14). Além do mais esta perspectiva está presente em 4 parábolas exclusivas de Mt: a parábola do trigo e do joio (13,24-30.37-43), da rede (13,47-50) das virgens sábias e insensatas (25,1-13) e das ovelhas e cabritos (25,31-46). No tempo da pregação da Igreja, a missão de Jesus continua através dos seus discípulos, mas se destina a todas as nações, até quando vier o Reino definitivo.

A missão de Jesus
Uma das preocupações de Mt é estabelecer um elo de ligação entre a pregação profética do AT e a missão de Jesus. Só ele cita explicitamente o AT mediante a ‘fórmula de cumprimento’ (11 vezes); mostra que João Batista é ‘o último e maior’ dos profetas (11,9-13) na qualidade de arauto que ‘prepara o caminho do Senhor’ (3,3;11,10; cf Mc 1,2-3; Lc 3,4-6; 7,27). Como na missão profética, quem envia é o Pai: ele precisa de ‘operários’ (9,37-38) para ‘enviá-los’ em missão: João B.(11,10) Jesus (10,40), profetas (23,37). Naturalmente o enviado por excelência é Jesus. É interessante notar que desde o início do Evangelho (1,1), Mt apresenta 3 títulos significativos que estão diretamente ligados à missão:
1. Jesus (= Yhwh salva) Cristo (= ungido): os 2 nomes se relacionam com a missão, com efeito 1,21 afirma: Ele (Jesus) salvará o seu povo; e 11,2-3 define Cristo como aquele que deve vir. Para os leitores de Mt o “ungido” /Messias – Cristo, é um enviado de Deus para cumprir as promessas.
2. Filho de Davi: mostra não somente a descendência (cf 1,20: José) mas a missão. De fato no episódio da entrada em Jerusalém Jesus por 2 vezes é invocado como “Filho de Davi” (21,0.15) a partir do pano de fundo de Is 62,11 e Zac 9,9: textos que frisam claramente a dimensão da realeza: Jesus é então o “rei” que tem a missão de manifestar o Reino.
3. Filho de Abraão: só aqui esse título é aplicado a Jesus, e lembra Gn 12,1-4 quando Abraão é chamado para se tornar “pai de Israel” (3,8-9) e para ser uma bênção para todas as famílias da terra. Em Jesus o povo de Israel e as nações encontram um ponto essencial de convergência.

Evidentemente outros títulos podem apresentar as mesmas características (Emanuel:1,23; Servo:12,15) ou revelar a identidade de Jesus (Senhor:7,21s;8,21; etc) ou mostrar o relacionamento com o Pai (3,17; 4,3; etc.; no total 9 vezes como em Jo).
A missão de Jesus consiste em “salvar o seu povo dos seus pecados” (1,21): perdoa os pecados porque veio chamar os pecadores (9,1-9.13). A expressão “seu povo” indica o destinatário de sua missão: trata-se de Israel, pois 10,5-6 e 15,24 confirmam essa indicação,mas não pode ser entendida de forma exclusiva. Tanto é verdade que a menção de 4 mulheres na genealogia (1,3-6) assinala que o “o seu povo” inclui pessoas que não pertencem ao povo judeu (cf Raab e Rute). A narração da visita dos Magos (2,1-12) evidencia o contraste entre a acolhida dos pagãos e a hostilidade dos líderes judeus. Ao longo do evangelho o horizonte se amplia, pois Jesus mostra “compaixão” pelos excluídos e liberta e cura os mais necessitados, sejam eles judeus ou pagãos (8,5-13.28-34).
Sumariamente, a missão de Jesus consiste em ensinar nas suas sinagogas; proclamar o evangelho do reino; curar todo tipo de doença (4,23; 9,35), cujo resultado é a inauguração da Nova Aliança do reino para a remissão dos pecados (cf as parábolas do reino: 13,14-50). A narração da última Ceia de Mt é a única que inclui a expressão “pelo perdão dos pecados” (26,28).

A missão dos discípulos
A parte final de Mt apresenta Jesus ressuscitado, revestido de toda autoridade que envia seus discípulos. Mt 28,16-20 é um texto que pertence à redação do evangelista, o qual quer fundamentar a sua mensagem a partir de modelos bíblicos conhecidos pela sua comunidade.
a) Mt provavelmente se inspira no “decreto de Ciro rei da Pérsia” (2Cron 36,23). Isso não deixa de ter sentido porque Mt inicia o seu evangelho falando de “origem” (1,1) e o conclui se referindo ao último versículo da Bíblia hebraica: dessa forma ele indica que a história de Jesus leva ao cumprimento toda a história do povo de Deus.
b) Nessa última parte do evangelho estão concentrados os grandes temas apresentados anteriormente. Diante da tensão entre cristãos de origem judaica que querem se dirigir unicamente às “ovelhas perdidas da casa de Israel” e os outros de horizontes mais abertos, a solução proposta pode ser esta: fazer discípulos todos os povos (sem distinção); introduzi-los na comunidade mediante o batismo; ensinando-lhes tudo o que Jesus ensinou (vv. 19-20): este seria o programa da missão da igreja.

Os discípulos recebem esta missão, porque para isso foram chamados desde o começo (4,19). Nessa perspectiva Mt apresenta 5 discursos em que Jesus dá a seus discípulos as instruções necessárias: o sermão da montanha (5,1-7,29); o discurso missionário (10,1-11,1); o discurso em parábolas (13,1-53);o discurso comunitário (18,1-19,2); discurso escatológico (24,4-25,46). Todo esse ensinamento de Jesus tem como ponto central o Reino, e tem como finalidade à preparação para a missão, por isso Jesus entrega as “chaves do reino” a Pedro, representante de todos os discípulos (16,17-19)
Sumariamente, a missão dos discípulos pode ser caracterizada pelas 4 condições oferecidas na parte final do sermão da montanha: 1. entrar pela porta estreita (7,13-14); 2. produzir bons frutos (7,15-20); 3. cumprir a vontade do Pai (7,21-23); 4. por em prática as palavras de Jesus (7,24-27).
Todavia a expressão “Fazei discípulas todas as nações” (28,19) é exclusiva de Mt (Ocorre só 4 vezes no NT: Mt 13,52; 27,57; 28,19; At 14,21). A imagem do Mestre que ensina os seus discípulos, freqüentemente usada ao longo do evangelho, quer evidenciar a continuidade entre a missão de Jesus e a missão dos discípulos. Em torno desse único imperativo aparecem outros três compromissos:
1. “andando”: indica a condição de itinerância que Jesus já apresentou no discurso missionário (10,1-42);
2. “batizando”: esta atividade estava limitada à figura de João Batista. Agora o batismo em nome da Trindade tem a função de introduzir os novos adeptos na comunidade cristã;
3. “ensinando”: atividade decorrente da missão de Jesus, tem como conteúdo a sua Palavra “para cumprir tudo aquilo que vos ordenei”. Trata-se de ensinar os outros a como serem membros da comunidade do Reino.

Enfim a missão tem um alcance universal (todas as nações) e evoca o começo do evangelho onde a mesma perspectiva está presente em Jesus chamado de “filho de Abraão” (1,1), na genealogia (1,3-6) onde há pessoas que não pertencem ao judaismo, e nos Magos, pagãos que visitam o Messias (2,1-12). Além disso a expressão “fim do mundo” (ocorre só 5 vezes: 13,39.40.49; 24,3; 28,20) indica que a missão dos discípulos continua até a vinda definitiva do Reino. Na mesma direção vai a promessa “estarei convosco” que evoca o título “Emanuel” (1,23), e o termo “Galiléia” (28,16) que lembra o início do ministério de Jesus (4,15: Galiléia dos gentios!)
Em resumo a missão de Jesus terminou, mas ele continua presente naquela dos discípulos.

2.2.4. A missão no evangelho de Marcos

Introdução
Há dois temas que perpassam o evangelho de Mc e o seu ensinamento sobre a missão: a perseguição e o sofrimento de Jesus repercutem na vida dos discípulos. Pelo fato de Jesus pensar e agir “segundo Deus” (8,31-33) e de fazer a vontade de Deus (14,35s), ele sofre nas mãos das autoridades políticas e religiosas, e avisa os discípulos que eles terão que enfrentar dificuldades semelhantes. A identidade do discípulo comporta renúncias, carregar a cruz e seguir o Mestre pelo mesmo caminho (8,34). Mc deixa bem claro que se Jesus enfrentou muitas dificuldades assim vai ser para os seus seguidores: na instrução depois do 2o anúncio da paixão (9,30-31) afirma claramente que “todos serão temperados no fogo” (9,49).
Mais adiante no discurso escatológico, Jesus adverte os discípulos de que as perseguições, as pressões da parte de membros da própria família e de autoridades políticas e religiosas, não vão faltar em sua atividade missionária (13,5-13). É no desempenho dessa missão que eles precisam de coragem, pois “É necessário que o Evangelho seja proclamado a todas as nações” (13,10).
Provavelmente Mc escreveu o evangelho num contexto marcado pela perseguição e pelo sofrimento.
Todavia, para superar as dificuldades diante de um ambiente repleto de hostilidades Mc apresenta à sua comunidade a figura de Jesus como “servo” que se submete livremente à vontade de Deus (14,35-36) e que dá a vida em “resgate por muitos” (10,45). Do outro lado o evangelista não tem medo de apresentar as falhas dos discípulos. “A semente que cai entre as pedras” indica aqueles que não agüentam as provas e desistem durante as perseguições (4,16-17); freqüentemente Mc frisa a incompreensão dos discípulos (8,14-21) e a incapacidade de encarar o caminho da paixão (8,31-33). Na hora da prova eles falham e fogem (14,50) ou negam (14,66-72: Pedro). Mesmo diante dessas falhas Jesus não os abandona, aliás no contexto da paixão anuncia um tempo para recompor o grupo disperso (14,27-28). Depois da Ressurreição os discípulos terão que ser testemunhas, mas sempre num ambiente hostil (10,39; 13,9-13). Mc mostra que os discípulos podem sofrer a tentação de desistir, podem falhar e realmente falham, mas apesar de tudo continuam sendo seguidores de Jesus. Talvez ele queira advertir aqueles que buscam recompensas e conforto na comunidade cristã, deixando bem claro que o caminho do discípulo é bem mais árduo do que se imagina.

O ensino missionário de Marcos
Para indicar a missão Mc lembra várias figuras de “enviados” por Deus:
- João Batista é enviado por Deus para preparar a vinda do Messias (1,2-3; cf 11,32 em que o povo o considera um ‘profeta’);
2. A parábola dos vinhateiros apresenta os profetas como servos enviados por Deus (12,2-5).
- O Filho amado (12,6-11).
- Jesus mesmo se apresenta como enviado de Deus (9,37) para pregar (1,38), chamar os pecadores (2,17), dar a vida em resgate por muitos (10,45); ele chama os discípulos para que fiquem com ele, mas também os envia como seus apóstolos (3,14; 6,7.30). A partir de sua condição de Mestre Jesus os autoriza a pregar e lhes comunica o poder sobre doenças e espíritos impuros (3,14-15; 6,7-13), isto é os habilita para serem pescadores de homens (1,17).
Muitos desses aspectos estão presentes nos outros evangelhos sinóticos, porém, Mc parece enfatizar alguns elementos específicos.

1. A pregação na Galiléia ocupa um lugar importante em Mc. A proclamação do evangelho é quase exclusivamente reservada a esta região habitada por uma população mista. Trata-se de um elemento que desde o começo apresenta a universalidade do evangelho: observando a atividade de Jesus à beira do lago da Galiléia, é possível notar que ela inclui judeus e pagãos. Isso já é uma antecipação de que também a missão da igreja deve tomar o mesmo rumo. A missão na “outra margem” do lago começa com a narração da tempestade (4,35-41) e continua em território pagão onde Jesus cura o endemoninhado de Gerasa (5,1-20).
É interessante notar que este homem quer “ficar com Jesus” do mesmo jeito que os discípulos (3,14), mas recebe uma missão diferente: “Vai para a tua casa e aos teus, e anuncia-lhes tudo o que fez por ti o Senhor na sua misericórdia” (5,19). O ex-endemoninhado se torna o 1o missionário aos pagãos. A Galiléia como sinal de universalidade reaparece na parte final do evangelho, quando Jesus durante o caminho da paixão anuncia aos discípulos que depois da ressurreição os “precederá na Galiléia” (14,28; 16,7). Lá inicia a pregação de Jesus e o 1o encontro com os discípulos; lá inicia também a missão universal da igreja.

2. O caminho da cruz revela a identidade dos discípulos. A missão dos discípulos (pregar o evangelho, expulsar demônios, curar doentes, ensinar e servir) tem sua origem naquela de Jesus, a qual não pode ser separada do seu destino na cruz. O caminho da cruz serve como paradigma para todos os seguidores. Na parte central do evangelho, Mc apresenta o ensinamento de Jesus aos discípulos logo após os 3 anúncios da paixão, morte e ressurreição (8,31-33; 9,30-31;10,32-34). Isso significa que seguir um Messias que morre na cruz, comporta renúncia, sofrimento e serviço. Em outros termos cumprir a missão recebida de Jesus, significa segui-lo e compartilhar com ele o mesmo destino. É importante notar que para percorrer o caminho da cruz, é preciso “deixar” algo: Pedro e André deixam as redes (1,18) Tiago e João deixam também os servos e o pai (1,20) Levi deixa o lugar de trabalho (2,14) Bartimeu deixa o manto (10,50s). Efetivamente os discípulos que “deixam tudo e seguem a Jesus” (10,28), recebem o cêntuplo desde já, mas com perseguições (10,30).

3. A pregação do evangelho às nações é outro grande destaque (13,10). O discurso escatológico apresenta a missão universal dos discípulos entre a ressurreição de Jesus e a vinda definitiva do Filho do Homem. Trata-se de um tempo caracterizado pela proclamação e pelo testemunho, mas é um tempo de grandes turbulências: guerras e tumultos, terremotos, fome e muito sofrimento (13,7-8), processos e açoites (13,9) grandes tribulações (13,9-20). Nesse contexto é necessário (expressão que indica o cumprimento do projeto de Deus) pregar o evangelho às nações, testemunhá-lo diante de tribunais políticos e religiosos, governadores e reis. Esta perspectiva da missão aos pagãos foi preparada ao longo do evangelho. Geralmente em sua atividade Jesus se dirige ao povo de Israel (7,27) todavia, como foi acenado acima, penetra em território pagão e trata positivamente os que se relacionam com ele (5,1-20; 7,24-30) e vislumbra uma missão que supera as fronteiras de Israel (7,27; 12,9; 14,9).
Além do mais, Mc é o único dos sinóticos a justificar a ação de Jesus no templo afirmando que “é casa de oração para todos os povos” (11,17). Mediante a citação de Is 56,7 o evangelista reforça a dimensão da missão universal.

4. Um fato que pode parecer estranho é que em Mc não há nenhum envio missionário depois da ressurreição, nem aparições do Ressuscitado. Mc terminando a sua narração em 16,8, omite esses aspectos para reforçar a idéia de que a missão é uma dimensão importante ao longo de todo o evangelho. Sumariamente é suficiente lembrar alguns desses momentos:
·  Jesus chama os primeiros discípulos para torná-los pescadores de homens (1,17);
·  Ele constitui Doze para enviá-los a pregar (3,13-15; 6,7-13);
·  Durante a paixão anuncia para depois da ressurreição, a recomposição do grupo (14,27s). A finalidade da reconstituição do grupo dos discípulos não é só aquela de assumir novas responsabilidades, mas é aquela de cumprir o que originalmente foram chamados a fazer: proclamar a mensagem de conversão e levar as pessoas ao encontro com Jesus.
·  A falta de um “envio oficial” depois da ressurreição ilumina a importância do “seguimento” e do “serviço” que devem ser permanentes. De fato quem quiser ser discípulo de Jesus deve estar disponível a tudo: renúncia, sofrimento (carregar a própria cruz), serviço (8,34; 9,35; 10,42-45).
·  Durante o desenvolvimento da missão às nações, o noivo está ausente (2,20) por isso falsos profetas e falsos messias tentam ocupar o lugar de Jesus verdadeiro messias; os discípulos devem prestar atenção para não serem enganados (13,5-6.21-22); devem encarar sofrimento e perseguições (13,9-13) e conservar uma atitude de vigilância permanente (13,33-37).

5. Pode parecer estranho também o fato de que Mc não evidencia a presença do Espírito. João Batista anuncia que Jesus vai batizar o seu povo com o Espírito Santo (1,8) mas lembra só uma vez a sua intervenção: durante as perseguições ele falará em lugar dos discípulos (13,11; cfr Mt 10,36). Em 12,36 o Espírito Santo é mencionado como fonte inspiradora de Davi, ao citar o Sl 110. Do outro lado Jesus mesmo é muito discreto ao realizar os milagres, nunca os realiza para confirmar a autenticidade de sua pregação, aliás para evitar mal-entendidos impõe o “segredo messiânico” (1,43s;5,43; 7,36; 8,26). Em todo caso se trata de sinais que revelam a sua compaixão para com os que necessitam dele (1,41;6,34).
Enfim a situação difícil em que se encontra a comunidade de Mc não invalida nem elimina a importância da missão, aliás é sempre possível a Palavra de Deus cair em “terra boa” e produzir frutos abundantes (4,20). Com efeito o Reino é como uma semente que cresce gratuitamente (4,26-29), faz parte da missão apontar sua presença e testemunhar seu crescimento.

2.2.5. A missão no evangelho de Lucas

Introdução
O evangelho de Lc quer apresentar a história do projeto de Deus, desde a vinda de Jesus até as extremidades da terra, por isso coloca em paralelo os dois volumes de sua obra: ao tempo de Jesus (Evangelho) segue o tempo da Igreja (Atos). Trata-se de uma obra ampla e significativa porque entre os evangelhos, foi aquele que recebeu mais qualificações: evangelho do Espírito santo; evangelho da missão;evangelho da história da salvação; evangelho do grande perdão; evangelho dos pobres, dos estrangeiros e dos marginalizados; evangelho das mulheres; evangelho do seguimento radical; evangelho do louvor, da alegria e da felicidade universal, o evangelho da oração e da liturgia, e assim por diante.
Estes aspectos já bastam para mostrar a presença de um horizonte muito amplo. No que diz respeito à missão, Lc parece privilegiar alguns aspectos importantes como: o dinamismo do Espírito Santo, a centralidade do arrependimento e da remissão dos pecados, a boa nova para os pobres, o encontro entre evangelho e cultura.
O evangelista antes de tudo evidencia a iniciativa divina que, para realizar suas promessas, envia Jesus para proclamar a boa nova da libertação. Essa iniciativa aparece de forma discreta desde o começo no cântico de Zacarias: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel que visitou e redimiu o seu povo...” (1,68s), e prossegue naquele de Simeão mostrando Jesus como salvação que Deus preparou diante de todos os povos: Israel e as nações (2,29-32). Em seguida Jesus entre os doutores o chama de “meu Pai” (2,49) e na sinagoga de Nazaré “o Senhor me ungiu... e me enviou” (4,18) ou ao longo do evangelho o apresenta como “aquele que me enviou” (9,48; 10,16).
Sob este ponto de vista Deus intervém na história humana enviando Jesus. Este é o último de uma longa série de profetas e de apóstolos que foram enviados por Deus ao povo de Israel e que foram mal tratados, rejeitados e mortos (11,49-51; 13,34; 19,14; 20,10). A missão de Jesus termina também com a morte, mas assume um profundo significado salvífico, porque é o “ungido” por Deus que devia sofrer e ressuscitar dos mortos (24,46).
Entretanto para compreender melhor a missão em Lc é necessário levar em consideração dois textos importantes, um no começo e o outro no fim do evangelho.

A inauguração da missão de Jesus na sinagoga de Nazaré: Lc 4,14-30
Jesus no início de sua atividade pública, endossa o título de profeta (4,24) e não só inaugura a sua missão, mas pronuncia um discurso programático retomando a profecia de Is 61,1-2 (Lc 4,18-19) Sem entrar em muitos detalhes, é possível reconhecer a presença de vários elementos muito importantes no âmbito da missão:
1. Deus toma a iniciativa de agir mediante o espírito profético;
2. O anúncio da boa nova aos pobres;
3. A proclamação do ano de graça do Senhor;
4. A releitura das Escrituras.

A primeira característica do texto é a afirmação da iniciativa divina que “unge e envia” Jesus como profeta (4,18) com efeito logo adiante ele mesmo se qualifica como tal (4,24) e se compara em sua atuação às grandes figuras proféticas do AT, Elias e Eliseu. A narração indica também em que consiste a missão profética de Jesus: evangelizar os pobres; proclamar: a libertação aos presos, a recuperação da vista aos cegos e um ano de graça do Senhor. É importante notar que Lc faz uma releitura das Escrituras: elimina duas expressões de Is 61,1-2 : “confortar os corações atribulados” e “o dia da vingança do Senhor”, porque não estão em sintonia com a sua perspectiva teológica, e acrescenta uma expressão de Is 58,6: “para por em liberdade os oprimidos”.
A perspectiva de Lc quer por em destaque a atuação de Jesus em favor dos marginalizados. Trata-se portanto de uma dimensão necessariamente social: Jesus se dedica generosamente a todos os desamparados, fracos e excluídos. Esta dimensão social é reforçada pela menção do “ano de graça do Senhor”. Com efeito esta expressão lembra o ano jubilar (Lv 25,8-55) que no AT exigia a libertação dos escravos e a devolução das terras aos legítimos proprietários, reconhecendo que a terra e o ser humano pertencem a Deus. Nesse sentido, Jesus se apresenta como um profeta que exige o cumprimento da justiça, evitando dessa forma qualquer possível “espiritualização”.

A segunda característica é a evangelização dos pobres que depende do verbo ‘me ungiu’ enquanto as outras funções dependem do verbo ‘me enviou’: esta distinção no início da atividade messiânica de Jesus é importante, porque se trata de uma atuação constante (cf 7,18-23; cf At 10,38). Da parte de Jesus evangelizar significa declarar que em sua atuação o projeto salvífico de Deus chegou à sua realização. Além do mais, o termo “pobres” em Lc é uma categoria que inclui presos, cegos, oprimidos, leprosos, surdos, coxos,,etc. isto é, todos aquele que levam uma vida que não corresponde absolutamente ao projeto de Deus. Por isso para dar credibilidade à sua missão, Jesus atua em favor deles. A menção do ano jubilar indica que a missão de Jesus coincide com o fim das injustiças e das desigualdades entre os homens. Essa boa nova deve portanto ser “proclamada” com força (em grego keryssein), e depois da ressurreição Jesus é reconhecido como “profeta poderoso em obras e palavras” (24,19).
Como foi acenado, o discurso programático de Jesus é situado no horizonte do Ano Jubilar. Trata-se de uma ocorrência conhecida no AT, seja por textos legislativos (Lv 25; Dt 15) quanto por textos proféticos (Jr 34,8-22; Is 61,1-2). Segundo o AT as tradições que relatam o “Jubileu” afirmam substancialmente dois aspectos: 1. Deus é o único soberano em Israel, a ele pertencem os homens e as coisas, inclusive a terra; 2. a estrutura da sociedade israelita deve espelhar em si mesma a soberania divina. Isso quer dizer corrigir as injustiças acumuladas para recomeçar novas relações alicerçadas na justiça e na liberdade para todos. Para Lc se trata da irrupção da salvação de Deus, confirmada após a leitura da profecia pelo próprio Jesus: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos esta passagem da escritura” (4,21).

A fonte da missão: Lc 24,46-49
Este texto apresenta os elementos essenciais da teologia da missão em Lc. Com efeito é possível notar:

1. A morte e a ressurreição de Jesus são a fonte da missão: para Lc representam o ponto culminante de toda a história de Jesus. É no contexto da aparição do Ressuscitado entre os seus discípulos que surge a missão em todas as suas dimensões: Jerusalém é o ponto de chegada da grande viagem de Jesus (9,51-19,28), mas é também ponto de partida para a proclamação do Evangelho se irradiar pelo mundo inteiro. É importante notar que a cidade de Jerusalém se torna um elo significativo entre a história de Israel e a expansão da mensagem cristã, passando pela história de Jesus. Além do mais o evangelho de Lc começa em Jerusalém, no templo (1,9) e termina no mesmo lugar (24,52-52).

2. A morte e a ressurreição de Jesus são o cumprimento das Escrituras: é o próprio Jesus Ressuscitado que interpreta as Escrituras (24,27) para os discípulos de Emaús, tornando-se ao mesmo tempo interpretação (24,44): ele mesmo é exegeta (abre as escrituras) e exegese (abre a mente). Lc lembra a necessidade do sofrimento do Messias como caminho para a realização plena da salvação (24,44-46), por isso evidencia que o AT em sua totalidade – Lei, Profetas e Salmos – é o anúncio desse cumprimento.

3. A proclamação do arrependimento para o perdão dos pecados é o conteúdo da missão, e está relacionada com o anúncio do AT. Com efeito Lc é quem dá grande destaque à misericórdia divina, e ao longo do evangelho Jesus é de certa forma a grande testemunha desse amor misericordioso. Jesus não só atende aos pedidos que lhes são dirigidos (17,13), mas se manifesta extremamente sensível diante da dor e da necessidade humana, por isso atua em favor dos mais fracos e sofredores, sobretudo mulheres (7,1-17; 7,36-50; 13,11-17) e estrangeiros (7,9; 10,25-37; 17,11-19). Além disso Lc lembra que a mesma misericórdia deve caracterizar a vida do discípulo. A parábola do Bom Samaritano, situada quase no fim do cap. 10 que narra a missão dos 72 discípulos, fornece um exemplo prático para quem seguir Jesus: “Vai e também tu faze o mesmo” (10,37; cfr as parábolas da misericórdia do cap.15). Do outro lado no início do evangelho João Batista tem a missão de transmitir “a seu povo o conhecimento da salvação pela remissão dos pecados” (1,77) e proclama “um batismo de arrependimento para a remissão dos pecados” (3,3). O dom da salvação, expressão da misericórdia divina se realiza por meio do perdão outorgado por Jesus (5,21; 7,36-50; 23,34). Os discípulos devem portanto proclamar tudo isso “em seu Nome” a todos.

4. A missão é universal: a partir de Jerusalém se estende a todas as nações. O anúncio do evento pascal que inclui a proclamação da “conversão para a remissão dos pecados” ultrapassa as fronteiras da cultura e da história judaica para alcançar todas as nações. O anúncio da salvação expresso pelo termo “keryssein” foi tarefa de Jesus no discurso programático em Nazaré (4,18), foi tarefa confiada aos Doze (9,2); agora o Ressuscitado renova esta missão transformando os discípulos em “testemunhas oculares” mencionadas no prólogo (1,2)

5. “Vós sois testemunhas disso” (24,48). Com esta expressão o evangelista indica a modalidade da missão. Ele está convencido de que a fé se difunde através de uma existência renovada que manifesta a força libertadora de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, o qual perdoa os pecados e oferece a todos a sua salvação. É interessante notar que no evangelho de Lc o termo “testemunha” ocorre só aqui, mas terá o seu desenvolvimento no livro dos Atos (13 vezes), onde os discípulos deverão atestar solenemente todos os fatos ocorridos desde o batismo de João até a ressurreição de Jesus (At 1,22; 332 etc.)

6. A missão se realiza pela “força do alto”: o Espírito Santo prometido. O último elemento retoma o 1o mostrando que o Espírito Santo é fruto da promessa do Pai. Lc antes de concluir o discurso do Ressuscitado evoca a fonte suprema, o Pai que é a origem de tudo. O dom do Espírito à comunidade dos discípulos é fruto do evento pascal, e juntamente com a proclamação da Palavra ele será protagonista da missão nos Atos dos Apóstolos.
O discurso do ressuscitado prepara dessa forma o desenvolvimento da missão da igreja nos Atos (At 1,8).

2.2.6. A missão no evangelho de João

Introdução
No evangelho de João freqüentemente Jesus se apresenta como “enviado do Pai”, mostrando assim a origem divina de sua missão. É uma expressão que salta aos olhos: Jesus não veio ao mundo por iniciativa própria (7,28) mas foi enviado pelo Pai a fim de que o mundo fosse salvo (3,17); o seu único desejo consiste em fazer a vontade daquele que o enviou a levar a termo a sua obra (4,34), por isso o Filho nunca está só (8,16.29) e conseqüentemente quem honra o Filho honra o Pai que o enviou (5,23) e quem crê em Jesus crê no Pai (12,44); quem vê Jesus vê também o Pai (14,7-9). O evangelista com extrema clareza destaca que Jesus é o “revelador” do Pai, e que veio ao mundo com a missão específica de revelar mediante suas palavras e gestos, o rosto de Deus. A missão de Jesus consiste essencialmente em doar a própria vida para a salvação da humanidade.

A missão de Jesus é universal
Desde o início do evangelho esta abertura universal se manifesta sobretudo no encontro de alguns personagens com Jesus. Nicodemos (3,1-21) representa aqueles judeus que simpatizam com Jesus, mas hesitam em se manifestar abertamente (cf 12,42-43). Nicodemos entrará em cena só depois da morte de Jesus, para prestar-lhe a última homenagem (19,39). O seu encontro com Jesus em Jerusalém indica a origem da salvação que será confirmada logo adiante no encontro com a samaritana (4,22: a salvação vem dos judeus). A samaritana (4,1-42) representa um povo irmão dos judeus, mas “cismático” e contaminado com os pagãos. Jesus passa através da região da Samaria, derruba a barreira social, racial e religiosa e o encontro com a mulher samaritana, faz dela uma missionária. No fim do episódio os samaritanos reconhecem Jesus como “salvador do mundo” (4,42). Logo em seguida Jesus se desloca para a Galiléia e um pagão, um funcionário régio vai ao seu encontro pedindo a cura do próprio filho. Jesus promete e doa a vida a “quem crê” nele sem fazer distinção entre judeus e pagãos. No episódio do Bom Pastor, depois de afirmar de dar a vida pelas ovelhas, Jesus acrescenta que tem também outras ovelhas que não pertencem ao mesmo rebanho: “devo conduzi-las também; elas ouvirão a minha voz, então haverá um só rebanho e um só pastor” (10,16).
É interessante notar que em seu ministério Jesus não ultrapassa os limites territoriais de Israel para se dirigir diretamente aos pagãos. Seus adversários levantam uma suposição que se revela logo sem fundamento: “Para onde irá ele que não o poderemos encontrar? Irá por acaso aos gregos da diáspora, para ensinar aos gregos?” (7,35). No fim da 1a parte do evangelho, alguns gregos exprimem a Filipe o desejo de ver Jesus (12,22), mas não há um encontro direto com eles durante o ministério público de Jesus. Os pagãos podem encontrar Jesus só depois da doação total de si na cruz: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (12,32). Com efeito, na cruz Jesus cumpre o ato supremo de doação de si, e nisso se manifesta a glória de Deus que finalmente realiza a unidade do povo messiânico. Todos são atraídos por Deus e recebem do Messias crucificado o dom da vida mediante “a entrega do Espírito” (19,30).
A mãe e o discípulo, aos pés da cruz, representando toda a humanidade, recebem de fato o Espírito divino mediante o dom da vida do Filho. Um episódio ainda na 1a parte do evangelho já chamava a atenção a respeito disso. Durante a festa das Tendas Jesus tinha anunciado solenemente o dom da água viva, e o evangelista encontrou uma brecha para inserir no episódio o seu comentário: “Ele falava do Espírito que deviam receber aqueles que tinham crido nele; pois não havia ainda Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado” (7,39). Até quando Jesus não manifesta a glória de Deus na própria morte, no mundo não há Espírito. Isso mostra que a finalidade da missão de Jesus consiste em comunicar o Espírito. A promessa do “Paráclito” domina os discursos de despedida da 2a parte do evangelho e explica o sentido da morte de Jesus: “Se eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas se eu for, enviá-lo-ei a vós” (16,7).
A missão de Jesus se cumpre com a missão do Espírito Santo: na cruz Jesus “entrega” o Espírito, na tarde do dia de Páscoa o comunica aos discípulos: “Recebei o Espírito santo” (20,21), e repete simbolicamente o gesto do Criador comunicando ao ser humano o “sopro vital”. Do evento pascal é uma nova criação que dá origem a uma nova humanidade. Nesse sentido o dom do Espírito torna possível a missão da Igreja: só depois da Páscoa de Jesus e do dom do Espírito inicia a missão dos apóstolos: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (20,21). A partir desse “envio” os discípulos devem transmitir tudo aquilo que receberam: a vida em plenitude.

A figura do Pai
Segundo o evangelista, o Pai é ao mesmo tempo a origem e o ponto final da missão. Sob este ponto de vista todo o evangelho gira em torno desse centro: Jesus sai do Pai e retorna ao Pai, tendo recebido dele a missão de revelá-lo ao mundo (16,28). O motivo fundamental pelo qual o Pai envia seu Filho ao mundo está claramente expresso em 3,16-17: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único para que todo aquele que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele”. A partir disso pode-se afirmar sem hesitação que a origem e a fonte da missão de Jesus é o amor de Deus para o mundo.
Com efeito, a autodoação de Jesus na cruz é a suprema manifestação do amor de Deus, fruto de uma vida inteiramente vivida pelos outros. Se o amor de Deus é a fonte, a finalidade da missão de Jesus consiste realmente em “doar a vida”, coisa que Jesus faz ao longo de todo o seu ministério (3,16; 5,24s; 6,57; 10,10; 12,25s; 17,2; 20,31). Jesus não faz outra coisa senão cumprir a vontade “daquele que o enviou” e “levar a termo a sua obra” (4,34), isso significa oferecer a salvação à humanidade dando-lhe a vida eterna (10,10) pois a obra do Pai é levada a termo na cruz: “Está consumado” (19,30;cf 17,4).

A figura do Filho
Jesus veio ao mundo para salvá-lo e não para julgá-lo (3,16-17), por isso “envia” ao mundo os seus discípulos (17,18) para que o mundo creia (17,21). O evangelista evidencia o envio dos discípulos em 3 momentos importantes.

Jo 4,31-38: inserida no contexto do encontro entre Jesus e a samaritana, a missão dos discípulos se caracteriza de um lado por “ceifar” ou recolher o fruto do trabalho dos outros, e do outro lado por estar inserida no mesmo trabalho. A missão dos discípulos consiste em colher o que outros semearam. Nesse sentido o semeador se alegra com quem ceifa (“recolhe frutos para a vida eterna”: 4,36). O fato de “recolher/reunir/juntar” é muito significativo porque ocorre em outras partes do evangelho: o pastor deve “reunir/recolher” outras ovelhas num só rebanho (10,16); o próprio Jesus deverá morrer “para congregar na unidade todos os filhos de Deus dispersos” (11,52; cf 12,32). É importante notar que tudo isso tem a ver com a morte de Jesus: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só, mas se morrer produzirá muito fruto” (12,24). Então é a morte de Jesus que produz aqueles frutos que os discípulos têm a missão de recolher, e os primeiros frutos são os samaritanos.

Jo 17,18: “Como tu me enviaste ao mundo eu também os enviei ao mundo”. Na oração que Jesus dirige ao Pai antes de enfrentar o caminho da paixão, o termo enviar ocorre significativamente sete vezes (17,3.8.18.18.21.23.25). Aqui se afirma que os discípulos são enviados “ao mundo” (17,18) sem porém “pertencerem ao mundo” (17,16). Os discípulos devem se identificar com o mestre permanecendo profundamente unidos a ele (cf 15,5). O mundo nesse contexto possui uma conotação negativa e representa a auto-suficiência humana em contraposição com a vontade divina (cf 15,18-21). No entanto é num mundo repleto de hostilidades que se desenvolve a missão dos discípulos, e apesar de toda hostilidade, o mundo continua sendo objeto da solicitude amorosa de Deus.

Jo 20,19-23: Jesus ressuscitado, antes de enviar os discípulos, realiza uma série de ações significativas. Ele se manifesta situando-se bem no meio deles; comunica-lhes a paz como sinal da plenitude dos bens messiânicos; identifica-se como o Crucificado. Os discípulos se alegram profundamente ao verem o Senhor ressuscitado (20,20). Só em seguida Jesus renova o dom da paz e envia solenemente os discípulos: “Como o Pai me enviou eu também vos envio” (20,21). É interessante notar que a missão dos discípulos nasce do mistério pascal, do Cristo morto e ressuscitado. Dessa forma a missão da comunidade apostólica se identifica com a missão de Jesus, e continua na mesma direção: perdoando os pecados. Assim como na morte-ressurreição Jesus se revela como o Cordeiro de Deus “que tira o pecado do mundo” (cf 1,29), assim a igreja recebe a missão de transmitir e de testemunhar a presença misericordiosa e gratuita de Deus mediante o “perdão dos pecados”.

A figura do Espírito
No que diz respeito à missão, o Espírito ocupa um lugar central e desempenha uma função de grande importância sobretudo nos discursos de despedida e naturalmente no evento pascal. Com efeito antes do envio dos discípulos na tarde do dia da Páscoa, Jesus “soprou sobre eles” comunicando-lhes o dom do Espírito (20,22). O Ressuscitado realiza uma nova criação em que inicia o caminho de uma nova humanidade. A partir disso a comunidade apostólica encontra a sua identidade como comunidade de salvação: tem a missão de construir laços de comunhão (perdão) eliminando toda negatividade (pecado). O Espírito, enviado pelo Pai e pelo Filho, tem a função de dar testemunho a Jesus (15,26) do mesmo modo como os discípulos devem dar testemunho (15,27). Trata-se de uma presença significativa que “permanece” com os discípulos (14,16), que “ensina e recorda” as palavras de Jesus (14,26; 16,13). Em resumo o Espírito não substitui mas intensifica a presença do Ressuscitado na comunidade dos discípulos.

O evangelista apresenta a missão da igreja profundamente enraizada em Deus Pai que envia o Filho e o Espírito pela salvação do mundo. O objetivo dessa “missio Dei” se revela na atividade do Filho, o qual a realiza de várias maneiras: revelando a misericórdia do Pai, levando a termo a sua obra, fazendo a vontade daquele que o enviou, mas sobretudo doando a própria vida e comunicando o “sopro vital” do Espírito que renova e salva o mundo. A missão da igreja, segundo João, consiste em dar continuidade a esse projeto gratuito na história humana.

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ZENGER, E. ET ALII. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003.

Missiologia: Missiologia e inculturação


Questões introdutórias em torno do Paradigma da Inculturação
Missiologia e Inculturação


1. RESUMO E OBJETIVO


Resumo. Para as Igrejas, o paradigma da inculturação norteia todas as atitudes pastorais. Esse paradigma que tem as suas raízes nos mistérios da encarnação e da redenção, situa o seguimento de Jesus Cristo nos contextos históricos e culturais de cada época. Num continente que passou por séculos de colonização e que hoje novamente está ameaçado pelo neocolonialismo dos mercados globalizados, a inculturação é uma tarefa que fortalece a identidade dos povos e grupos sociais, cujo projeto de vida está ameaçado.
Alguns tópicos e aprendizados da antropologia cultural e de outras ciências humanas ajudam na construção do paradigma da inculturação que permite viver a fé no interior da herança de tradições autênticas (contra qualquer tradicionalismo e fundamentalismo religioso), e no meio dos desafios do mundo moderno, sem adaptação superficial a “modas” ou “ondas”.
Objetivo
A razão fundamental da evangelização inculturada é a participação de todos no banquete da VIDA. Os cristãos imaginam e realizam o encontro com a VIDA no seguimento de Jesus, na experiência pascal, na transfiguração da realidade pela esperança, no testemunho e anúncio do Deus da VIDA. A inculturação visa à assunção dos últimos como próximos e primeiros. Sua vida é o lugar preferencial da epifania de Deus. A aproximação ao mundo do Outro-Pobre encontra a sua matriz teológica na proximidade de Deus. Se o ponto de partida da inculturação é a presença no meio da vida fragmentada, o ponto de chegada é a participação da vida integral. Vida fragmentada e vida integral são articuladas por uma proposta, o Evangelho, e por um caminho a percorrer, a missão.
A inculturação de todas as atividades eclesiais (pastoral, liturgia, teologia, kerigma, obras sociais) é um imperativo do seguimento histórico de Jesus Cristo (cf. Santo Domingo, 13) que redimiu a humanidade na proximidade histórico-cultural da encarnação. Partindo deste imperativo, a aula deve mostrar o porquê deste imperativo, articulando a encarnação com a redenção, sempre historicamente situadas. A compreensão desta articulação pressupõe o conhecimento e delimitação de alguns conceitos básicos da antropologia cultural, como o conceito da cultura que - como projeto de vida - é matriz fundamental para o enraizamento do Evangelho de Jesus Cristo e da fé dos cristãos.

2. INCULTURAÇÃO: CONCEITO, PRÁTICAS, HORIZONTES

2.1. Ponto de partida: colonização, ruptura e incompreensão
Descolonização e seguimento
No contexto da história latino-americana, o paradigma da inculturação aponta - em analogia à Encarnação - para o caminho da descolonização de uma evangelização histórica e culturalmente situada. A inculturação “é um imperativo do seguimento de Jesus” (Santo Domingo, 13) que exige uma permanente reinterpretação do Evangelho no meio dos projetos de vida de cada povo e grupo social.

Costura e proximidade
Na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi sobre a Evangelização no Mundo Contemporâneo (1975), Paulo VI lamentou: “A ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época, como o foi também de outras épocas” (n. 20). Costurar essa ruptura entre cultura e Evangelho é a intenção profunda da inculturação. O Evangelho não tem cultura própria. Por isso pode ir ao encontro de todas as culturas. A inculturação visa a uma nova próximidade à realidade terrestre e espiritual da família humana.

Tradução e comunicação
Neste encontro, os evangelizadores procuram traduzir a mensagem do Evangelho nas línguas e linguagens, nos mitos e ritos, nos símbolos e sinais, nos costumes e no etos de todos os povos e grupos sociais. A relevância do Evangelho para o mundo de hoje - e este mundo pode ser um mundo secularizado e não-confessional, como pode ser um mundo tradicional e religioso - depende da capacidade de traduzir contribuições próprias do cristianismo em linguagens particulares e universais, privadas e públicas, religiosas (de outras religiões) e secularizadas, sem perder seu referencial e suas raízes. Sempre se trata da tarefa axial da Igreja, “enviada por Cristo para manifestar e comunicar a caridade de Deus a todos os homens e mulheres e povos” (Ad gentes, n. 10).

2.2. Surgimento histórico do paradigma da inculturação
O neologismo “inculturação” surgiu de uma longa prática nos primórdios do cristianismo e que foi retomada muito tempo antes do Concílio Vaticano II (1962-1965). Através de experiências pastorais que assumiram os desafios do mundo tradicional e do mundo moderno, a inculturação estava respondendo à demanda histórica da descolonização e aos imperativos do seguimento de Jesus

Exemplos pré-conciliares de inculturação
Como exemplos concretos de uma vivência da inculturação pré-conciliar pode-se registrar a opção pelos Outros, realizada por Charles de Foucauld (1858-1916) e seus seguidores nos mais diversos movimentos espirituais e fundações religiosas. A presença das Irmãzinhas de Jesus de Charles de Foucauld junto ao povo Tapirapé, desde 1952, constituiu, 20 anos mais tarde, um referencial de inspiração para o trabalho do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), fundado em 1972.
Precedeu e inspirou o Vaticano II a lucidez da opção pelos operários, de um Joseph Cardijn, fundador da Juventude Operária (JOC) e inspirador da Ação Católica, em 1925, com seu método da “revisão de vida”. Posteriormente, toda a Pastoral da América Latina e os documentos eclesiais se beneficiaram do método da JOC e do seu “ver-julgar-agir”.
A sobriedade vivencial e pastoral do padre Antoine Chevrier (1826-1879) e dos seus seguidores no movimento do Prado (Lyon), o movimento dos padres operários e da Mission de France, o despojamento de um Abbé Pierre, fundador do movimento dos maltrapilhos-construtores de Emaús, já apontaram para a opção pelos pobres e pelos que mais sofrem.

A realidade e a história como lugares teológicos
Precursores da inculturação havia também na criatividade do movimento litúrgico e bíblico que abriram horizontes para a celebração da vida e a leitura da palavra de Deus histórica e vivencialmente contextualizada. Seguindo a reflexão teológica de um Melchior Cano, teólogo do Concílio Tridentino (1545-1563) que colocou a história como lugar teológica na pauta teológica de seu tempo, a hermenêutica da realidade como lugar teológico – a teologia das realidades terrestres de um padre Chenu, por exemplo – contribuiu para uma nova proximidade teológica e pastoral ao mundo moderno.

Da inserção à inculturação
A proximidade física e espiritual, no meio do mundo e, particularmente, no meio dos pobres, na época do Vaticano II ainda foi designada como “inserção”. Para respaldar teologicamente esta “inserção” e o posterior paradigma da “inculturação” era necessária a sua articulação não só com os propósitos básicos da modernidade, com a descolonização dos povos, com a sua autonomia, autodeterminação e emancipação, mas sobretudo com a tradição da Igreja.

Novos discernimentos a partir da Patrística
O Vaticano II e, em seguida, o magistério da Igreja e o magistério latino-americano das Conferências Episcopais de Medellín, Puebla e Santo Domingo, resgataram alguns tópicos teológicos dos primeiros séculos do cristianismo que permitiram configurar o novo conceito da evangelização inculturada. Tópicos teológicos de Justino (+ 165), Ireneu (+ 202), Tertuliano (+ 220) e Eusébio de Cesaréia (+ 339) ganharam destaque.
Estas escolhas foram seletivas porque, desde cedo, duas doutrinas e práticas missionárias estavam concomitantemente presentes no cristianismo. Uma declara que as culturas pagãs se encontram fora da história da salvação e nada podem acrescentar ao cristianismo qualitativamente perfeito. A plenitude quantitativa - a conversão de toda a humanidade ao cristianismo - se considerou tarefa da missão e de uma metodologia missionária que pôde variar entre convite desarmado até a força da “espada e vara de ferro”.[1][1]
A outra corrente admite encontrar nas culturas pagãs “lampejos da Verdade” (Nostra aetate, 2) e “sementes do Verbo” (Ad gentes, 11). Estes “lampejos” e “sementes” tampouco acrescentam algo ao cristianismo, porém, lançam seus vestígios em outras religiões e culturas. A Gaudium et spes (n. 57), com a sua recepção positiva do mundo afirma, referindo-se a Ireneu, que o Verbo de Deus que, antes de encarnar-Se para salvar e recapitular em Si todas as coisas, já estava no mundo como ‘luz verdadeira que ilumina todo o homem’ (Jo 1,9s). A segunda corrente serviu ao Vaticano II como matriz para conduzir a Igreja fora do gueto cultural e de colocá-la em condições de dialogar com o mundo moderno.

Analogia entre encarnação e inculturação
O Vaticano II estabeleceu uma analogia entre encarnação e proximidade solidária junto aos pobres (Gaudium et spes, 32). A Lumen gentium (n.8) fala de “uma não medíocre analogia” entre o mistério do Verbo encarnado e a assunção da realidade terrestre pela Igreja. A articulação do paradigma da inculturação com o mistério da encarnação e com tópicos da patrística, permitiu provar que com a inculturação não se tratava de uma “onda modernizante”, mas de um tópico teológico que estava enraizado na tradição da Igreja. A analogia entre encarnação e presença cristã no mundo fez a reflexão missiológica cunhar o paradigma da inculturação (cf. Lumen gentium 8; Santo Domingo 30 e 243).

2.3. Elementos da antropologia cultural

Culturas
A partir da segunda metade do século XIX, a antropologia cunhou o conceito “cultura” para descrever a experiência humana. Originalmente, a noção de cultura era aplicada no singular, quase idêntica com o conceito de “civilização ocidental”. “A cultura” era a cultura do observador exógeno, do antropólogo, do missionário, do viajante. “A cultura” era idêntica com a civilização ocidental. Esta era considerada como ponto de chegada. O conceito “cultura” nasceu num contexto evolucionista. Na América Latina, o evolucionismo se tornou força política mediante o positivismo de Comte. Os militares o adotaram, no início deste século, como sua ideologia de fundo. Nesta visão, a “emancipação” dos povos indígenas coincide com sua civilização.
Hoje, o conceito “culturas”, quase sempre usado no plural, nos permite observar a diversidade das experiências humanas, sem recorrer a esquemas meramente evolucionistas (primitivo x civilizado), racistas (inferior x superior) ou totalizantes (universalismo x relativismo).Não existe um ponto de chegada de uma cultura-civilização que possa servir para a constituição da identidade de todos os povos. Há concomitantemente diferentes experiências humanas, uma multiplicidade de culturas, todas elas válidas e precárias.


Monogenismo versus evolucionismo
Segundo o monogenismo bíblico se pensava, no interior do cristianismo, a origem da humanidade a partir da perfeição de uma criatura divina. O primeiro casal humano, criado por Deus no sexto dia da criação, em decorrência do pecado original, degenerou e se diversificou. Essa compreensão de uma filiação divina, hierárquica, vertical e quase biológica, fragilizada pelo pecado original, induziu a ler as diferenças pluriculturais da humanidade em chave de degeneração e rebeldia contra a lei de Deus, inscrita na natureza e na ordem cosmológica imutável; em chave de perda (do estado de graça) e de castigo (expulsão do paraíso e confusão babilônica), de desvios do caminho único traçado por Deus na Igreja Católica (fiéis versus hereges e infiéis). A partir da visão dessa origem única, perfeita e igual a todos, a expulsão “geográfica” do paraíso é seguida pela diversificação cultural, simbolizada na confusão lingüística de Babel.
O evolucionismo biológico, associado às pesquisas de Darwin e hoje amplamente respaldado pelo cristianismo, impunha pensar a origem da humanidade a partir do primitivismo animal, seguido pela evolução civilizatória. Desde então, a origem da humanidade é pensada a partir de um macaco antropóide, o chimpanzé. A unidade do gênero humano não é algo preestabelecido, mas o resultado de uma articulação da diversidade de experiências de hominização e civilização.
A diversificação da vida desde células primitivas até o surgimento de seres humanos, e, em seguida, a diversidade cultural não podem mais ser pensadas como “degeneração de um casal perfeito” ou como “confusão de Babel”, mas como a condição para o surgimento da vida humana. O conceito “cultura” transformou o conceito “filhos e filhas de Deus”, originalmente tomado ao pé da letra, em metáfora.
Os missionários das Américas sempre comparavam a diversidade lingüística que encontravam, com a confusão de Babel. O padre José de Acosta, primeiro provincial dos jesuítas no Peru, por exemplo, escreve que frente à confusão de Babel, com suas 72 línguas, a zona andina, onde encontrou mais de 700 línguas diferentes, representa uma confusão dez vezes maior do que a babilônica. Nesta perspectiva, a história da salvação, as Alianças de Deus com seu povo, o cristianismo - tudo tem só um sentido: reverter a expulsão, a dispersão, a fragmentação e a confusão. A cristandade foi o último intento global para reconstruir essa „unidade perdida“.

Todos são cultos segundo seus padrões culturais
Cultura não é sinônimo de erudição, alfabetização ou estudos universitários. Se a subjetividade cultural coincidisse com a alfabetização, muitos povos indígenas, e 20% da população brasileira não teriam cultura.
Uma cultura diferente não devemos avaliar pelo tamanho dos templos, prédios e aviões, quer dizer, a partir da “cultura material”. Nessa perspectiva, consideraríamos o povo e os monges tibetanos muito atrasados, apesar de sua cultura espiritual grandiosa. Uma cultura é perfeita na medida em que consegue que o maior número de pessoas irradie felicidade. Os missionários consideraram os índios, que sorriam muito, crianças. Na civilização européia, o lugar daquele que sempre ri, é o jardim da infância ou o hospício. Também a “seriedade” é um fator cultural. “Os bárbaros”, advertia Montaigne já na época da conquista “não são mais estranhos para nós, que nós o somos para eles” e “cada um chama de barbárie o que não faz parte dos seus costumes”.[2][2]
É impossível anunciar relações simétricas de fraternidade e sororidade, como o Evangelho propõe, a partir de uma suposta superioridade cultural.

Projetos históricos e segundo meio ambiente
As culturas são projetos históricos integrais de vida, codificados nas diferentes esferas sociais: no campo sociopolítico, econômico e ideológico. A observação cultural lida sempre com uma dimensão mais estática e sistêmica (a sincronia), comparável a uma fotografia, e uma dimensão histórica em movimento (a diacronia), um filme. As culturas são construções históricas em processo e heranças sociais que desafiam cada geração a discernir entre a necessidade de assumir o passado e a necessidade de transformá-lo. As pessoas humanas são herdeiros e autores de suas culturas. A cultura como tal não é uma herança biológica. As culturas são aprendidas; não estão no sangue. Por isso, podemos aprender outras culturas. Mas faz uma grande diferença, se aprendemos nossa cultura (enculturação), desde a infância, ou se aprendemos, já adultos, uma segunda cultura (inculturação).
A cultura nos distingue do reino biológico dos animais. Enquanto seres humanos, somos biologicamente frágeis. As culturas são as muletas que os grupos sociais inventaram para viver e compensar sua precariedade biológica.
Todos os grupos sociais querem viver e vivem graças a suas culturas. Os moradores da rua, os migrantes, os catadores de papel: todos querem viver. Não é muito difícil detectar essa cultura. Eles se alimentam, dormem, vivem, se relacionam com outras pessoas e grupos sociais. Criam filhos, se amam, emocionam, brigam e fazem as pazes; passam por momentos de alegria e de tristeza, acreditam em Deus e têm uma ética cultural, como todo mundo. E, sobretudo, mantêm uma firme esperança num mundo melhor. A vida lhes faz sentido. Não se suicidam, teimam em viver e sonhar com os seus projetos, que talvez amanhã possam realizar. Eis aí os elementos essenciais para a inculturação.
A cultura é um segundo meio ambiente que os grupos sociais constroem. O primeiro meio ambiente é a natureza. Sobre este primeiro meio ambiente construímos um segundo meio ambiente que é a nossa cultura. Ela nos fornece instrumentos, relações padronizadas e sentido de vida. Sem esse segundo meio ambiente não conseguiríamos viver. E essa é a nossa diferença com os animais. Eles vivem biologicamente, dirigidos pelo instinto. Antes da hora do perigo, os ratos deixam o navio. São todos “videntes”. A nossa previsão do perigo funciona por meio da metereologia, mediante aparelhos técnicos e experiências. Cultura, portanto, é um ecossistema historicamente construído. Na cultura, guardamos codificadas as nossas experiências históricas de ontem e nosso projeto histórico para amanhã.
Outros conceitos de cultura
Quando se fala de “cultura da paz”, por exemplo, não se trata de uma cultura propriamente dita. A „cultura da paz“ não tem sujeitos que possam ser identificados, nem território vivencial. Ao falar de “cultura da paz”, “cultura de solidariedade” ou “cultura de trabalho” fala-se apenas analogicamente de cultura, assim como se pode falar também de uma cultura de bactérias para fazer uma vacina. É preciso distinguir entre cultura propriamente dita (projeto histórico herdado e sempre reconstruído) e cultura entre aspas. Com uma “cultura” de bactérias pode-se fazer uma vacina para combater determinada doença. Assim, analogicamente, uma “cultura” de solidariedade, composta por muitos núcleos de solidariedade, permite combater o desinteresse e o egoísmo. Mas essas “culturas” com aspas não têm povo, nem território. Por isso não servem para a inculturação.
Como já percebemos, existem várias maneiras de entender o conceito cultura. Uns dividem a realidade em três grandes campos: realidade econômica, realidade sociopolítica e realidade cultural. Nessa visão, a cultura é apenas um setor da realidade social que abrange a religião, a filosofia, o direito, a educação. Economia e política ficam fora do campo cultural. A inculturação, neste caso, não mexe com política, nem com economia.

Cultura ou civilização
É útil distinguir entre civilização e cultura. A civilização é algo mais abrangente. A civilização não fornece identidade. Você tem identidade junto ao seu grupo social. Não somos cidadãos da modernidade, somos cidadãos do nosso bairro, da nossa comunidade, da nossa família. Por isso distinguimos entre inculturação numa determinada micro-estrutura, e apropriação civilizatória. A civilização é uma caixa comum para a qual todos os povos contribuíram. Depois podemos nos apropriar dos projetos de prata dessa civilização e testar sua utilidade no interior das nossas culturas. As pessoas não se inculturam na modernidade; apropriam-se de elementos da modernidade que são importantes. As conquistas civilizatórias ora ajudam, ora conturbam o estilo de vida dos diferentes povos. O caminhão que entra na aldeia indígena não precisa destruí-la. Uma emissora de rádio, nas mãos dos sem-terra, pode ser politicamente muito importante. Não é a civilização que destrói as culturas, mas a desapropriação política dos respectivos sujeitos culturais.

Aproximação cultural: enculturação, aculturação, inculturação
A aproximação cultural tem vários níveis. A en(do)culturação ou socialização cultural é o aprendizado da própria cultura. A aculturação é, teoricamente, a aproximação de duas culturas diferentes a meio caminho. Na realidade, acontece a aculturação em condições de assimetria social, devido à hegemonia de uma das duas culturas sobre a outra. A inculturação é o intento de assumir as expressões culturais de outro grupo social, a fim de comunicar o Evangelho. A inculturação, enquanto inserção na cultura do outro, é um aprendizado sempre precário que procura reverter a prática histórica da evangelização colonial. Esta tentou integrar o outro evangelizado no universo cultural do evangelizador.
A aculturação, de fato, acontece por toda parte. Mas ela não é uma meta para a evangelização inculturada. Não tem fundamento bíblico, nem teológico. Deus não se aculturou no mundo. Encarnou-se neste mundo por meio de Jesus de Nazaré. Jesus não veio para um encontro a meio caminho. Ele não desceu um pouco para levar a humanidade um pouco para cima. Ele não se enfeitou com a cultura de seu povo. Deus desceu e se encarnou na condição mais vil da humanidade, no presépio e na cruz, um sem-casa e um sem-terra.
Outro modo de “aproximação” cultural nas Américas foi a integração colonial. Pero Vaz de Caminha, ao descrever a primeira Missa no Brasil celebrada por Frei Henrique de Coimbra, mostrava-se edificado pela capacidade de os índios imitarem seus colonizadores: “E quando se chegou ao Evangelho, ao nos erguermos todos em pé com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram a assentar-se, como nós. (...). E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã do que nos entenderem, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos.”[3][3]
Tanto a integração do outro no meu universo cultural, como a identificação minha com a cultura do outro, são destrutivas em frente da alteridade do outro. Por conseguinte, a aproximação cultural em forma de inculturação não visa à identificação com o outro e sua cultura, mas a solidariedade (cf. Gaudium et spes, n. 32).

Projetos de vida atravessados por “estruturas de pecado”
As culturas não podem ser valoradas “superiores” ou “inferiores”, “primitivas” ou “adiantadas”. Em todas as culturas se encontram “primitivos” e “sábios”. Nenhuma cultura é perfeita ou pura. Todas as culturas são atravessadas por impasses em frente das contingências da vida e da morte. Todas as culturas são atravessadas por “estruturas de pecado” e lutam contra “poderes da morte” (Santo Domingo 13 e 243).
A “cultura perfeita” seria o fim da história. Por causa dessa relatividade histórica, a cultura de um povo nunca é normativa para um outro povo. Para os sujeitos que pertencem a uma respectiva cultura, ela é, contudo internamente, normativa. Nenhuma cultura, porém, pode reivindicar sua normatividade em frente das outras culturas.
As culturas, enquanto projetos de vida, sempre lutam contra a morte. Por isso, não faz sentido falar em “cultura da vida” nem em “cultura da morte”. “Cultura da vida” é uma redundância. Se “cultura da vida” é o óbvio, a “cultura da morte” é o absurdo. Cada grupo social se junta para viver e não para matar os outros e para matar a si mesmo. Só isso representaria uma “cultura da morte”.


2.4. Evangelho e culturas
A história da salvação na história dos povos
A história da salvação perpassa a história de cada povo e grupo social. Ela não é idêntica à história político-social dos povos, mas tampouco representa uma história paralela. A leitura ou reconstrução da história da salvação na própria história não deve obrigar os povos a desconsiderar a sua cultura ou esquecer sua história, mas convidá-los a ler ambas - cultura e história - sob novo ângulo.
Quando os israelitas trabalhavam como escravos na construção de pirâmides no Egito, mais ou menos 1200 anos a.C., na mesma época grupos indígenas trabalhavam na construção de pirâmides na Guatemala e no México. A libertação do Egito faz parte da história da salvação. E o trabalho escravo dos índios? Não havia também para eles um libertador escolhido por Deus que desconhecemos, porque a sua memória foi destruída? Até hoje existe entre os teólogos uma certa dificuldade de articular a história dos diferentes povos e grupos sociais com uma história de salvação da humanidade, composta por muitas histórias salvificamente relevantes.

A cultura é o Primeiro Testamento dos povos
Cada cultura produziu, originalmente, sua própria religião. A religião de cada povo, coerentemente vivida, é o caminho ordinário de sua salvação. Essa cultura era o Primeiro Testamento de cada povo e grupo social. A presença de Deus Trino na história humana, desde a criação do mundo, precede a Encarnação de Jesus de Nazaré. O Deus da criação e da vida temos em comum com todas as religiões. Para a convivência em paz e a tolerância entre os povos, a configuração de um „Deus em comum“ se tornou um fator importante na evolução da consciência humana.
A Bíblia incentiva, pedagogicamente, essa evolução. A eleição de Israel não é um mero privilégio; é eleição para servir à humanidade. Pedagogicamente Deus se mostra como um Deus de aproximação e de Aliança com a humanidade. As imagens da criação do mundo, o caos, o discernimento entre trevas e luz, a assunção do barro pelo espírito, mostram esse processo educativo através da proximidade libertadora de Deus. Libertação é um processo que abre caminhos onde a vida estava bloqueada.
Na história da salvação, a proximidade entre Deus e a humanidade estava sempre ameaçada pelo fechamento do fundamentalismo legalista, por um lado, e pela dispersão, por outro lado. No Verbo Encarnado, Deus revela outra vez a sua proximidade para com a humanidade. Agora, povo de Deus não significa mais exclusivamente filhos de Abraão. Povo de Deus são os pobres. O Espírito de Deus ungiu Jesus de Nazaré e o enviou para anunciar a Boa Nova aos pobres (cf. Lc 4,18). É o ano da graça. Acabou a linearidade, o privilégio. Jesus, filho de Abraão, diz que não importa ser filho de Abraão, pois até as pedras podem ser transformadas em filhos da Abraão. Há um rompimento na genealogia. Jesus não é filho de José. Toda a história é redimida. Não há história que não foi atingida pela criação, pela Encarnação. Toda história é história da salvação.
Em culturas secularizadas, a religião pode se diversificar em diferentes denominações ou filosofias de vida. Entre muitos grupos sociais no Brasil convive uma religião étnico-cultural (religião indígena, candomblé, catolicismo popular) com diferentes denominações religiosas (cristãs) oficiais e externas. Jesus Cristo veio nos unir em torno do Pai. O Deus da VIDA quer unir toda a humanidade, além e através das particularidades religiosas de cada povo.

Verificação do Evangelho em todas as culturas
O Evangelho não tem cultura própria. O Evangelho não tem identidade cultural. A pluralidade e historicidade das culturas impedem reivindicar uma cultura cristã ou evangélica. O Evangelho da VIDA pode ser vivido em todas as culturas porque todas são projetos de vida.
A Evangelii Nuntiandi (n. 20) esclarece o equívoco da “cultura cristã” quando declara: “O Evangelho, e conseqüentemente a evangelização, não se identificam por certo com a cultura, e são independentes em relação a todas as culturas. E no entanto, o Reino que o Evangelho anuncia é vivido por homens profundamente ligados a determinada cultura, e a edificação do Reino não pode deixar de servir-se de elementos da cultura e das culturas humanas. O Evangelho e a evangelização independentes em relação às culturas, não são necessariamente incompatíveis com elas, mas suscetíveis de as impregnar a todas sem se escravizar a nenhuma delas.”
As culturas não necessitam do Evangelho ou do cristianismo que, historicamente, são fenômenos tardios. O Evangelho não pertence ao reino da necessidade, mas da gratuidade. O Evangelho é graça de Deus em expressões humanas. Por isso, o Evangelho necessita do suporte cultural. Para se expressar em diferentes línguas, utiliza conceitos filosóficos, imagens e parábolas disponíveis.

Embasamento cultural do Evangelho
O evangelizador não tem acesso ao Evangelho “puro”, mas ao Evangelho culturalmente situado. Por isso, a chamada “evangelização das culturas” é sempre uma evangelização a partir de um Evangelho embutido numa cultura.
Não existe cultura-modelo ou cultura pura para a evangelização. Evangelizamos sempre a partir de uma determinada cultura que, por sua vez, também é atravessada por estruturas de pecado. Historicamente, o cristianismo foi transmitido a partir de um Evangelho embutido numa cultura hegemônica. O chamado “Primeiro Mundo”, com sua cultura dominante, procurou evangelizar o “Terceiro Mundo”.
Com o Evangelho, podemos chegar a um discernimento frente às estruturas de pecado que atravessam as culturas. Não evangelizamos as culturas ou as „estruturas de pecado“; evangelizamos as pessoas. Não evangelizamos a fábrica, mas os operários da fábrica. Não evangelizamos sistemas, mas grupos sociais e indivíduos. Tentamos transformar estruturas e sistemas, a partir da nossa inspiração no Evangelho. Mas não convém chamar essa transformação estrutural de “evangelização”. A transformação das estruturas é almejada por muitos grupos sociais que não aceitam ser enquadrados numa “ação evangelizadora” propriamente dita.

Cultura e identidade
As culturas são os campos da diversidade, da identidade e da alteridade. Ajudam-nos a reconhecer o Outro e a Outra enquanto sociopoliticamente iguais e autônomos, e culturalmente diferentes.
A mundialização dos mercados e a globalização informática e tecnológica ameaçam a identidade de grupos sociais. A identidade é sempre local, regional e "tribal". Pertencemos a determinados grupos étnicos que, por vezes, coincidem com determinadas nacionalidades. O mundo-mercado sem fronteiras é um mundo sem raízes e sem lealdades.
O Brasil registrou, no passado, três opções de identidade: a identidade como identificação com a Europa; a identidade do laboratório racial e da mestiçagem e a identidade específica que emerge da luta dos diferentes setores sociais.
No fim do século XIX e no início do século XX, os cientistas sociais, como Nina Rodrigues (1862-1906), registravam a persistência de costumes bárbaros, aborígenes e africanos, obstáculos que impediam "o Brasil de chegar ao esplendor da civilização européia". Racismo e eurocentrismo marcaram as análises dessa época.
A Igreja Católica responde à heterogeneidade e suposta "ignorância" religiosa com um amplo movimento de civilização e romanização. As Atas e Decretos do Primeiro Concílio Plenário da América Latina, celebrado em Roma no ano 1899, definem a "civilização" das "tribos que ainda permanecem na infidelidade" como meta pastoral. Tal meta marcava a pastoral da Igreja até o Concílio Vaticano II.
Frente à suposta disparidade desarmoniosa que somente a inclusão na civilização européia poderia sanar, dois eventos da década de 1920 marcam um revés na concepção da identidade nacional. A Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922, e o aparecimento de uma nova religião afro-americana: a umbanda. "Somos, na realidade, os primitivos duma era nova", dizia Mário de Andrade (1893-1945). Seu Macunaíma, herói sem nenhum caráter, representa a síntese personificada e díspar de qualidades indígenas, africanas e européias, o encontro entre selva e asfalto, mito e história. Oswaldo de Andrade (1890-1954), animador do grupo modernista depois da Semana de 1922, em seu Manifesto Antropofágico (1928), explica como a brasilidade incorpora e devora as demais civilizações. Da síntese emerge a originalidade brasileira que é, a rigor, a "originalidade" com que a inteligência mestiça e burguesa tenta resolver a crise de identidade de sua classe, sem recorrer a padrões europeus.
Em nível da religiosidade popular, assiste-se, no mesmo tempo e espaço geográfico da Semana de Arte Moderna, a outro movimento de síntese na gestação de um novo culto afro-brasileiro: a umbanda. Seu céu é habitado por divindades indígenas, africanas e européias. Cada uma das fontes já representa uma "síntese díspar". A contribuição européia está presente não só com o catolicismo, mas sobretudo com o espiritismo kardecista. A umbanda se tornou um instrumento de "confraternização" e adaptação entre negros, "ex-indígenas", mulatos, migrantes pobres e setores da classe média. Ao mesmo tempo, era um instrumento de adaptação à vida urbana e de sobrevivência na vida moderna.
A Semana de Arte Moderna e a umbanda representam um novo olhar da própria realidade, não a partir de fora e em comparação com uma Europa supostamente homogênea, mas a partir da própria diversidade sociocultural e carnavalesca que não permite a hegemonia de um grupo sobre o outro. De certo modo, o movimento teológico-eclesial depois do Vaticano II, com Medellín, Puebla e Santo Domingo, faz a conexão católica com o movimento que pretende dar continuidade ao projeto próprio. Mas, mesmo a "opção pelos pobres" da Igreja latino-americana pode ser lida em chave de um sincretismo heterogêneo, onde embarcam igualmente índios, negros, camponeses, operários e os demais empobrecidos.
Hoje entramos numa nova fase da "continuidade do projeto próprio". À fragmentação das ciências corresponde um momento de diferenciação na abordagem antropológica e social da questão humana. Novos protagonistas, até há pouco tempo considerados irrelevantes para as transformações sociais do mundo, emergem no horizonte da história e nos obrigam a repensar a ação social e a prática eclesial. A partir desses protagonistas, emergem novas teologias (Teologia da Terra, Teologia Feminista, Teologia Índia) e práticas pastorais (CEBs, Movimento Bíblico)

2.5. Evangelização inculturada
Analogia entre inculturação e encarnação
O paradigma da inculturação se inspira no mistério da Encarnação do Verbo. Contudo, trata-se apenas, como o Vaticano II diz, de “uma não medíocre analogia” (Lumen Gentium 8).
Jesus, segundo sua natureza humana, nasceu em Belém e foi criado em Nazaré, onde se enculturou e socializou com sua própria cultura. Até aqui não houve inculturação numa cultura estranha. Ele aprendeu desde criança sua própria cultura como todos nós.
Como pessoa divina, porém, podemos, analogicamente, dizer que Ele veio de “outro continente”, saiu de sua “pátria divina” e se inculturou numa pátria “estranha”, na “pátria humana”.
A Encarnação, portanto, tem algo específico e não pode sem mais nem menos ser identificada com a inculturação. Precisamos sempre distinguir esses dois momentos. Deus despojou-se - São Paulo fala da kenose (Fil 2) - de sua divindade e entrou nessa cultura de Nazaré (inculturação). Mas esse Deus também nasceu como pessoa humana e se enculturou aprendendo com os nazarenos.

Evangelizar com o culturalmente disponível
Como a cultura de nenhum povo é normativa para outro povo, Jesus de Nazaré não padronizou sua cultura para viver e testemunhar a experiência de Deus. Tampouco se fez, no meio de seu povo, o que os etnólogos chamam de “herói civilizador” ou “inovador cultural”. Jesus interveio em sua própria cultura - dentro dos limites da consciência possível de sua época - , quando se tratava de estruturas de pecado no interior do seu povo (crítica do farisaísmo). Para explicar a vontade de Deus, Jesus se serviu em todas as circunstâncias de sua vida do culturalmente disponível.
Jesus não fez empréstimos ou importações culturais para explicar os mistérios de Deus. Não mandou buscar bebida fermentada do Egito para celebrar a Última Ceia com seus apóstolos. Apesar da simplicidade de sua cultura, explicava os mistérios do Reino numa linguagem compreensível para todo mundo, sem empréstimos da Grécia.
O culturalmente disponível não é "qualquer coisa". As diferentes experiências humanas vividas e culturalmente codificadas por grupos sociais não são algo arbitrário ou descartável. São resultado de uma longa experiência histórica. Representam experiências de vida complementares à nossa. Frente ao diferente não sou indiferente, mas tolerante, solidário e atento.
Na primeira evangelização das Américas, as coisas eram diferentes. Quando Bartolomeu de Las Casas celebrou sua primeira missa em Cuba, em 1510, ele escreve que "no se bebió en toda ella una gota de vino, porque no se halló en toda la isla, por haber días que no habían venido navíos de Castilla".[4][4] Uma vez que o vinho não tinha chegado da Espanha, celebrou-se uma "missa seca", antes do Concílio de Trento (1545-1563) ainda permitida.

Normatiavidade da inculturação
A inculturação do Evangelho é um imperativo do seguimento de Jesus (cf. Santo Domingo 13). Ela é normativa para a missão da Igreja e significa descolonização e nova evangelização:
- descolonizar o processo de evangelização (desvincular a evangelização de uma suposta cultura padrão; trabalhar com o culturalmente disponível);
- socializar o Evangelho e traduzir seu projeto de vida, com suas metáforas e parábolas, na cultura do respectivo grupo social (alfabetização evangelizadora em língua materna) para tornar o amor de Deus compreensível e palpável.
É difícil fazer uma declaração de amor numa língua mal falada. É impossível evangelizar a partir de uma cultura não compreendida. Como a alfabetização deve ser feita na língua materna e nunca numa “segunda língua“, assim também a socialização do Evangelho deve ser feita em língua materna, quer dizer, na cultura primeira onde o respectivo grupo social está enraizado. É difícil fazer a experiência de Deus na cultura do colonizador. Na evangelização, não se trata de inculcar conteúdos doutrinários, mas de vibrar com a experiência de Deus.

Conteúdos normativos, ensinamentos paradigmáticos e regras convencionadas
No processo da evangelização inculturada precisamos distinguir três níveis: aquilo que no Evangelho representa conteúdo normativo, o que tem valor paradigmático, como as parábolas, e aquilo que é opção convencional e regra mutável.
Normativo, no Evangelho, por exemplo, é o mistério da Encarnação do Verbo em Jesus de Nazaré. A normatividade do Evangelho nos remete a outra questão: a da identidade do Evangelho. O que deve ser vivido em todas as culturas? O vinho, como matéria eucarística, é normativo ou paradigmático? A inculturação atua no nível paradigmático e convencional. Evidentemente não pode atingir o normativo. Mas o que é normativo no Evangelho?
Com a Encarnação, Jesus de Nazaré não dogmatizou sua cultura. Deu um exemplo para a “Encarnação” do Evangelho em todas as culturas. As parábolas do Reino, é claro, são paradigmáticas, portanto, culturais. Pode-se inventar em outras culturas outras parábolas. A escolha dos Doze, por Jesus, certamente era paradigmática. Quando não era mais possível administrar a Igreja com doze ministros apostólicos, a Igreja aumentou o número. Apesar de o número doze ter uma valor simbólico importante para Jesus, na história da Igreja a necessidade pastoral tinha mais peso do que o valor simbólico das doze tribos de Javé. A “necessidade das almas” é a suprema lei.
A comunidade eclesial tem necessidade de estabelecer certas normas que não estão explicitadas no Evangelho, mas que devem ser concebidas dentro do espírito do Evangelho. Tais opções “convencionais” as encontramos, por exemplo, na lei canônica, em algumas prescrições litúrgicas, na lei do celibato. Sua mudança não envolve a normatividade do Evangelho.

Precariedade da inculturação
Cada inculturação do Evangelho representa uma aproximação precária aos mistérios de Deus. A realidade de Deus não cabe nas linguagens humanas. A evangelização inculturada é um imperativo vivido no “imperfeito histórico”.
Quando Jesus falou da realidade do Reino, contou parábolas. Quando falamos da realidade de Deus, sempre precisamos recorrer a parábolas, metáforas, linguagens poéticas. As definições dos mistérios de Deus em linguagens humanas, sempre são também “falsificações”. Primam mais pela não-semelhança que pela semelhança. A inculturação do cristianismo no helenismo fez esquecer algumas páginas genuínas do Evangelho. Nenhuma inculturação e nenhuma definição chegam realmente perto de Deus. São muletas. Não podem ser normatizadas. Os mistérios de Deus não cabem numa cultura. Alguma parte do Logos, alguma razão divina, está em todas as culturas. Mas nenhuma cultura dispõe do Logos por completo. O Logos se revela em todas as culturas; porém se revela parcialmente. Por isso, sua verificação pluricultural representa a maior aproximação possível aos mistérios divinos.
A inculturação é um processo permanente com etapas diferentes. A primeira etapa é o momento da aproximação. Uma pessoa ou um grupo entra num ambiente cultural estranho; escuta, aprende, começa a comunicar-se. Pela segunda etapa responde o respectivo povo. Ele coloca o Evangelho dentro de sua cultura. Como ninguém consegue colocar a mensagem evangélica plenamente dentro de sua cultura, resta sempre um imperativo para uma inculturação mais adequada. A inculturação não tem um ponto final.

Inculturação e libertação
O paradigma da inculturação não substitui o paradigma da libertação, mas ajuda para aprofundá-lo. A meta da inculturação é a libertação e o caminho da libertação passa pela inculturação. A libertação macro-estrutural exige a proximidade micro-estrutural.
Frente aos grandes problemas do século XXI, a inculturação pode ser confundida com uma fuga da macroperplexidade e das mega-estruturas. O documento “Rumo ao Novo Milênio”, da CNBB, responde corretamente a essa questão, quando afirma: “Deve ficar claro que para nós a inculturação não substitui a libertação, mas a aprofunda” (n. 84). A evangelização inculturada não enfraquece a opção pelos pobres. A pobreza também é inculturada. A inculturação não nos desvincula das grandes questões da humanidade, mas recorre aos lugares, onde tais questões deixam suas seqüelas, recorre aos grupos mais prejudicados.
Trabalhar os grandes desafios de uma época na micro-estrutura dos grupos sociais, no interior de suas culturas, linguagens e visões do mundo -- eis o desafio da inculturação. O “corpo a corpo” da evangelização inculturada “se realiza no projeto de cada povo, fortalecendo sua identidade e libertando-o dos poderes da morte" (Santo Domingo 13).

Identidade e alteridade
No novo paradigma da identidade, a partir do Evangelho, considera a identidade não como algo inclusivo (inclusão do outro no meu universo ou identificação com o universo do outro), nem exclusivo (a=a; b=b; “a” exclui “b”; uma terceira possibilidade não existe), mas como algo dinâmico, convidativo, “cambial” e relacional (o átomo pode ser matéria e onda). Exclusão e inclusão destroem a alteridade e a identidade.
A identidade pode-se descrever somente em frente de uma respectiva alteridade. Não existe uma identidade eclesial em si. A alteridade da Igreja é Deus e o mundo. A identidade do processo de evangelização está na continuidade dos cristãos que fazem a experiência de Deus e de Jesus ressuscitado na prática do Reino, no caminho e na travessia, na partilha e no serviço.
Frente à mimesis aculturativa e evolucionista (alguém quer ser como os outros; o presente deles é o nosso futuro) e frente ao fechamento fundamentalista (depois da volta da "Babilônia" construir muros de proteção em torno de "Jerusalém", do templo, dos seminários, da Igreja), estamos diante dos desafios da "identidade messiânica" de estar no mundo sem ser do mundo. Não excluímos o outro como "terceiro"; o acolhemos, sem identificação com ele e sem incorporação dele no nosso universo cultural.

Intervenção missionária
Não só a evangelização colonizadora, mas também a evangelização inculturada representa uma intervenção cultural. A intervenção missionária se restringe ao testemunho da experiência de Deus e à comunicação dessa experiência social e espiritualmente relevante por palavras, imagens de esperança e relações simétricas.
Viver é conviver e conviver significa também interferir. A nossa “intervenção” é decorrência do nosso estatuto social. Nas condições históricas concretas precisamos estar atentos para a avaliação crítica dessa interação. A nossa presença deve ser avaliada pelo espaço que soube criar para o reconhecimento e pelo protagonismo dos outros.
O Evangelho nos faz cativos dos outros, mas nos impulsiona também, na ternura do amor maior, a “cativar” os outros pobres no meio de nós e nos confins do mundo. À globalização respondemos mediante uma contextualidade universalmente articulada; à exclusão respondemos não pela simples inclusão; descortinamos um horizonte de esperança. O Evangelho nos faz eternamente responsáveis uns pelos outros.

A comunidade missionária relativiza sua cultura
A missão relativiza a cultura do evangelizador e fortalece a identidade cultural-histórica dos outros. O evangelizador relativiza suas expressões culturais matriciais em função da comunicabilidade do amor de Deus; aceita novas matrizes, fortalece o outro assumindo suas expressões, até este ser capaz de se relativizar por sua vez. O Evangelho fortalece a cultura do outro. Mas quando este outro/a se torna cristão, portanto missionário e missionária, o mesmo Evangelho relativiza sua cultura.
No despojamento, na kenose, o senhor da história nos acompanha até os confins do mundo. A cruz e as chagas do mundo assumidas são o “preço” de Sua presença. Mas para os discípulos de Jesus, Suas chagas não são causa de espanto, mas de “intensa alegria” (Jn 20,20). Experiência pascal.
Ser comunidade missionária significa viver o seguimento e a inculturação como solidariedade; significa estar bem com a vida, atento no discernimento, inesgotável na gratuidade do perdão; significa, sobretudo, viver na abertura para o mistério de Deus e do próximo; viver sem fronteiras na diaconia, na partilha e na misericórdia; ser porta e caminho.

2.6. Horizontes abertos
A partir do paradigma da inculturação, hoje, podem-se distinguir três setores no interior das Igrejas. O primeiro procura evitar, tanto quanto possível, a palavra "inculturação". O segundo setor considera este tema inevitável e tenta ler o paradigma da "inculturação", sem mudar as estruturas que dificultam a participação eclesial do povo, em chave tridentina de "conversão", "fundação da Igreja", "integração" ou "adaptação". Também as Conclusões de Santo Domingo ainda não estão livres desta perspectiva e da linguagem do colonizador. A “cultura cristã” e a fé, segundo Santo Domingo, deveriam "penetrar" (machismo!) nas culturas dos povos (SD 35, 161, 229, 302s) e "invadir” (colonizador!) os seus corações " (SD 229) para corrigir o seus erros. Já um terceiro setor fala da inculturação enquanto disponibilidade para a renúncia ao etnocentrismo e colonialismo; fala da disponibilidade ao diálogo e do reconhecimento dos Outros como princípio de identidade da Igreja.
Em seu conjunto, a inculturação permanece até hoje um sonho. Ela exige das Igrejas uma identidade adulta, uma sensibilidade hermenêutica e uma liberdade audaz para acolher a experiência de Deus nos mais diversos projetos de vida dos povos. A realidade pastoral não avançou muito além de adaptações folclóricas. Hoje, se conhece o preço de uma evangelização colonizadora que é a violência e a alienação. Inculturação e diálogo inter-religioso apontam para a felicidade de um mundo reconciliado, portanto, para um mundo sem alienação e violência, onde o estranho, no espaço da proximidade, permanece autônomo e diferente, além de uma heterogeneidade babilônica e de uma unidade produzida pelo abraço mortal da integração no próprio. A inculturação, com seus pressupostos de kenose e gratuidade, permanece horizonte do “encontro feliz” num mundo para todos.

3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

31. Bibliografia geral

AZEVEDO, Marcello de Carvalho. Viver a fé cristã nas diferentes culturas. São Paulo: Loyola, 2001.

COMBLIN, José. As aporias da inculturação. REB, v. 56 e 57, n. 223 e 224, p. 664-684 e 903-929, set. e dez. 1996.

IRARRÁZAVAL, Diego. Inculturación. Amanecer eclesial en América Latina, Lima: CEP, 1998.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.

MIRANDA, Mario de França. Inculturação da fé. Uma abordagem teológica. São Paulo: Loyola, 2001.

PEELMAN, Achiel. L´inculturation. L´Église et les cultures. Ottawa: Desclée/Novalis, 1989.

PHAN, Peter. In our own tongues. Perspectives from Asia on mission and inculturation. Maryknoll, New York: Orbis Books, 2003.

SUESS, Paulo. Inculturação. Desafios, caminhos, metas. REB, v. 49, n. 193, p. 81-126, março 1989. - Também CELAM (Org.). Pastoral indígena hoy en la Amazonia. Bogotá, (Col. Demis, 10), 1989, p. 15-84. - Tb. ELLACURÍA, Ignacio; SOBRINO, Jon (Orgs.). Mysterium liberationis. Conceptos fundamentales de la Teología de la Liberación. 2 vols., Madrid: Trotta, 1990, vol. 2, p. 377-422.

SUESS, Paulo. Apontamentos para a evangelização inculturada. In: COUTO A. Márcio; BATAGIN Sônia (Orgs.). Novo milênio. Perspectivas, debates, sugestões. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 11-52.

SUESS, Paulo. O paradigma da inculturação revisitado. Apontamentos para itinerário, limites e desafios de um conceito frente ao pluralismo religioso. In:

TAVARES, Sinivaldo S. (Org.). Inculturação da fé. Petrópolis: Vozes, 2001.

TORRE ARRANZ, Jesús A. Evangelización inculturda y liberadora. La praxis misionera a partir de los encuentros latinoamericanos del postconcilio. Quito: Abya-Yala, 1989.


3.2. Documentos eclesiais

PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, 1975.

JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, 1979, n. 53.

JOÃO PAULO II. Carta Encílica Slavorum Apostoli, 1985, n. 21.

JOÃO PAULO II. Carta Encílica Redemptoris Missio, 1990, n. 52-54.

CONCLUSÕES DA IV CONFERÊNCIA DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO (SANTO DOMINGO). 1992, n. 13, 15, 24, 30, 33, 43, 49, 53, 55, 58, 84, 87, 102, 128, 177, 224, 230, 243, 248, 250, 253s, 256, 271, 279.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Rumo ao novo milênio. Projeto de evangelização da Igreja no Brasil em preparação ao grande jubileu do ano 2000. São Paulo: Paulinas, 1996 (Série Documentos da CNBB 56).
[1][1] Carta de José de Anchieta ao segundo Geral da Companhia de Jesus, Diego Laynes, escrita em São Vicente (14.4.1563), apud S. LEITE, Cartas dos primeiros Jesuítas do Brasil, vol. III, Coimbra/São Paulo, 1958, p. 554.
[2][2]Michel de Montaigne, Essais [1588] , I.23 e I.31.
[3][3]Silvio Castro (ed.), A carta de Pero Vaz de Caminha, Porto Alegre, L&PM, 1985, pp. 95s.
[4][4]Bartolomé de Las Casas, História de las Indias, liv. II, cap. 54.