segunda-feira, 21 de março de 2011

ESCATOLOGIA

  • Por que vivemos?
  • Qual o sentido da vida?
  • Será que existe sentido?
SEGUNDO A FILOSOFIA

“O ser humano não tem sentido, mas deve criar através de sua vida” (Albert Camus)
“A existência humana não tem sentido nenhum” é absurda. (Sartre)

Será isto mesmo ou será que o ser humano tem um sentido a mais.


A partir da fé qual a resposta?

Sim! A existência humana não só tem sentido, mas ela tem sentido em Deus.

Em que consiste este sentido?
Será que estamos simplesmente existindo ou será que temos uma tarefa a cumprir?

Deus estabeleceu um diálogo conosco que culmina num convite e numa vocação

Introdução:




ESCHATON = singular grego – futuro absoluto

Escatologia = estudo do futuro absoluto; estudo sobre as realidades posteriores à vida terrena do homem e a historia da humanidade = doutrina cristã sobre o futuro e a consumação.



A escatologia compreende dois aspectos principais: a escatologia cósmica e a escatologia individual .

Pretende-se em primeira instância tratar algumas das questões de referência comunal e cósmica. Por outro lado, pretende-se dar mais ênfase aos aspectos individuais da temática. Neste estudo são os aspectos individuais que serão enfocados, pois são nestes elementos da temática que o indivíduo se vê em necessidade pessoal de estar relacionado devidamente com Deus. A escatologia reúne um apanhado de conceitos que sofreu muita transformação ao longo do trajeto revelacional do povo de Israel. As expectativas escatológicas foram em muito modificadas através do tempo, incluindo o caso de muitas correntes que nem mantinham conceitos propriamente escatológicos .



Não existe um só conceito unificado e sistemático na Bíblia referente a questões de escatologia, mas vários conceitos com enfoques diferenciados. Estas diferenças se devem ao caráter progressivo da revelação em termos da escatologia. Ao mesmo tempo, pode-se delinear que há em várias passagens do Antigo Testamento, da literatura judaica até o primeiro século e do Novo Testamento uma consciência “de que Deus agirá de forma decisiva no futuro,” fazendo surgir um contexto diferente e novo . Em muitos casos essas conceitualizações são expressas em termos de uma volta a um tempo primordial ou ideal, como no Éden .





No estudo da escatologia, muito se tem dito e publicado sobre o livro de Apocalipse.

Grande parte dos posicionamentos referidos é simplesmente feitas em ignorância.

Pode ser um tanto mais difícil determinar com precisão o que se pode dizer com certeza, mas deve ser um alerta para todo intérprete a vasta literatura que tem sido escrita e descartada, especialmente entre aqueles que querem definir com base nesta carta a predição da época e as condições do fim do mundo. Vários “intérpretes” já pronunciaram erroneamente a data certa do fim do mundo. As palavras de Jesus deveriam ser o suficiente para o cristão: “Vigiai, pois ninguém sabe quando será aquele dia, a não ser o Pai”. Certos assuntos não cabem ao ser humano definir. Afinal, foi para um relacionamento de fé que fomos convocados.





A escatologia clama por uma integração com:



Cristologia, Eclesiologia, Liturgia, Historia da Igreja, teologia Eucarística, teologia do Espírito Santo, teologia da Trindade.



Antes de começar este estudo sobre as ultimas realidades do homem e do cosmos é importante um retorno a textos fundantes de nossa fé; como a reflexão sobre a criação que esta presente no livro do Gênesis. O tema abrange as realidades ultimas do homem e do cosmos: ressurreição, céu – inferno, vida – morte e Reino de Deus. Estas categorias estão presentes em toda a historia do povo de Deus, chegando a sua máxima revelação em Jesus Cristo, centro no qual toda vida humana e cósmica recebe a sua explicação.

Gên. 1,4ss = Criação – Homem – Mulher – Cosmo.


Jardim = vida plena; sonho de todo ser humano


Pecado = serpente = ser igual a Deus; ruptura com a vida

Fratricídio = desarmonia homem/natureza

Aqui começa o projeto de salvação para resgatar o homem desta situação de ruptura com a vida.

Nosso estudo vai tentar responder qual é o sentido da vida para este homem que rompe com Deus.

Ef. 1,3-14 => Jesus ressuscitado no centro da historia dando sentido para o que acreditamos hoje.

Escatologia Individual = a morte de cada ser humano, juízo – inferno – paraíso (os novíssimos) do homem.

Na doutrina católica, os últimos acontecimentos que afetarão cada indivíduo no fim de sua jornada terrestre são chamados de "Novíssimos".

São eles: morte, juízo particular, purgatório, inferno e paraíso.

O estudo dos Novíssimos também é conhecido como Escatologia individual, pois trata exclusivamente do estudo individual do destino das almas após a morte, diferenciando-se assim da Escatologia coletiva, que visa estudar os últimos acontecimentos relativos a toda a humanidade, segundo a mesma óptica cristã.

O termo "Novíssimos" é de origem bíblica, e pode ser encontrado no livro do Eclesiástico (também conhecido como Sirac), presente nos dias de hoje apenas nas edições católicas da Bíblia: "Em todas as tuas obras, lembra-te dos teus novíssimos, e jamais pecarás". (Eclo 7,40). Desde os primeiros séculos de tradição cristã, é de costume nos mosteiros e abadias o exercício mental da lembrança da morte e suas conseqüências, como forma de disciplinar o coração e cultivar suas virtudes.

Definição:

Escatologia: Estudo do futuro absoluto, estudo sobre as realidades posteriores a vida do homem e a historia da humanidade.

Escatologia é Esperança =/= desespero.

A ressurreição de cristo vem para libertar não só o homem, mas sim todo o cosmos.

Reino de Deus definitivo só se dá no momento Escatológico.

O estudo escatológico não esta tanto preocupado em responder a pergunta sobre o modo como acontecerão as ultimas realidades.

Ela quer provocar as pessoas a tomarem uma atitude diante de sua realidade.



Não são informações históricas descritivas, nem são visões proféticas antecipadas para o futuro, mas é teologia no sentido mas estrito do termo; fala do absoluto de Deus em relação ao homem e do homem em relação a este absoluto. (como perdão, esperança, mas também como justiça). Esse núcleo é vestido de imagens, reflexos de experiências, traduzidas dentro do espaço hermenêutico em que vive.



1- Uma correta concepção da historia.

A Escatologia refere-se ao que já aconteceu e aquilo que esta por vir, (a presença de Cristo no mundo) = fim já apareceu



• ESCATON (Jesus é entendido como o grande ESCATON)

A historia deve ser entendida não como o movimento de um relógio celestial, mas como o reino de atividade significante de Deus. O tempo na Bíblia nunca é entendido como o Kronos filosófico, abstrato, mera sucessão de instantes, mas é o Kairós de Deus. A doutrina bíblica de Deus é do Deus que se revela na historia. A historia é o período Kairós de Deus.



Kronos = impessoal e vazio de propósito.

Kairós = possui um propósito definido, (a realização humana). Tempo forte de Deus.

Transformação do kronos em kairós para fazer com que o kronos seja um tempo forte de Deus, reino de Deus na historia.

• Pressupostos para se tratar a escatologia.



a) A atenção às utopias históricas: o ser humano é marcado por utopias que se caracterizam como impulsos que nos levam para frente. Essas utopias mudam de acordo com o contexto vital de cada pessoa.



Utopia no Aurélio: sistema ou plano que parece irrealizável. Reino de Deus = utopia.

São as utopias que nos trazem vida, devemos alimentar as utopias.



b) A centralidade da mediação absoluta e do mediador absoluto.

Mediação = intervenção – ato de mediar

Mediador = diz-se do que intervém – medianeiro

Necessidade de um mediador => ruptura do pecado

Humano, separação entre criador e criatura (Gn 3,4)

Desarmonia entre criação e criação (Gn 3,18-19)

Rompimento entre os seres humanos (Gn 4,1-6)

A redenção do humano é elaborada por Deus dentro de uma economia da salvação.

Através dos profetas, Deus forma seu povo na esperança da salvação, na expectativa de uma aliança nova e eterna destinada a todos os homens, e que será impressa nos corações (Jer 31,31). Os profetas anunciam uma redenção radical do povo de Deus, a purificação de todas as suas infidelidades (Ez 36).


Uma salvação que incluirá todas as nações (Is 49,5-6). Serão sobretudo, os pobres e humildes do Senhor os portadores desta esperança.

Para realizar o resgate da criação, o Verbo eterno se faz carne e se faz mediador desta restauração e habita entre nós. (Fundamentação Bíblica, Jo 14,6; Tm2,5; Hb8,6)

A possibilidade da mediação tem suas raízes na doutrina das duas naturezas:

(Concílio de Calcedônia 451 d.C) => um e mesmo Cristo filho do Senhor unigênito, em duas naturezas, reconhecível sem mistura, sem mudanças, sem separação.

Jesus de Nazaré é o paradigma do novo Homem, a função soteriológica e escatológica da morte de Cristo.

Paulo insiste que Cristo viveu as condições terrestres e morreu por todos (2Cor5,14).

Na fraqueza da cruz, Deus agiu de forma definitiva e total para a salvação do homem/mulher; na sua impotência nos foi comunicado a força de Deus.

Salvação acontece sempre que o modo de existir e de viver de Jesus for imitado pelos homens.

A cruz de Cristo aponta para a ressurreição; as cruzes da historia, quando assumida a exemplo de Jesus, aponta para a ressurreição, para a plenificação desta historia.

O projeto reino de Deus acontece dentro da historia humana, este projeto, portanto, não é somente de avanços, mas, compreende retrocessos, visto que o agir humano é determinante neste processo. O projeto é dialético, há tensões que o faz hora ampliar-se, hora regredir. Valores do reino de Deus se ampliam e diminuem. Neste momento vemos que valores do anti-reino crescem, esta é a tensão que podemos chamar de já e ainda não, vivemos entre o reino de Deus que já chegou, mas, que ainda não chegou. Como compreender isso? Isso acontece porque o ser humano esta dentro do processo de fazer crescer o reino de Deus, esta é a nossa vocação. Mas corremos um perigo que é importante conhecer, é o perigo de impedirmos o reino de acontecer. A mesma pessoa que pode fazer crescer os valores do reino, também pode barrar este processo de crescimento do reino de Deus.

Um exemplo típico do que digo é quando vem alguém com uma boa idéia dentro de determinado grupo ou dentro da Igreja, e, por alguma razão, muitas vezes pelo simples fato de não ser minha a idéia, ou de não gostar da pessoa eu barro aquela idéia de se concretizar. Estas ações cortam a proposta de fazer crescer o reino, quando agimos assim, estamos sendo anti-reino. O seguimento de Jesus é que nos torna construtores do reino.

Cristo morto e ressuscitado se torna sacramento daquilo que acontecerá com todos os sofredores da historia presente.

Nós somos chamados a ser construtores do reino, este é o sentido de nossa vocação, mas este sentido não para aqui, não somos apenas trabalhadores do reino, somos chamados por Deus a participarmos da vida plena da existência humana, e esta vida plena só se alcança a partir da experiência da morte e ressurreição. Nossa vida plena começa na morte.

A Morte:

A morte é apresentada hoje como algo acidental e não algo natural. Isso nos torna despreparado para a morte.

O luto é algo terapêutico e saudável, pois nele nós vamos saber o que nós perdemos e não quem perdeu.

No luto nós revivemos, relembramos a pessoa perdida.

Sem morte não tem herança. A vida plena é nossa herança.

As crianças tem que ser levadas ao velório, para entender a morte, o ritual da morte é importante porque nos faz vivenciar o momento da despedida e da partida.

No momento da perda, o silencio dos amigos ajuda muito, só estando presente, não é necessário dizer nada.

Não é fácil preparar a criança para a morte, mas é necessário; na morte todo ser humano vai ser transformado. É como uma semente que se transforma em arvore.


As pessoas estão fugindo da morte

‘Das colunas das revistas aos outsoors que vemos nas ruas, rostos jovens riem e sorriem para nós. Quase não se apresenta reportagens sobre asilos de velhos. O Brasil é nação jovem. O que sabemos sobre a morte se reduz a um conhecimento geral que, é muitas vezes reprimido. Não se fala da morte.

Não existe morte

O que lemos sobre pessoas acidentadas e vítimas fatais só se referem aos outros, nunca a nós mesmos. A morte está confinada ao outro lado dos muros dos hospitais e das UTIs, ou, então, presta-se ao sensacionalismo de alguns telejornais.

As pessoas não gostam de falar da morte, mesmo em caso de falecimento de familiares mais ou menos chegados. E apesar disso, encontramos na morte o grande mistério do ser humano. Se questionarmos o que vem a ser o homem, então a resposta a essa pergunta dependerá sempre, de algum modo, da maneira como nos posicionamos ante a morte de determinado homem. Não ante a morte do homem como indivíduo, mas, sim, ante a própria morte como fato.

Fugir da reflexão sobre a morte significa fugir da reflexão sobre o homem.

O ser humano com toda a sua grandeza e a sua fraqueza, com a sua procura do infinito e a lembrança constante das limitações que lhe são impostas pela sua condição humana. Talvez seja isso que nos impede de tratarmos, frente a frente, da questão da morte.

Se a morte significa o fim propriamente dito, então é certo dedicar-se à vida e esquecer a morte: assim, não há morte porque eu a reprimo, e com razão. Assim, a morte não existe porque é apagada do meu consciente para que eu possa viver. O que conta então é a vida e nada mais. E à medida que a vida se mostra sem sentido, a morte também se torna fato absurdo que, de repente, surpreende o ser humano.

Ocupar-se da morte torna-se um ocupar-se com a vida

Quem se esquivar da discussão sobre a morte se esquivará da discussão sobre o que chamamos vida.

“morrer é parte integrante da vida, tão natural e previsível quanto nascer”. “mas, enquanto o nascimento é motivo de comemoração, a morte transforma-se em terrível e inexprimível assunto, a ser evitado de todas as maneiras na sociedade moderna. Talvez porque nos lembra a nossa vulnerabilidade humana, apesar de todos os avanços tecnológicos”. Portanto, para esquivar-se dessa aniquilação, é simplesmente lógico aspirar ao prolongamento da vida. Mas o sentido da vida humana não pode ser deduzido a partir da própria duração da vida. Muito pelo contrario, o prolongamento da vida, por sua vez, nos leva de volta à pergunta sobre o sentido deste prolongamento.

A esperança na vida após a morte elimina o medo ou não?

O homem se vê diante de uma contradição fundamental a este respeito.

De um lado, ele deve aceitar a própria morte; de outro, tem uma vontade imanente de viver.

Percebe-se claramente, que esta contradição só pode ser eliminada mediante uma atitude que proporcione a esperança num “depois da vida”.

Contudo, nem mesmo aceitando uma vida após a morte desaparece a indagação, afinal, “Que divindade é esta, que, tendo criado o ser humano, deixa-o, depois, tronar-se comida para vermes?” Assim formulou o problema o famoso filosofo Kierkegaard.

A fé transmite uma imagem de Deus aos fiéis, e estes serão sustentados por ela no momento do morrer. Esta mesma imagem, contudo, poderá tornar-se mais um motivo de medo e angustia. Não dá para negar que, em geral, as pessoas tem medo da morte, e, em muitos casos, este medo não está sendo diminuído pela sua crença religiosa em Deus, mas aumentando.

Nos deparamos assim com o grave fato de que a fé, em muitos casos, não tira a angústia das pessoas diante da morte nem diante do que vem depois.

Ao analisarmos o caso mais de perto, podemos verificar que, ainda hoje, estamos colhendo os frutos de uma catequese que, durante séculos, trabalhou demais com uma pedagogia centrada na ameaça religiosa, ao invés de acentuar o amor.

A conseqüência deste fato é um medo muitas fezes reprimido e inconsciente, diante de tudo aquilo que vem depois da morte.

Esse medo encontra as suas razões nos seguintes conteúdos religiosos:

• Uma falsa imagem de Deus (Deus vingador)

• Ameaças metafísicas indiretas

• Ameaças apocalípticas de um Deus punidor

• Ameaças de ser seduzido pelo diabo

• Ameaças de acabar no inferno

A atitude psicossocial diante da morte

Uma pessoa que morre quebra a rotina daqueles que a rodeiam. Pelo menos isso acontecia até o começo deste século, quando o morrer se dava junto à família. Como se dizia antigamente, depois de ter posto em ordem seus assuntos terrenos, o moribundo se deitava para morrer, rodeado de amigos, familiares e empregados da casa.

O falecimento era um ato público que, com toda a sua dignidade e solenidade, expressava a seriedade do que acontecia ali.

Philippe Ariès, em seu livro O homem diante da morte, relata que “os médicos higienistas do fim do século XVIII começaram a se queixar da multidão que invadia o quarto dos moribundos. Até desconhecidos da família podiam entrar na casa e no quarto do moribundo.

A morte é vivida e vivenciada como acontecimento de caráter totalmente público e, justamente por não ser oculta, torna-se ainda mais comovente.

“Ainda no inicio do século XX, digamos até a guerra de 1914, em todo o Ocidente de cultura católica ou protestante, a morte de um homem modificava solenemente o espaço e o tempo de um grupo social, podendo estender-se a uma comunidade inteira, como, por exemplo, a aldeia. Fechavam-se as venezianas do quarto do agonizante, acendiam-se as velas, punha-se água benta: a casa enchia-se de vizinhos, de parentes, de amigos murmurantes e sérios. O sino dobrava a finados na igreja de onde saía a pequena procissão que levava o Corpus Chisti...”

Com a instituição da assistência médico-hospitalar, com a transformação das condições habitacionais, do ambiente social e das convenções da sociedade, sobretudo no contexto das cidades grandes e das aglomerações industriais, tudo mudou. A morte perdeu o seu caráter de cerimônia publica e tornou-se ato de caráter cada vez mais privado.

O hospital também se tornou o lugar normal para se morrer. Isso não significa só a privatização do morrer, mas, na maioria dos casos, a alienação do morrer.

Desta maneira, o morrer fica desprovido de seu sentido e assim não estamos mais conscientes do fato de a morte ser parte integrante da vida.

O morrer perdeu sua dimensão humana, ou esta dimensão foi reprimida. O falecimento de um ser humano se transforma, deste modo, em caso clínico, e a morte em falência da arte da medicina.

Morrer perdeu a dimensão humana

Mais e mais vozes tem-se manifestado, nos últimos anos, contra a coisificação do ser humano nas Utis de clinicas especializadas em atendimento de casos fatais.

Devemos perguntar-nos porem, onde há lugar para a religião em tudo isso. Que resposta dar às perguntas sobre o sentido da morte?

Parece que para muitos, a morte alcança o significado de humilhação para todos aqueles que se esforçam por salva vidas.
A experiência da morte é uma das mais generalizadas e múltiplas em nosso continente: morte física e moral, individual e coletiva, como acontecimento inevitável e fruto da limitação humana... Cerca de 110.000 pessoas morrem de fome por dia no mundo, totalizando 50.000,000,00 milhões por ano, das quais 17 milhões são crianças menores de 5 anos.

É tarefa urgente de uma teologia libertadora despertar a consciência para o significado humano e sacramental daquele acontecimento que chamamos “o fim da vida”

Devemos redescobrir o Deus da vida, para que assim a morte se transforme em vida; em vida real que se realiza na historia concreta, transformando esta historia naquele reino da vida que Jesus Cristo denominou o Reino de Deus.




Comportamento do moribundo em face do morrer



Em tempos normais, agimos sem realmente jamais acreditar em nossa própria morte; como se acreditássemos piamente em nossa imortalidade física. Tencionamos dominar a morte.

Quando estamos para morrer, isto não é mais possível.

E assim o ser humano se encontra perante o conflito fundamental entre aceitar este fato e a sua vontade imanente de autoconservação. “Saber que o homem é comida para vermes. Este é o terror: ter emergido do nada, ter um nome, consciência do próprio eu, sentimentos íntimos profundos, um cruciante anelo interior pela vida e pela auto-expressão e, apesar de tudo isso, morrer. Parece uma burla, pela qual um tipo de homem cultural se rebela ostensivamente contra a idéia de Deus. Que espécie de divindade criaria tão complexa e extravagante comida para vermes?”

O morrer do homem tem ou não tem um sentido?

A morte humana nada mais é que o inexplicável escândalo de uma vida que termina?

Ou será que esta morte deve ser encarada como novo começo?

No morrer de Jesus, assim como no de qualquer outro ser humano, surge o paradoxo insolúvel de que ali se finda algo que nuca mais e de modo nenhum podemos reencontrar nesta nossa vida aqui.



O comportamento genérico do moribundo diante da sua morte (cf. ELISABETH KUBLER-TOSS, pesquisadora em tanatologia)



5 fases



1. CHOQUE, INCREDULIDADE

Ele não quer aceitar o fato como verdadeiro

Isola-se.

Apesar disso, pode ser que ele gostasse de falar com alguém sobre sua morte iminente:

Regas:

1. A conversa deve realizar-se quando o moribundo a quer. (não quando o interlocutor a quer)

2. Ela deve ser interrompida quando o moribundo não mais a pode agüentar. (nesta fase, a flutuação entre aceitação e rejeição é normal.)

3. Não fugir, quando o doente quer falar; mas não forçar, quando ele não quer.



2. IRA, RANCOR, RAIVA, INVEJA

Por que logo eu?

Brigas com Deus e com o mundo

Uma fase difícil também para enfermeiras, médicos, amigos.

O moribundo se compara com outros:

Regras:

1. A ira do doente não é contra mim pessoalmente

2. Ser tolerante

3. Estar consciente de que as provocações do doente são manifestações de seu desespero



3. NEGOCIAÇÃO

Tentativa de prorrogar o inevitável (através de “promessas”).

Detrás deste comportamento se esconde muitas vezes o sentimento de culpa (importante para o sacerdote).



4. DEPRESSÃO

Sentimento de perda irreparável

Perda em direção ao passado: saúde, amigos, profissão, finanças... (significa grande ajuda quando acalmamos o paciente, mostrando que os problemas causados por sua doença estão resolvidos.)

Perda em direção ao futuro: O paciente se prepara para a perda de todas as coisas e de todos os homens que ele amou.

Regras:

1. O paciente tem o direito de ficar triste. (seria falso querer impedi-lo de formular sua tristeza.)

2. Deixá-lo exprimir sua tristeza. Ficar com ele, escutar sem dizer que ele não deve ficar triste.

3. Esta fase é necessária para o doente poder aceitar depois sua morte.



5. ACEITAÇÃO, APROVAÇÃO

O homem consente a morte

O moribundo nesta fase está calmo, ele aceitou.

Regras:

1. O moribundo precisa de nossa presença. (sem falar, gestos são importantes.)

2. Nesta fase, é muitas vezes a família que precisa de mais ajuda do que o moribundo.



Regra geral:

Ficar aberto às necessidades do moribundo

Nunca lhe destruir as esperanças

Aceitar quando ele quer falar sobre a morte

As fases podem ficar paralelas, não devem se seguir necessariamente uma após a outra

Na aproximação da morte, o moribundo reage como se tivesse um sistema interno que lhe sinaliza esta aproximação.



Diante deste fato inegável, chega ao fim tudo aquilo que as pesquisas da Psicologia e da Tanatologia ou da Medicina tem para oferecer.

O único discurso que ainda pode agir, agora, é o da fé.



O que deveria fazer uma pessoa que acompanha o moribundo?



a. ESTAR COM O PACIENTE

Só isso!

Hoje, sentimos constrangimento com uma pessoa que não está fazendo nada.

Mas aquilo de que o moribundo precisa é exatamente isso: UMA PESSOA QUE ESTEJA COM ELE.

b. A presença do sacerdote pode reduzir também a insegurança do pessoal hospitalar, que “nada mais pode fazer”.

c. A presença do sacerdote pode melhorar a vida interpessoal do moribundo.

d. A presença do sacerdote demonstra ao pessoal hospitalar e aos visitantes: ESTE MORIBUNDO É AINDA UMA PESSOA QUE MERECE ATENÇÃO.



Numa situação destas, uma teologia baseada na boa nova de Jesus Cristo é chamada a dar novo testemunho. Deve essa teologia testemunhar que o nosso Deus é o Deus da vida, denunciando as situações de morte. E, ao mesmo tempo, deve dar testemunho de que o sentido do morrer se relaciona inevitavelmente com o sentido da vida. Baseada nesta convicção, a fé em Jesus Cristo pode libertar do terror, em face da morte.



Vejamos o texto da 1Cor 15,12-18.20-22, ele tem todo o mistério da esperança humana e da lealdade de Deus.



Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como dizem alguns de entre vós que não há ressurreição de mortos?

E, se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou;

E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé;

E assim somos, também, considerados como falsas testemunhas de Deus, pois testificamos de Deus, que ressuscitou a Cristo, ao qual, porém, não ressuscitou, se, na verdade, os mortos não ressuscitam.

Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou;

E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados;

E, também, os que dormiram em Cristo estão perdidos. Mas, agora, Cristo ressuscitou dos mortos, e foi feito as primícias dos que dormem.

Porque, assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem.

Porque, assim como todos morrem em Adão, assim, também, todos serão vivificados em Cristo.



Nestas frases está fundamentado o que, como novo constitutivo, deve determinar a vida e a morte das pessoas: a fé em que aquele Deus da vida também é leal e conserva esta lealdade para com o homem para além da morte.



Deus ressuscita dos mortos!



Se ele assim procede, podemos então deduzir que isso não acontece apenas para tornar a impelir o homem ressuscitado para o nada, condenando-o. para tanto, não seria preciso que Deus primeiro o salvasse da morte.

Assim sendo, conclui-se ser possível vencer a angustia ante a condenação e o julgamento com ousada confiança básica naquele que faz reviver para a vida, e não para a morte;com ousada atitude de fé naquele Deus que só tem boas intenções para com o homem.

O Deus anunciado por Jesus é o Deus amoroso, “o qual faz viver os mortos e chama à existência as coisas que não existem” (Rm 4,17).

O homem é salvo, porque Deus o adotou como filho em Jesus Cristo.



Deus nos ama à maneira de Deus: SEM LIMITES.

E tudo isso porque Deus amou o ser humano como somente ele poderia amar, ou seja, infinitamente.



O homem é aceito e amado, apesar DE SUA CULPA.

Essa convicção requer coragem, exige a coragem de se confiar totalmente em Deus, de deixar “Deus estar aí para mim”. Isto foi o que Jesus fez, e sem se decepcionar.



Com isso, podemos dizer que: Não há nem haverá fim com a morte! Tampouco haverá na morte tirano vingativo, e sim o Deus que ama e perdoa. Não haverá choro apocalíptico nem ranger de dentes, e sim a feliz união com aquele que desde o inicio me amou.

Nesta verdade consiste a verdadeira boa nova que Jesus nos trouxe.



Uma fé confiante na salvação deve se transformar em pratica de vida

A primeira tarefa do Cristão não é cuidar de sua própria salvação. A primeira tarefa do cristão é trabalhar para que o reino de Deus se realize.



O medo da morte e do inferno, ainda hoje tão freqüente entre os cristão, manifesta que, neste contexto, o discurso teológico não atingiu mudança significativa de consciência em vastas camadas da população. Mas convém notar que já passou o tempo em que “as supostas mensagens cristãs puderam usar a morte como instrumento para a manipulação do ser humano, pintando a morte dos ateus com cores horripilantes”.



A superação da força opressiva do inferno liberta para a supressão dos infernos do mundo

Se a partir da visão do Cristo ressuscitado, o inferno e sua força opressiva perdem seu significado, é este fato então que libertará o homem, que poderá assim dedicar-se à superação dos infernos deste mundo.



• CONCEPÇÃO DUALISTA DO SER HUMANO

Alma é um termo que deriva do latim anima, (grego: psy•khé) este se refere ao princípio que dá movimento ao que é vivo o que é animado ou o que faz mover.

Religiosamente definida como um ser independente da matéria e que sobrevive à morte do corpo, que se julga continuar viva após a morte do corpo, podendo o seu destino ser a beatitude celestial ou o tormento eterno.

Segundo este ponto de vista, a morte é considerada como a passagem da alma para a vida eterna, no domínio espiritual.

As conotações que o termo "alma" geralmente transmite à mente da maioria das pessoas provêm primariamente, não do uso dos escritores bíblicos, mas da antiga filosofia grega.



HOMEM = CORPO + ALMA



• CONCEPÇÃO ATUAL

O termo hebraico para alma é né.fesh. Num sentido literal, exprime a idéia de um "ser que respira" e cuja vida é sustentada pelo sangue.

Os termos das línguas originais (hebraico: né•fesh; grego: psy•khé), segundo usados nas Escrituras, mostram que a “alma” é a pessoa, o animal ou a vida que a pessoa ou o animal usufrui.

As conotações que a palavra portuguesa “alma” geralmente transmite à mente da maioria das pessoas não estão de acordo com o significado das palavras hebraicas e gregas usadas pelos inspirados escritores bíblicos.

A Bíblia não diz que temos uma alma. ‘“Nefesh’ é a própria pessoa, sua necessidade de alimento, o próprio sangue nas suas veias, seu ser.” — The New York Times, 12 de outubro de 1962.



HOMEM = EMOCIONAL + PSIQUICA + MATERIAL + COSMICA + HISTORICA + DIMENSÃO PESSOAL (EU)



• RESGATE DE IDÉIAS CHAVES

ESCATOLOGIA: pé no chão – realidade nova, preparada por Deus.

Escatologia é esperança de que a MORTE não é aniquilação, mas transformação.

Vencemos o dualismo da pessoa. Caminhamos para uma visão conjunta da pessoa humana.

Jesus ressuscitado – paradigma

SEMENTE = TEOLOGIA PAULINA

A semente lançada a terra, morre, seca, e neste momento gera vida nova.

Ressurreição no momento da morte.

Na morte, a alma não se separa do corpo, o ser humano é uma unidade que jamais poderia ser dividida em dois princípios, chamados corpo e alma. Conseqüentemente também não é possível que, na morte, uma alma se separe do corpo. A ressurreição da pessoa inteira acontece na morte.

Esta pessoa, na morte, entra em nova dimensão sem tempo, chamada eternidade. Neste momento, o tempo deixa de existir como dimensão existencial desta pessoa. Para ela, a morte significa “o fim dos tempos”.

Como não há tempo, não pode haver passagem de nenhum tempo entre um acontecimento e o outro. Por causa disso, é impossível uma alma ficar separada do corpo na eternidade, aguardando ali a ressurreição do corpo.

A ressurreição da pessoa humana em corpo e alma acontece no momento de sua morte, quando esta pessoa inteira e integralmente sai de sua ligação ao tempo e entra em nova dimensão, chamada eternidade.

A morte não é uma aniquilação do ser humano, mas uma transformação de todo o seu ser

Na morte, o homem inteiro está sendo transformado, o nome para esta transformação é RESSURREIÇÃO.

Na morte morre tudo aquilo que constitui o ser humano. A morte não é só a aniquilação do corpo, ela é, ao mesmo tempo, também uma aniquilação da alma espiritual.

Nosso Deus não quer a morte, ele dá nova vida àquele que está morto. Ele é um Deus da vida que ressuscita os mortos, e isso ele provou ressuscitando Jesus!

A morte não é um fim, mas uma profunda e completa transformação do ser humano em todas as suas dimensões. Mas apesar desta transformação, mantém sua identidade.
No final do processo do morrer, a vida vivida até então torna-se propriamente definitiva e inalterável daquele que a viveu. Durante a vida, nunca era assim. Sempre era possível recomeçar. Sempre era possível corrigir e refazer. Nada, de certa maneira, era definitivo, porque a vida sempre oferecia nova oportunidade, novo começo.

Com o fim da vida, esta possibilidade de recomeçar terminou.

Não se pode mais mudar nenhum dos atos nem as conseqüências destes atos realizados durante a vida.

Não é mais possível mudar a própria personalidade.

No momento da minha morte, eu sou exatamente aquilo que fiz de mim no decorrer da vida!

Neste sentido, podemos dizer que a morte põe o ser humano face a face com o que fez de si durante a vida.

Não há mais possibilidade de fugir de si mesmo ou de suas culpas.

Na morte o homem se torna definitivo e também tudo aquilo que ele fez se torna definitivo.

Na morte o homem conhece a si mesmo.

Na sua morte, a pessoa humana não se encontra com um soberano aterrador

Na sua morte, o homem reconhece pela primeira vez todo o seu ser.

Este conhecimento de si mesmo em todas as suas dimensões, no entanto, não é um conhecer isolado, individual e dirigido unicamente em si mesmo. Ele bem pelo contrario, é uma tomada de consciência dinâmica não só perante a pessoa em si mesma, mas também, e muito mais, perante Deus.

Na sua morte, o homem se encontra com Deus.

Com tudo o que fez de si no decorrer de sua vida, o homem se defronta com Deus. Ele se encontra com o amor de Deus como pessoa feita e definitivamente formada.

Defrontando-se com este amor, o homem reconhece tudo àquilo que fez de sua vida, e também tudo o que está devendo ainda.

Por ocasião deste acontecimento, o homem talvez reconheça pela primeira vez, com toda a clareza e perante o amor de Deus, o que “ele fez de si na sua própria liberdade: e o que, possivelmente, está muito distante do Deus criador é afirmativo.

É nesta situação, em que o homem não pode acrescentar mais nada à sua vida, porque já está morto, que entra de novo a boa nova de um Deus de amor.


É também nesta situação que vem a tona aquilo que na doutrina cristã se conhece pelo nome de “PURGATÒRIO”.

A convicção básica que se encontra nesta noção, tantas vezes mal compreendida ou rejeitada.

Deus quer a salvação do homem, e não sua perdição.



“não nos destinou Deus à ira, mas sim a alcançarmos a salvação por nosso Senhor Jesus Cristo”. (1 Ts 5,9)



No primeiro e ilimitado encontro com Deus na morte acontece o seguinte: o ser humano, com suas centenas de possibilidades desperdiçadas durante a vida, com seus atos sempre limitados por seu egoísmo, com suas culpas e seus pecados, em poucas palavras, com as ruínas de seu plano de vida, malogrado em tantos pontos cruciais, justamente este homem se encontra diante de Deus. E reconhece o que, na realidade, Deus pretendia com ele e com sua vida e vê quão pouco realizou como ser humano. Contudo, não há mais possibilidade de se alterar coisa nenhuma.

Numa situação destas, resta somente uma coisa: entregar-se sem reservas a este Deus, admitindo que somente ele tenha a ultima palavra. Ele pode repudiar ou não, condenar ou não, como aquele momento no qual o ser humano descobre, de modo radical, a sua dependência inevitável de Deus.



Este Deus está disposto a oferecer ao homem “de graça”, também na morte, tudo aquilo que este ficou devendo.

Este oferecer, no entanto, não significa que Deus impõe algo de maneira determinista. Deus nunca se impõe! Deus sempre faz propostas.

Fica dentro da liberdade humana aceitar ou não, estas propostas.



Aceitar a proposta e os parâmetros de Deus, na morte, pode exigir uma profunda conversão. Tal conversão pode doer “como fogo”, (Purgatório).

Purgatório não tem duração temporal nem é lugar. Com isto, a pergunta sobre a duração do purgatório se torna irrelevante e provoca tantos equívocos, como supor que ele seja estado temporal e intermediário entre a morte e o juízo final.

O processo de conversão-evolução na morte, tradicionalmente chamado de purgatório, com certeza é um processo complexo, cujos elementos e dificuldades específicas dependerão, em grande parte, das características da personalidade construída na vida vivida. Neste sentido, o purgatório de fato é individual e particular, dependendo da vida que cada pessoa viveu antes de sua morte.



Mas o que acontecerá se o homem não quiser transformar-se?



• O que acontecerá se o ser humano não desejar ou não puder realizar esse ato de conversão e de fé?

• O que acontecerá se ele não estiver disposto ou, então, não for capaz de renunciar a si mesmo, de se converter e deixar tudo nas mãos de Deus?

• O que acontecerá se ele não quiser crer ou não puder mais crer que Deus o salvará?



A conseqüência seria sempre uma só:



O ser humano permaneceria fixado na sua situação de morte por causa da sua própria recusa de crer em Deus, ou então por ser incapaz de crer nele.



Também na morte, o homem tem a possibilidade de recusar o amor de Deus.

Não é Deus quem condena, mas o ser humano é quem se condena, rejeitando Deus.



O ser humano que não quer, ou então, que já não pode realizar o ato de fé exigido, dada a sua estrutura de personalidade demasiadamente fixada em si mesma, é a própria causa da sua condenação.



O fato de alguém livre e consciente não querer ser salvo, não diminui absolutamente a discrepância existente entre um Deus que ama e o fato de este Deus que ama deixar que sua criatura permaneça em tormento extremo como o do inferno. E justamente diante do amor de Deus parece-nos legítima a indagação se realmente não existe mais nenhum caminho que nos conduza para fora do inferno, ou melhor ainda, que, de antemão, já não passe por aí.







Haverá alguém na situação de inferno?



Quando o ser humano, com todas as suas decisões fundamentais, se torna definitivo, então podemos supor que a recusa diante de Deus tornar-se-á também definitiva.

Assim é obvio que, através da ação do homem e não pela condenação de Deus, é que se dá o distanciamento eterno de Deus.

Este distanciamento é exatamente a experiência essencial daquilo a que se dá o nome de inferno.



As raízes da noção de inferno encontram-se, sem dúvida, na idéia judaica de morada dos mortos, o xeol.

Os Padres da Igreja descreveram o fogo do inferno de maneira bem naturalística. Santo Agostinho e São Gregório seguiram o mesmo caminho: o fogo seria o fogo real com que Deus puniria os pecadores. Evidentemente esse fogo foi declarado como de natureza eterna.

O Catecismo Romano editado depois do Concílio de Trento e divulgado em 1566 menciona diferentes tipos de torturas infernais e acentua a tortura do fogo.

O Catecismo Romano editado em Roma no ano de 1930 afirma: “É teologicamente certo, apesar de não ser dogma, que o fogo com que os condenados do inferno são torturados seja fogo real ou corporal, não apenas fogo no sentido figurado”.

Somente nestes últimos tempos é que o tom das declarações a respeito do inferno começou a modificar-se, acentuando mais a seriedade da decisão de vida pela qual o homem é julgado. Assim é que podemos ler no sínodo das Dioceses da Alemanha Federal, formulado na 8ª Reunião Geral de 22 de novembro de 1975:

“Não ocultamos que a mensagem do juízo de Deus também fale do risco de perdição eterna. Essa mensagem proíbe que de antemão contemos com uma reconciliação e expiação para todos e para tudo o que fazemos ou omitimos. Assim, essa mensagem intervém sempre de novo e de maneira transformadora em nossa vida, trazendo a seriedade dramática em nossa responsabilidade histórica”.



A redenção é aquele ato no qual Deus, por inimaginável ato gratuito de amor, transforma o ser humano em justo.



No inferno, alguém acreditou que Deus o salvaria, e ele se entregou, sem reservas, a este Deus. Mas, se realmente assim for, então o inferno não está mais fechado. Se assim for, então é talvez por aqui que se encontra um caminho e uma possibilidade de salvação também daqueles que se condenaram a si mesmos.



A solidariedade do Deus crucificado abrange todos os homens, estabelecendo para todos comunhão definitiva além da morte. Esta comunhão, porém, se realiza de maneira totalmente diferente para os que aceitam o amor de Deus e para os outros, os mortos em sentido total e absoluto, para os que se negam a aceitar Deus.

Também para eles e com eles, Cristo permanece solidário, ficando com eles sem os forças. O amor de Deus nunca subjuga, ele acompanha. DEUS ESTÁ PRESENTE TAMBÉM NO INFERNO.

Ele está presente também com os que se autocondenam, solidário com eles até na sua última solidão (cf. Sl 139,8).



Céu: o destino final do ser humano

Deus quer a salvação de todos. O nosso ultimo destino, conforme a vontade de Deus é a salvação para uma vida plenamente evoluída em todos os sentidos. Uma vida em plenitude! A esta vida, tradicionalmente, dá-se o nome de “Céu”.

O que é então este céu, do qual tantos sabem tão pouco e que Paulo descreve com palavras entusiasmadas e enigmáticas, ao mesmo tempo, como “coisas que nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem jamais passou pelo pensamento do homem” (1Cor2,9)?



• Salvação significa céu, isto é, ter vida em plenitude

O projeto final de Deus para o ser humano é este: “Que eles tenham a vida e que tenham esta vida em plenitude”.



• A vida só é vida plena quando vivida em comunhão com outras pessoas

A vida nunca fica estática, a vida sempre acontece dentro de uma dinâmica profunda que envolve necessariamente não só um indivíduo isolado, mas pessoas que se comunicam, num estado de comunhão e de participação daquilo que é a vida.



• Céu é vida e, onde há vida, há a dinâmica da vida

Para muitos cristãos, o céu fica associado a uma imagem que, em ultima análise, só aborrece. Uma situação sem dinâmica nenhuma, onde as pessoas gozam de uma paz eterna, tranqüila e abstrata. Mas o céu não é assim. Céu e vida plena, e onde há vida, ali há dinâmica da vida, que é vitalidade, felicidade e amor.



• Céu significa novo relacionamento com o cosmo e sua historia

O projeto salvífico de Deus não abrange só os indivíduos. Deus quer a salvação do cosmo inteiro. Por causa disto, também a vida plena da pessoa, numa situação que chamamos céu, Não pode ser uma vida fora de toda relação com o cosmo.



• Céu significa uma dinâmica de amor, marcada pela união intima com Deus

A comunhão universal de todos os seres humanos entre si, a realização plena de todas as relações humanas numa terra renovada e transformada, tudo isso é céu.

Não há texto melhor para descrever esta vida do que aquilo que o autor do apocalipse de João formulou:

“Eis a tenda de Deus entre os homens. Ele levantará sua morada entre eles, e eles serão seu povo, e o próprio Deus com eles será o seu Deus. Enxugará as lágrimas de seus olhos, e a morte já não existirá, nem haverá luto, nem pranto, nem fadiga, porque tudo isso já passou” (Ap 21,3-5).



Céu, de fato, não é uma paz isolada e tranqüila, fora de todo contato com outros seres.

Céu deve ser uma dinâmica profunda, dentro da qual o individuo se envolve com outras pessoas e, junto com elas, vive uma comunhão intima de amor com Deus. Essa comunhão é a intensificação máxima de tudo aquilo que é vida, à maneira como formula G. Lohfink: “O encontro com Deus não significa uma paz eterna, mas uma vida grandiosa e empolgante, uma tempestade de felicidade que arrebata... de maneira cada vez mais profunda por dentro do amor e da felicidade de Deus”.



“O reino de Deus se realizará sob o prisma do amor, e não da ameaça”




Canção à Morte



Eu espero a Morte como se espera o Bem-Amado.
Não sei quando virá,
Nem como virá.
Mas eu espero.
E não há medo nesta expectativa.
Há somente ânsia e curiosidade
porque a Morte é bela.
Porque a Morte é uma porta que se abre para lugares
desconhecidos,
mas imaginados.
Como o amor,
nos leva para um outro mundo.
Como o amor,
começa para nós outra vida
diferente da nossa.
Eu espero a Morte como se espera o Bem-Amado.
Porque eu sei que um dia ela virá
e me receberá
em seus braços amigos.
Seus lábios frios tocarão a minha fronte,
e sob a sua caricia
eu adormecerei o sono da eternidade.
Como nos braços do Bem-Amado.
E esse sono será
um ressurgimento.
Porque a Morte é a Ressurreição,
a Libertação,
a Comunicação total
com o Amor total.

Maria Helena da Silveira (1922-1970)
Poesia inédita escrita em 1944,
aos 22 anos de idade.








Bibliografia:

BLANK, Renold J. Escatologia da pessoa. São Paulo, paulus, 2000.
LIBÃNIO, João Batista. Escatologia Cristã, Petrópolis, vozes, 1985, pg. 57.
Sugestão de leitura e debate em aula: catecismo da Igreja católica, artigo 5, Jesus Cristo desceu aos infernos, ressuscitou dos mortos no terceiro dia.

Curso Bíblico

Introdução

O conjunto dos cinco primeiros livros da Bíblia recebe o nome de Pentateuco. De fato, a palavra Pentateuco, em grego, significa cinco livros. Os judeus chamam estes livros de Tora, isto é, lei. Mas o sentido desta lei é mais instrução, ensinamento de vida e orientação para a caminhada. Os cinco livros do Pentateuco são conhecidos, em nossas Bíblias, com nomes gregos: Gênesis (origem), Êxodo (saída), Levítico (relativo aos levitas ou sacerdotes), Números (estatísticas) e Deuteronômio (segunda lei). Os judeus chamam estes livros, como todos os demais, com as suas primeiras palavras. Essa coleção que hoje conhecemos como Pentateuco ou Tora demorou muito tempo para ser escrita. Colaboraram nessa coleção várias pessoas, contando e escrevendo as histórias. Estão refletidas nelas muitas lutas e leis variadas. São retratos de muitas etapas que o povo viveu, ao longo dos séculos.

A coleção completa, que hoje temos em mãos, só ficou pronta depois do exílio babilônico, na época de Esdras, lá pelo século 5 antes de Cristo.



Conteúdo do Gênesis

Podemos dizer que o livro do Gênesis, sendo formado de episódios variados que foram reunidos com o passar dos tempos, está organizado da seguinte maneira:

• 1-11 – Trata as questões básicas da vida do povo e da humanidade.

• 12-25 – Lemos histórias em torno de Abraão e Sara, Agar e Ismael; são memórias e tradições provenientes principalmente da região do Sul, ou seja, Judá.

• 26-36 – As histórias de Rebeca, Jacó e Esaú, Labão, Lia e Raquel; trata-se de memórias provenientes do Norte, particularmente da Transjordânia.

• 37-51 – A história de José do Egito, que faz a ligação entre o livro do Gênesis e o do Êxodo. Essa organização geral do livro não nos deve fazer perder de vista as pequenas histórias, cada um dos episódios narrados; neles é que se dá a vida concreta e se discutem os problemas fundamentais. É pela leitura atenta de cada um deles que vamos adentrando nos mistérios e surpresas que o Gênesis nos reserva. De outra maneira, como entender que leiamos, no contexto da ida de José para o Egito, a surpreendente história de Tamar, em Gn 38? Ou ainda a benção de Jacó em Gn 49, que nos faz pensar já no povo vivendo em tribos? Por tudo que foi dito, deve ter ficado claro que a escrita do Gn demorou séculos. E seus textos se referem a tempos incertos: não se sabe exatamente a época em que nossos personagens viveram (certamente em meados do segundo milênio antes de Cristo), até porque os textos se preocupam não tanto com a exatidão temporal, mas com seu sentido para o povo que lê.

Em torno das famílias, na expectativa de novos tempos (daí a importância das promessas), buscando estabelecer laços de proximidade e solidariedade, os textos resgatam histórias passadas, que são vivas e apontam novos futuros.

Enfim, a conclusão disso é que os textos bíblicos, mesmo aqueles que se apresentam em forma de narração, não tem a pretensão de ser reportagens exatas de fatos acontecidos, mas principalmente querem falar ao coração e à vida de quem, às vezes muito tempo depois dos fatos, vai ler tais textos. Afinal de contas, na Bíblia temos testemunhos de um passado que não morreu,mas que se atualiza e ilumina os caminhos dos que vêm depois!



Alguns passos para a leitura comprometida da Bíblia.

1. Ler muito, muito, muito a Bíblia. Mastigar cada versículo. Atravessar o texto. A leitura da Bíblia quando feita com fidelidade vai abrindo, aos poucos os nossos olhos sobre a realidade e nos levará a uma opção pelos pobres e a um compromisso mais firme com a sua causa.


2. Através desta experiência, deixar-se conduzir pelo Espírito, procurando aprofundar cada vez mais, o conhecimento da realidade em que vivemos, refletindo o texto em comunidade. Para entender a Palavra de Deus é necessário criar uma abertura ao amor desse Deus que quer se comunicar com o seu povo. A leitura é feita não só para conhecer melhor o sentido da Bíblia, mas principalmente, para coloca-la em prática.


3. Para muitas pessoas é difícil uma leitura que parta da realidade. A situação da vida do povo é sempre o “chão” da leitura bíblica. Recorrer à Bíblia para iluminar o nosso presente, procurando nela, uma situação semelhante a nossa.


4. procurar descobrir no texto:

  •  o que o autor do texto quer nos dizer;
  • qual a mensagem principal do texto;
  • quais os personagens e os lugares que aparecem no texto;
  • qual a situação econômica - social – política - religiosa e ideológica que o texto revela.

5. Ter visão de conjunto da Bíblia. Conhecer as grandes etapas da história do povo de Israel. Ter algumas noções sobre a situação do povo daquele tempo.

6. Procurar ver que texto da Bíblia deve ser aprofundado em três ângulos: a Bíblia, a realidade e a comunidade:

  • levando em conta a situação do povo antigo, no tempo em que foi escrita, para iluminar a situação de hoje;
  • lendo, refletindo e rezando a Bíblia em grupos, porque ela é o livro da comunidade;
  •  celebrando, na comunidade, a sua caminhada de lutas, de esperanças e de alegrias.

7. Evitar a leitura fundamentalista da Bíblia, isto quer dizer, não ler o texto “ao pé da letra”

8. Estudar o surgimento e a formação dos livros do Antigo e do Novo Testamento.

9. A Bíblia deve ser usada como luz para encontrar a verdade; como alimento da fé; como chave para abrir o coração para acolher os apelos de Deus; como meio que ajuda a ligar a Fé e Vida; como palavra que questiona e exige mudança, resposta e conversão.

10. Procurar não usar a Palavra de Deus como consolo e terapia pessoal, dentro de um misticismo vazio, sem compromissos. São feitas leituras isoladas, frases ou textos fora do contexto, só para tirar mensagens estilo “horóscopo”, ou para tirar mensagens bonitas. A leitura da Bíblia não deve ser leitura de “Doutor”, leitura intelectualizada.



2o encontro

A Criação do Mundo

Gênesis 1, 1ss: “No princípio, Deus criou os céus e a terra. A Terra estava...”

O autor tenta contar como podia ser o mundo sem Deus: trevas, deserto, águas. Encontramos aqui três idéias muito importantes. Vamos ver:

Trevas - Deserto - Águas



É a descrição de uma situação de morte e de maldição, uma situação terrível que deveria estar sendo vivida por alguém, pelo autor do livro, por seu povo...

Agora podemos nos perguntar: por que esta história entrou na Bíblia e foi colocada no começo? Como podia um homem tentar descrever o que devia ter acontecido milhares de anos antes que ele nascesse? Para ter uma idéia do tempo que se passou, vejamos:



Começo da criação.....................................1800..................0....................2011
                                                                 Abraão              Cristo               Nós



O pedacinho que vai d Cristo até nós são os anos de nossa história; o pedacinho que vai de Cristo até Abraão é a história da caminhada do povo hebreu; outros milhares e milhares de anos se perdem longe, no início dos tempos... O autor foi pensando... em 1800 (antes da nossa era) Abraão saiu de sua terra, atendendo a um chamado de Deus; em 1200, Moisés foi convocado por Deus para começar com o povo uma caminhada de libertação; no ano 1000, temos rei Davi e seu filho, Salomão. Assim:



                                                                                Judá..........................Cativeiro
Abraão..........Moisés........Davi..........Salomão

1800.............1200...................1000..Israel.............720.............587


O reinado de Salomão, filho de Davi, foi muito duro e opressor. Com o filho dele, Roboão, foi pior ainda. O reino não agüentou e houve separação: Judá e Israel dividiram-se. O reino de Israel, porém, não foi muito longe, e terminou no ano 720 aC. Sobrou Judá, numa situação também muito crítica. O povo reclamava urgentemente reformas por parte do governo, mas o reinado de Manasses resumiu-se em 50 anos de corrupção. A corrupção torna o governo pobre, e tudo o que é pobre é fraco. Assim, quando Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio com um grande exército e invadiu a Palestina, aconteceu o desastre. Era o ano 587 aC. Os soldados cercaram a cidade de Jerusalém, atearam fogo nas casas, destruíram tudo, mataram quantos opuseram resistências e levaram consigo para serem escravos aqueles que sobraram. Aconteceu o “fim do mundo”. Era uma situação horrível, cheia de desordem, de dor e de sofrimento.

A Palavra de Deus é capaz de mudar a verdade. A mensagem do livro do Gn é esta mesmo. No começo havia deserto, trevas, água. Mas... Deus disse:

Faça-se a luz... separem-se as águas... Produza a Terra...


E tudo isso foi feito. Entra em ação a Palavra de Deus. Começa a luta da vida contra a morte. Em vez de desordem, a Palavra coloca a ordem e nós temos:


A criação - A Vida - A Benção


Deus falou e imediatamente tudo se fez conforme sua Palavra ordenou: a luz vence as trevas, o firmamento vence as águas, o verde vence o deserto! Uma depois da outra, as forças da morte são derrotadas, submetidas ao plano Criador, incapazes de oferecer qualquer resistência. Logo em seguida a Bíblia mostra como a Palavra de Deus foi colocando ordem e desordem. Assim:

  1. dia – Luz                                                                        4.dia – Sol, lua, estrelas

    2. dia – Firmamento                                                              5. dia - Animais

    3.dia – Terra, mar, plantas                                                    6. dia – Homens e mulheres
         (estruturou a casa)                                                                   (mobiliou a casa)



O que nos diz a Ciência

A ciência estuda a EVOLUÇÃO do universo e dos seres durante bilhões de anos até os dias de hoje e tenta prever como será depois.

A Bíblia não nega nem questiona as descobertas cientificas, porque não pretende fazer um tratado científico, mas transmitir uma mensagem. Seu objetivo é questionar o que ocorre com a humanidade e convocar-nos à conversão ao Deus – Criador. Esse Deus que deu à pessoa humana a capacidade de investigar e de ser co – criadora do universo e, sobretudo, de conviver em harmonia com todos os seres e com seus semelhantes.

“No princípio ERA DEUS. A terra estava SEM FORMA E VAZIA”. A ciência nos diz que era CAOS – confusão – e que só havia uma grande ENERGIA. Que a galáxia explodiu, dando origem às partículas que formaram átomos, moléculas e os primeiros elementos. Depois, nos mares, foi gerando a vida e esta se estendeu por sobre a terra. O cientista seguiu a lógica do 1o capítulo de Gn: Deus criou o ser humano no final de tudo como se lhe tivesse preparado o mundo como um berço.



3o encontro

A Criação do Homem e da Mulher

Em primeiro lugar não podemos esquecer que o texto foi escrito a três mil anos atrás, e naquela época tinham maneiras de falar cujo sentido não estava nas palavras, mas na compreensão do povo.

“O Senhor Deus formou o homem do barro da terra”

A palavra hebraica pó, poeira ou barro que encontramos neste texto indica a poeira fina do campo, usada pelos oleiros na fabricação das peças mais delicadas. Isso quer dizer que o ser humano não foi feito para ser uma peça qualquer do universo, mas uma peça fina, delicada, de grande valor. A comparação do Deus-oleiro é freqüente na Bíblia. (Je 18,6).

Conseqüentemente, o homem não foi “feito do barro”. Na Bíblia, esta linguagem é poética. Quer nos explicar que Deus colocou tudo de si, que foi modelando como oleiro (ver Is 29,15-16; 45,9-13; Jr 18,1-10).

O autor da narração sobre o paraíso utilizou-se desta imagem já conhecida para mostrar que o primeiro dever da pessoa é o de aceitar-se a si mesma na sua condição de criatura de Deus.

O plano de Deus era a Harmonia e a Felicidade de todos os seres. O PARAISO terrestre é a figura dessa felicidade.

“O Senhor Deus tirou uma costela do homem... e fez a mulher”.

“Costela” é um símbolo que significa intimidade, igualdade, a mesma natureza.

A simbologia aponta para o companheirismo de iguais, a mulher não é nem mais nem menos que o homem, mas: “Osso dos meus ossos, carne da minha carne” (Gn 2,23). Isto quer dizer que a missão do homem e da mulher é uma só: imitar Deus. Eles devem fazer o que Deus fez: destruir a desordem que estraga a vida e preparar o mundo para ser uma digna morada da humanidade.

Do jeito que Deus organiza tudo pela sua Palavra, para que a vida possa nascer, crescer e ser vida em abundância, assim o homem e a mulher, orientados por esta mesma Palavra e fortalecidos por ela, deverão continuar a organizar todas as coisas a favor da vida.

O ser humano não é dono do mundo. O dono é Deus. Só Ele. O homem e a mulher só tomam conta em nome de Deus. E a preocupação de Deus é uma só: proteger e favorecer a vida.

Ambos foram feitos do pó da terra, isto é, fracos. Também para dizer que ter terra é fundamental para as pessoas. A Bíblia foi escrita por um povo que vivia fora da terra natal e explorado pelos latifundiários da época. Ser feito da terra e ter terra para plantar e morar era sagrado para o povo hebreu, era a essência básica de sua sobrevivência.

O plano de Deus era de que todos tivessem terra e trabalho. Por isso diz que ambos passeavam livres pelos jardins. Tinham trabalho apenas de colher o que a terra produzia. Mas fizeram opção pelo mal e tiveram que trabalhar pesado para sobreviver. É a denúncia do trabalho escravo, contrário ao Plano do Criador.


A BENÇÃO DA VIDA, FONTE DA NOSSA ESPERANÇA

Tudo foi criado por Deus. A vida humana porem, só ela, foi criada e abençoada (Gn 1,22-28). Benção é o oposto de maldição. Benção é bem-dição, é dizer o bem. É pronunciar o bem sobre a vida. Maldição é dizer o mal. É pronunciar o mal sobre a vida.

Benção = palavra bem Maldição = Palavra mal

Ora, Deus não rogou uma maldição sobre a vida, mas sim uma benção.e foi uma benção que pegou. Pois o que Deus fala está falado! Pode confiar! Por isso, esta bênção do Deus criador é a fonte da nossa esperança de, um dia, termos uma vida realmente bendita. Ela é o motor escondido da luta da humanidade contra a maldição. Mas por que então a vida está do jeito que esta?

A tampa da maldição abafa a benção. Os homens colocaram a tampa da maldição em cima da bênção e estragaram tudo. Em vez de benção, a vida na terra tornou-se maldita.



QUEM SÃO OS AUTORES E QUANDO FOI ESCRITO O LIVRO DO GÊNESIS?

O LIVRO DO Gn tem vários autores, e foi escrito em épocas diferentes. Não se sabe quando o Gênesis foi escrito, mas acredita-se que tenha sido em duas etapas:

  •  A primeira, no século X aC., no tempo do reinado de Salomão.
  • A segunda no século Vl aC., no exílio da Babilônia.

Ao ler Gn 1-11, devemos levar em conta:


  • A época em que foi escrita, a linguagem e a cultura do povo.
  • O importante é a mensagem da Criação tanto do homem como do mundo, com as quatro narrativas, cheias de símbolos.
  • Por trás dessas narrações, encontra-se uma riqueza muito grande que são as doutrinas que devemos conhecer e analisar a luz de um Deus Criador, libertador e Salvador.
GÊNESIS = O LIVRO DAS ORIGENS.


4o encontro
História da Maldição que estraga a vida Humana

A HISTÓRIA DA MALDIÇÃO É UM ESTUDO QUE A Bíblia faz da realidade, procurando descobrir o que estava estragando a vida humana. Começando em cima, ela foi cavando o chão da vida, tirando uma depois da outra, as camadas de sujeira com que os homens entupiram a fonte da vida e sujaram as suas águas. Conforme a Bíblia, a maldição tem quatro camadas: O pecado de Adão, o pecado de Caim, o dilúvio e a Torre de Babel.


O Pecado de Adão

Desligar-se de Deus e da Sua Palavra (Gn 3,4)

É a revolta do ser humano contra Deus, seu afastamento e recusa a seguir sua Palavra.
Adão é uma palavra hebraica que quer dizer Ser humano. Somos todos nós, desde o primeiro ao último! O pecado de Adão é separar a vida de Deus e Deus da vida. O concílio Vaticano II diz que esta separação entre fé e vida continua sendo o maior mal do nosso tempo!

O Adão existe em todos nós. Adão desligou-se de Deus e perdeu, assim, o único apoio verdadeiro que podia dar segurança à sua vida. Desligado da fonte ficou inseguro e foi procurar um substituto para ocupar a vaga que pertencia a Deus. O Adão de sempre quer segurança. Luta para ser dono da vida. Mas é uma luta perdida.

Por causa deste afastamento cada homem nasce afastado de Deus, num estado que pode ser comparado com o peado. Este pecado, nós o chamamos de Peado Original (Gn 1,11).

O pecado de Adão é chamado de Pecado Original, porque está na origem de todos os males e, através deles, ele se manifesta e se multiplica. É a raiz da maldição (Gn 3,14-19).

O homem e a mulher (Ser humano) abusaram da liberdade, desobedeceram e, pelo pecado, se afastaram de Deus. O homem quer experimentar os frutos proibidos. Esse pecado não tem nada a ver com sexo, nem com “maçã”. Mas sim querer ser Deus, se colocando no lugar de Deus, e coisificando o próximo. Pois o único argumento que nos une a todos como irmãos é o fato de sermos filhos de Deus, mas se eu tiro a Deus da história, nada mais nos une como irmãos, e se eu me coloco no lugar de Deus, a situação fica muito pior, pois me acho no direito de ter poder sobre a vida do próximo, oprimindo-o, explorando-o e até matando-o.

Serpente é utilizada pela Bíblia como símbolo do pecado. Mas, porque a serpente?

Em primeiro lugar, para o povo hebreu como para todos nós, a serpente era um animal perverso e traiçoeiro. Não se pode confiar nele. Todos têm medo da cobra. Ela coloca a vida em perigo. Além disto, para o povo da Bíblia, a serpente era um símbolo de outra religião, da região Cananéia.

Ao cananeus eram um povo que já morava na Palestina antes dos hebreus chegarem lá. Tinham sua religião, feita de ritos centrados em torno do culto da fertilidade. O que eles queriam era ter muitos filhos. Eles acreditavam na existência de Deus, mas seu relacionamento com a divindade, era colocado exclusivamente em termos de cerimônias e de observâncias rituais. Deus para eles era um ser distante que bastava homenagear com uns ritos, com uns cultos especiais e que depois ficava para lá sem ter nada a ver com a vida deles. Eles não tinham, portanto, nenhum mandamento; não procuravam modificar sua vida, fazer uma caminhada,alcançar algo.

Naturalmente uma religião semelhante era bem mais agradável e fácil do que as duras exigências da Lei de Deus que os hebreus tinham recebido por meio de Moisés no Monte Sinai, quando Deus quis selar sua aliança com o povo.

A religião dos cananeus chegava a oficializar e a sacralizar a prostituição, que passava a ser um rito sagrado. De fato, ao redor de seus templos havia lugares próprios para isso, com pessoas escolhidas e reservadas para essa prática. A prostituição era vista e praticada como tentativa mágica e supersticiosa de vencer a morte e de possuir a vida.

A serpente era o símbolo de todo esse conjunto de magia, ligado ao culto da fertilidade e da prostituição. Para o povo hebreu porém a magia era proibida, por ser exatamente o contrário da atitude de fé e de compromisso que Deus exigia de seu povo. Mas nem por isso esse tipo de religião deixava de ser uma grande tentação para o povo de Deus, que por isso foi chamado muitas vezes à tentação. Aquela religião permitia uma vida mais fácil. O grande perigo, a grande tentação do povo era exatamente essa serpente. Ela levava o povo a refugiar-se no rito agradável e a abandonar as duras exigências da Lei de Deu. Levava-o a procurar a vida, a imortalidade e a força de Deus não através de uma fidelidade constante que exigia abandono, confiança e coragem, mas somente através de ritos e promessas enganadoras, porque davam a eles a impressão de estar manipulando o poder de Deus para seu próprio bem e interesse.

A nudez que aparece no texto significa: fraqueza, incapacidade, humilhação.

A fuga de Deus, a fuga da nossa própria consciência, nos torna infelizes. Perdemos a harmonia interior, a felicidade, a paz.

O pecado de Adão, ou pecado original, é o pecado de raiz, pois está na origem de todos os males, que é o individualismo, a negação do outro.


O Pecado de Caim

Odiar, Matar e vingar (Gn 4,1-26)
CAIM - o filho mais velho, representa os donos de terra que matavam, sob duros trabalhos, os inocentes do povo. Caim era lavrador, ferreiro malhador (= povo egípcio).


ABEL - o filho mais novo, representa o povo nômade, sem terra, que vivia do pastoreio e, de terra em terra, levava seu rebanho para pastar e sofria toda exploração. Abel era pastor (= povo de Deus/ Ab = Pai e El = Deus, logo Deus é Pai).

Todas as vezes que na Bíblia vemos o homem cometendo HAMAS = violência, sujando as mãos de sangue, também vemos que Deus reprova, e puni o homem lhe destruindo. Ver: (Gn 6,11-13; Ez8,16-18; Jz9,16ss). No entanto, por que Ele não puniu Caim por ter matado Abel? Será que Caim não cometeu HAMAS? Por que será que ao invés de punir Caim, Deus o marca com um sinal para que aquele que lhe matasse fosse vingado sete vezes? (Gn4,15).

Vejamos então:

Abel representa o projeto de Deus, pois sendo nômade, tudo o que pertence a ele, também pertence ao restante dos que viviam com ele (tribo). Não tinham terras só para eles, pois a terra pertence a todos, quando matavam um animal do rebanho para comer, todos tinham direito a comerem juntos. Embora a vida fosse difícil, tudo era dividido em comum, viviam em solidariedade uns com os outros, as leis eram para favorecer a vida, e não acumulavam bens, pois se alguns tem muito é porque muitos têm pouco para sobreviver.

Caim era sedentário = agricultor, ganha a vida acumulando bens, produz cada vez mais para ganhar muito, fazendo com que outros passem e morram de fome. Com a ajuda do boi, consegue triplicar suas lavouras, fazendo assim com que aqueles que não tem a posse do boi, vendam suas terras para ele por preços muito baixos e vá trabalhar de empregado, ganhando muito pouco para isso. No projeto de Caim o que importa é o individualismo, ele odeia quem compete contra ele, e só é oferecido para Deus o excedente da produção, enquanto no projeto de Abel, se oferece o que se tem.

Deus, ao nos criar, estabelece um projeto de vida para o homem, (ABEL).

Mas o homem rejeita este projeto matando Abel, e cria o seu próprio projeto, (CAIM).

Deus não puniu o projeto de Caim pois tem sempre a esperança de que um dia o homem retorne ao projeto de Abel. E você? O que esta fazendo de sua vida? Está vivendo o projeto de Caim ou o de Abel?

Existe uma outra forma de cometer HAMAS, chamasse MIRMA = destruir o outro com a língua, e quem comete HAMAS é punido // destruído por Deus.


O dilúvio

Usar a Religião e Deus em proveito Próprio (Gn 6)

Os homens tinham perdido a noção de Deus e achavam que Deus fosse igual a eles, um Deus com filhos. Pensavam até que pudessem casar com estes filhos de Deus, para assim ganharem a proteção divina e ficarem famosos (cf. Gn 6,4). Botaram tudo de cabeça para baixo. Deus, em vez de Pai e Criador, virou instrumento nas mãos dos interesses dos homens para dar fama aos “heróis da antiguidade” (Gn 6,4). A religião era usada para satisfazer os desejos dos homens.

Diante disso Deus “se arrepende de ter criado o homem” (Gn 6,6) e disse: “vou varrer da terra o homem que eu criei” (Gn 6,7). Por isso o Dilúvio – uma tremenda inundação que acabou com tudo – foi explicado pela Bíblia como castigo de Deus. E foi uma explicação boa! De fato o mundo estava de pernas para o ar!

Lembram do que vimos em nosso primeiro encontro? Ler o texto primeiro no contexto histórico em que foi escrito! Pois bem, este texto provavelmente tenha sido escrito durante o exílio na Babilônia, logo após a invasão e a destruição do templo de Jerusalém.

Os soldados de Nabucodonosor invadem Jerusalém destruindo tudo e todos, como uma verdadeira inundação (dilúvio), traz o caos para a cidade, muitos são mortos, e os líderes do povo foram levados para a Babilônia, chegando lá, muitos se encantam com os deuses babilônicos, se esquecendo das promessas de Javé. Mas alguns continuam fiéis a Javé, recebendo o nome de Noé. A Arca feita de madeira e contendo três andares é a lembrança do templo de Jerusalém, que também era feito de madeira e com três andares, era a maneira de se manterem unidos em terra estranha.Os quarenta dias e noites de chuvas representam o tempo de cativeiro. O fim das enchentes e a chegada da Arca em outra terra é a esperança de um dia voltarem a ser livres, sendo resgatados por Javé assim como foram antes na experiência do Egito. Aqueles que descem da Arca no final do dilúvio e se espalham novamente sobre a terra são os que sempre continuaram fiéis a Javé, e agora sonham com a reconstrução de sua cidade, sua crença, sua fé em Javé Deus.



A Torre de Babel
Dominar e explorar os outros (Gn 11,1-9)

A situação não era nada boa. Bem perto de onde Abraão morava, lá mesmo na mesopotâmia, alguns homens decidiram ser donos do mundo. Disseram: “Vamos construir uma cidade e uma torre que alcance o céu. Assim, criamos fama e não precisamos andar dispersos pelo mundo” (Gn 11,4). Queriam chegar até o céu e ocupar, eles mesmos, o lugar de Deus. E foi aí que se deu a grande confusão, a confusão da Torre de Babel. Pois o homem não é Deus, e nem é dono do mundo. Pretender tal coisa só pode dar confusão. Porque aí cada qual só fala a linguagem de seus próprios interesses egoístas, e um já não entende o que outro quer dizer.

No tempo em que foi escrito este relato, também na Babilônia, o povo era dominado pelo poder militar, que tinha como símbolo uma Fortaleza. Essa fortaleza representava o orgulho humano que pretendia atingir Deus, “tocar o céu”, comandar e submeter as pessoas, para tornarem-se famosos. Por isso, os pobres trabalhavam sem descanso como escravos de uns poucos.

À medida que a consciência de seus direitos crescia, o povo reagia contra essa dominação e se desentendia.

Este texto tem uma linguagem popular, e é facilmente reconhecido como sendo de alguém que é contrário ao crescimento da cidade, portanto é escrito por alguém do campo, que é obrigado a trabalhar na edificação da cidade,(construção da torre).

A torre representa o poder Político, Militar e ideológico da época, que oprimem o povo em nome de Deus, fazendo que as pessoas trabalhem como escravos, sem direito a descanso, e atribuem essa opressão à vontade do próprio Deus.

A destruição da torre simboliza a tomada de posição dos mais fracos contra a edificação destes poderes, reconhecendo que Deus não é conivente com esta situação, e agirá em seu socorro. O texto apresenta outra explicação para a diversidade de povos e línguas: é um castigo contra a pretensão coletiva (Gn11,6-8) . O castigo é a resposta de Deus contra a pretensão do homem de se igualar a Deus, dominando e explorando o seu próximo.

Os grandes continuam construindo a Torre de Babel que os impede de enxergar o outro lado da humanidade. Para destruir essa Torre, Deus ensina a linguagem da fraternidade.




5o encontro

A História de Abraão e Sara

A história de Abraão começa em UR, na Babilônia, mais ou menos, 1750 aC. Naquela época, era comum as migrações dos caldeus rumo ao norte da mesopotâmia. Nem a civilização avançada, nem a fertilidade das terras conseguiram criar um ambiente para a vida destes pastores nômades. As muitas invasões criaram tensões que provocavam migrações de diversas tribos em busca de uma maior liberdade.

A religião é um reflexo da situação política e cultural. Uma multidão de divindades são cultivadas e temidas: o sol, a lua, as estrelas, as águas misteriosas e temíveis, a tempestade, a chuva, a serpente e outras. O povo que conseguia o domínio político impunha o seu deus e o povo tinha que adora-lo. Cada tribo tinha um Deus como protetor.

Abraão se distinguia dos demais habitantes de Haran, por adorar a um Deus único, enquanto todos ali eram politeístas, quer dizer, tinham muitos deuses. Um dia, estando Abraão adorando a Deus que Ele tão pouco conhecia, sentiu no intimo de seu coração algo de extraordinário, que dizia:

“Sai da tua terra, da tua casa paterna, e vai para a região que eu te mostrarei. Farei sair de ti um grande povo e te abençoarei”. (Gn 12,1-2).

Abraão acreditou em Deus e partiu, acompanhado de Deus que ele sentiu no íntimo de seu ser. Mas isto não foi fácil. Para ele a migração foi uma experiência de fé.

A promessa de Deus: “ser abençoado e ter uma grande descendência” era a promessa da Aliança.

Aliança é um pacto de amizade entre Deus e os homens. É esse mesmo o significado da palavra Testamento = pacto de amizade, de amor mútuo.

A aliança de amor entre Deus e os homens, prometida a Abraão e a seus descendentes se estenderia, no Novo Testamento, a todos os povos do mundo.

Abraão foi o iniciador de um grande povo, de uma grande nação. A promessa de Deus não se refere apenas a um reino material, mas acima de tudo a um reino espiritual. É por isso que Abraão é chamado “pai dos que crêem”; por sua experiência de fé, ele é o pai de todos aqueles que crêem e amam a Deus. Por sua fé, Abraão é reconhecido “justo”. Justo é a pessoa que se “ajusta” no projeto de Deus, que adere à sua Palavra. Porque a fé não é simples acreditar em “mitos”, histórias ou verdades acerca dos deuses, nem mesmo acreditar em verdades sobre Deus.

A Fé é o canal que une criatura e criador, é responder a uma vocação, porque toda a nossa vida é vocação. É acolher Deus que quer fazer a sua história junto com os homens. É abrir o coração à vontade de Deus. É o relacionamento de intimidade e amizade com Deus. Abraão acreditou em Deus, e isto foi-lhe atribuído como justiça. Graças a esta fé poderosa, Abraão tornou-se o pai de todos os crentes.

A vocação foi amadurecendo dentro de Abraão, até que se deu o estalo e ele entendeu bem claramente o que Deus queria. Abraão fez uma escolha. Ele representa o primeiro homem que chegou a uma encruzilhada e soube olhar os acontecimentos com os olhos da Fé, sentindo dentro de si a necessidade de uma mudança, de uma conversão. Deus promete a Abraão uma terra. Uma terra diferente, onde a lei não seja a dominação de uns pelos outros, onde a civilização não seja opressora, mas libertadora e humana.

Abraão é chamado de amigo de Deus (Tg 2,23) por que se mostrou capaz de viver a sua vontade. Deus o levou à prova.

Abraão e Sara não tinham filhos. Porém, o povo tinha que nascer de um filho que fosse sangue do próprio Abraão. Mas como podia Sara, a esposa estéril, dar à luz? Sara também não foi capaz de acreditar em si mesma e procurou um outro jeito para garantir a promessa de Deus e encaixa-la dentro de um planejamento humano e realista: ofereceu a própria empregada a Abraão. Para a mentalidade da época, a proposta de Sara era razoável.

Abraão atendeu ao pedido da esposa e teve um filho com Agar. Chamaram o menino de Ismael, que quer dizer “Deus me ouviu”, e acharam que esse fosse o filho com que Deus ia realizar a promessa. Mas Deus não era dessa opinião. O filho devia ser de Sara.

Apesar das dificuldades, a vida continua. Certo dia, sentado na entrada da sua tenda, Abraão recebeu a visita de três mensageiros de Deus, e com eles a nova promessa: “Daqui a um ano voltaremos e Sara terá um filho” (Gn 18,10). De dentro da tenda, Sara escutava a conversa e começou a rir. O mensageiro não gostou muito da risada e disse a Abraão: “Por que Sara deu risada?... Por acaso existe algo impossível a Deus?” (Gn 18,13-14). Aí Sara ficou com medo e tentou defender-se: “Eu não dei risada, não!” mas o mensageiro repetiu: “A senhora deu risada, sim!” não adianta querer disfarçar a falta de fé. Deus a descobre.

Lá estavam os dois velhos, novamente confrontados com uma promessa muito bonita, mas sem nenhuma garantia palpável, a não ser a própria palavra de Deus. Tinham que acreditar que Deus era capaz de realizar o impossível! Os dois acreditaram e o impossível se realizou! O filho nasceu e foi chamado Isac, que quer dizer Risada.

Quando tiveram a felicidade da realização da promessa de Deus com o nascimento de Isac, Abraão sentiu como ordem de Deus, sacrificar o seu único filho. A prova passa sempre pelo sacrifício. Abraão deu mais um salto no escuro, sem enxergar nada pela frente. Parecia um suicídio! A verdade é que Abraão confiou totalmente em Deus.

Como pode ter passado uma coisa dessas pela cabeça de Abraão? Isso explica-se conhecendo os costumes do povo pagão no meio do qual Abraão foi morar. Esse povo costumava matar o primeiro filho do casal, para enterra-lo e construir a casa em cima do cadáver. Era assim o chamado “Sacrifício da Fundação”. Abraão chegou lá e topou com tal costume e, portanto pode ter pensado que Deus pedia dele também o sacrifício do primogênito. Mas Deus proibiu logo, porque em Israel a vida humana devia ser respeitada.

Portanto, hoje sabemos que Deus não quer sacrifícios humanos, mas na época em que foi escrita a história de Abraão e Isac, havia o costume, e o povo hebreu estava se deixando influenciar pelo costume pagão de sacrificar seres humanos, principalmente crianças.

Por isso, a narração bíblica do sacrifício de isac trouxe ao povo hebreu a mensagem de que o Senhor não queria sacrifícios humanos, porque o nosso Deus, é o Deus da vida.

É importante ler com muita atenção esta história, porque Abraão ainda não morreu. Apenas mudou de nome! Hoje ele se chama Genésio, Luis, Raimundo... Hoje também ele tenta fugir da miséria, larga a vida errante e troca o sertão seco por uma roça verde perto das águas, onde possa trabalhar a terra, criar o seu gado e cuidar da família. Abraão vive ainda hoje! É todo um povo perambulando sem destino. Buscando sem encontrar!

Abraão continua saindo de sua terra, peregrino numa terra estrangeira, nas grandes cidades, nas fábricas e no campo... Ele anda por aí, perdido, pelos terrenos baldios que a assim chamada “civilização” ainda não ocupou ou esqueceu de ocupar.

Dentro de si, ele carrega uma fé, uma esperança e um amor muito grande, mas não encontra lugar para ele neste mundo. O mundo parece ter medo de Abraão, e tem motivo para isso! Pois, se este Abraão, algum dia, conseguir plantar sua fé, sua esperança e seu amor, ele fará nascer uma planta nova que vai mudar a face da terra. Fará surgir um mundo novo, abençoado por Deus, onde existirá o perdão, setenta vezes sete.

Por enquanto, ele não sabe bem qual é a sua missão, nem sabe que é chamado Abraão. Mas eles estão começando a descobrir. A Bíblia pode ajudar nessa descoberta, pois alem de ser história do passado, ela é também espelho do presente.





6o encontro

Conhecendo o processo de formação do povo de Deus

No encontro anterior vimos que Abraão é uma lição de vida a todos nós por suas qualidades: fé, esperança, obediência e também, pela coragem (deixou o que conhecia), fidelidade à Deus, desacomodação (ia sempre em busca do melhor), etc...

Vimos também que Abraão teve um filho, Isac.

A História de Isaac e Jacó – Gn25

Quando Isac cresceu, casou-se com Rebeca e tiveram dois filhos gêmeos: Esaú e Jacó. Eles lutavam no seio da mãe, profetizando a luta entre dois povos irmãos: os edomitas, descendentes de Esaú, e os israelitas, descendentes de Jacó.

Esaú gostava muito de lentilhas e, por um prato da mesma, trocou com Jacó seu direito de primogênito (Gn25,19-34). O direito de primogenitura assegurava ao filho mais velho a autoridade patriarcal sobre os outros irmãos, e também a parte maior na herança. Não esqueçamos que a ótica é o poder.

  • Este relato destaca a estupidez de Esaú, que troca seus direitos por um prato de lentilhas. Esta atitude nos leva a pensar em muitas pessoas que vendem seus direitos e até mesmo, a própria liberdade “a troco de banana”.

Num mundo machista, que só valoriza o homem e dava preferência ao filho mais velho, Isac preferia o filho Esaú (peludo e musculoso) mas Rebeca preferia Jacó, o mais novo. Deus atendeu a preferência da mulher. Jacó enganou o pai e recebeu dele a benção preparada para Esaú (Gn 27).

  • Este relato nos mostra também que Jacó, além de se aproveitar da fome do irmão para lhe tirar o direito de primogenitura, para roubar a benção patriarcal, ele se une à esperteza da mãe e aproveita da cegueira do pai.

O texto está preocupado em mostrar a supremacia de Israel, povo descendente de Jacó, sobre Edom, povo descendente de Esaú.

Isto também nos mostra que, o que é importante para nós não é importante para Deus.


Jacó
Jacó fugiu para casa do tio Labão, onde se apaixonou por Raquel. Primeiro teve que se casar com Lia (a filha mais velha) e, só depois de trabalhar 14 anos para o seu tio e que pôde casar-se com a mulher amada, Raquel. Com Lia teve 6 filhos: Ruben, Simeão, Levi, Judá, Issacar, Zabulon. Com a serva de Lia, Zelfa, 2 filhos: Gad e Aser.com Raquel teve 2 filhos: José e Benjamim. Com a serva de Raquel, Bala, 2 filhos: Dã e Neftali.

Jacó teve doze filhos. Todos serão assumidos como antepassados das doze tribos que formarão o povo de Israel.


A História de José e Seus Irmãos – Gn 37

José era o filho preferido de Jacó, isso gerou nos irmãos uma grande inveja. Ainda mais porque, além de ter sonhos extraordinários como: o sol, a lua e 11 estrelas curvadas diante dele, José não fazia o mesmo trabalho dos irmãos.

Como no caso de Caim, inveja e ódio, fazem com que os irmãos projetem a morte de José. Rúben se sente responsável e procura salvar José. Os fatos porém, se precipitam e eles resolveram vender José como escravo para uns viajantes que iam para o Egito e, todos pensam que José morreu.

José chegou a ser vice-rei no Egito. Numa ocasião em que houve muita miséria no País de Canaã, José mandou que seu pai e seus irmãos fossem morar no Egito.

Esta história mostra o ponto de vista da fé sobre os acontecimentos: Deus age através dos homens e das situações para realizar seu projeto de vida.muitas vezes não compreendemos os acontecimentos e situações porque não nos colocamos à escuta para descobrir o que Deus espera e quer de cada um de nós.

Caminhamos no escuro e precisamos acreditar que Deus vai realizando o seu projeto através da nossa própria incompreensão. Só no fim compreendemos que Deus estava junto conosco durante todo o tempo, encaminhando nossa história para a liberdade e a vida.

Com a morte de José e seus irmãos, termina a história de uma família e começa a história de um povo, conforme a promessa de Gn 46,3.


Este é o livro do Êxodo

Divisão geral do livro do Êxodo

• libertação do Egito (1,1-15,21)

• caminhada pelo deserto (15,22-18,27)

• Aliança do Sinai (19 – 40) .....




7o encontro

Êxodo e história

Os relatos do êxodo são típicos exemplos de histórias populares, que selecionam os fatos narrados de acordo com o interesse típico das pessoas oprimidas e marginalizadas. Muitas perguntas importantes para nós ficam sem respostas nos textos. Exemplificamos com algumas destas perguntas. As respostas de estudiosos ficam apenas no campo das hipóteses.

• Qual foi a data do êxodo?

Estima-se que a saída do Egito se deu em torno de 1250 a.C.

• Quem era o Faraó opressor?

Possivelmente foi Ramsés II, megalomaníaco que deteve o governo por 67 anos e expandiu muito o poder egípcio.

• O êxodo foi uma expulsão ou uma fuga?

Conforme os textos, as duas versões são possíveis. Segundo Êxodo 13,17, o Faraó deixou o povo partir, enquanto em Êxodo 14,5, o povo foge e o exército do Faraó sai atrás perseguindo.

• Como foi, historicamente, a passagem do mar vermelho?

Em um mesmo texto bíblico encontramos várias explicações. Começa pela ordem a Israel para que marche (cf. Ex 14,15), logo é a mão de Moisés levantando um bastão que divide as águas (cf. Ex 14,16), e ainda um forte vento oriental que soprou toda a noite e fez o mar se retirar (cf. Ex 14,21). Isso sem contar a ação contínua de Deus, através da nuvem, da coluna de fogo, do anjo ou de sua própria presença emperrando as rodas dos carros do Faraó.

• Qual foi o roteiro seguido, do Egito a Canaã?

Várias localidades disputam a localização geográfica da passagem do mar dos Juncos ou do roteiro seguido pelo deserto.

• Como se deu, realmente, a tomada de Canaã?

As três principais hipóteses variam entre conquista pacífica, invasão violenta ou revolução interna.

• Em que sentido pode se dizer que Javé tirou o povo do Egito?

Ora, os escravos assumiram a fé em um Deus único, libertador, pronto a escutar os seus clamores. Chamaram-no Javé. Era um Deus revolucionário, porque não escutava as conversas dos faraós e reis, mas dava atenção aos gemidos do povo sofredor.


Retrato de muitas saídas

Na busca pelas origens do povo bíblico, já demos alguns passos com as matriarcas e os patriarcas, as tribos e os clãs que pastoreavam seus rebanhos pelas esterpes de Canaã. Agora o convite é para conhecermos outros grupos que aderiram ao mesmo projeto e passaram a formar o povo de Deus. Nosso ponto de referencia principal será o livro do êxodo, sobretudo os 15 primeiros capítulos.

Ao relembrar suas origens, Israel sempre voltou à saída do Egito. Muitos textos da Bíblia são reescritos à luz do êxodo, tais como Juízes 2,11-19 e Sabedoria 11-19. os profetas se referem com freqüência a ele, conforme se lê em Amós 9,7-10; Oséias 11,1-6; Jeremias 2,1-9 ou Isaías 43,16-21. no livro de orações do povo, diversos Salmos evocam os fatos do êxodo, como se pode conferir nos Salmos 78; 105; 114; 136, entre outros.

Mas é principalmente ao confessar sua fé que o povo apela para esses eventos. As profissões de fé, conhecidas como credos, são fórmulas litúrgicas, rezadas, mas sempre ligadas a fatos históricos, expressão de uma fé dinâmica e ligada à vida concreta. A libertação da escravidão aparece com muita ênfase nos credos de Deuteronômio 6,20-23 e 26,5b-9, Josué 24,1-13 e Neemias 9, 7-25. Quer dizer que na Bíblia o êxodo foi vivido e revivido, contado e recontado, cantado e celebrado na fé. A própria memória da paixão e morte de Jesus é marcada pela celebração de uma ceia pascal, e sua ressurreição é vista como a Páscoa definitiva. Por esses motivos todos, o êxodo se tornou tão importante na teologia atual. Mas também para nossa vida ele diz muito, sem dúvida, porque a situação em que vicemos possui semelhanças evidentes com a do povo do êxodo. Podemos, dessa forma, concluir que o êxodo foi conquistado por muitos grupos da atualidade, que o tornam próprio, lembrado, entre outros migrantes, sem – terra, desempregados, moradores de favelas e cortiços, doentes, prisioneiros etc...

O livro do Êxodo, conta naturalmente a história da saída dos hebreus do Egito

Para celebrar a libertação do Egito, o povo festejou a Páscoa. Foi a festa mais antiga e a mais importante de Israel (Deus lutará). Nela juntaram-se, na verdade, duas festas:

Uma era a páscoa, festa de pastores com imolação de cordeiro, e outra a dos ázimos, festa de agricultores com oferta de feixes e partilha de pães. A páscoa permaneceu como a celebração central na tradição judaica. Jesus escolheu essa festa para celebrar a sua aliança definitiva e instituir a Eucaristia. “Cristo, nossa páscoa, foi imolado” (1Cor 5,7). O ato de celebrar a Eucaristia significa, portanto, faze-lo em sua memória, em compromisso com o êxodo do Egito e com a libertação definitiva.

Para o povo da Bíblia, o acontecimento fundamental foi o êxodo. Está aí a raiz de Israel como nação e o eixo da Bíblia como sua história. O êxodo passou a integrar, como povo de Deus, grupos sofridos que viviam à margem da sociedade. Criou uma nova realidade social e religiosa. Quanto falta, em nosso País, para chegarmos a um êxodo?

Em casa, você poderá ler os textos bíblicos que relembram o êxodo. Além daqueles que já citamos, do Antigo Testamento, também o Novo Testamento faz muitas referências ao êxodo. Veja por exemplo em Mateus 1-2 quantos elementos recordam essa realidade, e inclusive Jesus é apresentado como o novo Moisés, chamado do Egito (cf. Mt 2,15) também no relato da paixão de João, Jesus é visto como o cordeiro pascal (cf. Jo 19,36). Para Paulo, Cristo é a Páscoa definitiva, que nos convida à vida nova (1Cor 5,9-10). No Apocalipse há muitas menções do êxodo, sendo mais explicita a reedição das pragas para julgar a Babilônia (cf. Ap 16,1-20).



8o encontro

Moisés: O libertador do seu povo

o livro do Gn contou a história de Abraão que veio da terra dos caldeus e chegou até a Palestina, onde morreu. Depois vem a história de José e dos hebreus morando no Egito durante 400 anos, até que resolveram sair e começar a grande viagem, descrita no livro do êxodo.

Nesta época o Egito era uma civilização muito rica. A vida rural muito próspera: em algumas regiões chegavam a ser feitas quatro colheitas por ano, porque as águas eram represadas tecnicamente. A cultura era muito adiantada.

No Egito, onde os hebreus tinham ido à procura de trabalho, eles foram se multiplicando rapidamente, porque tinham muito mais filhos que os egípcios. Estes, vendo que os hebreus aumentavam tanto, chegaram a se preocupar, mas não queriam manda-los embora, porque eram mão-de-obra barata para suas construções.

Hoje, conosco, está acontecendo a mesma coisa: os paises ricos se preocupam com os países pobres que crescem demais em produção. Dizem que continuando assim não haverá na terra comida para todos; não dizem porém que o que tem está mal repartido. Assim, para diminuírem os nascimentos, distribuem esterilizantes para as mulheres tomarem sem que elas saibam do que se trata.

Quando, no Egito, os oprimidos se multiplicaram demais, foi dada a ordem pelo Faraó às parteiras de matar todos os recém-nascidos, filhos dos hebreus do sexo masculino (Ex 1,5-22). Num primeiro tempo as parteiras ficaram com pena e não obedeceram, mas depois os meninos começaram a ser mortos de verdade.

No Egito os hebreus eram oprimidos com trabalhos muito duros, porque foram encarregados de construir uma nova capital, assim como Juscelino fez com Brasília. Para isso, precisava de mão-de-obra, e conseguiram isso com os hebreus, explorados em favor dos egípcios.

É sempre assim: quando há algo de grande e difícil para fazer, são aqueles que vêm de fora que devem trabalhar (pensemos hoje nos migrantes, principalmente os nordestinos, em São Paulo e Rio de Janeiro, os brasileiros no Japão, etc..).



Moisés

Moisés nasce no Egito, num período de escravidão do povo hebreu. É um menino da Tribo de Levi. Seu nascimento é o nascimento de um povo, o povo de Israel. O povo conservou na memória que este acontecimento foi obra de Javé, o seu Deus.

Durante algum tempo a mãe o esconde e, para evitar que ele morra, coloca-o numa cesta e o abandona no Rio Nilo (Ex 2,10). Mas, salvo das águas, Moisés é educado em ambiente principesco e “iniciado em toda a sabedoria dos egípcios”. (At 7,22).

Passaram-se anos... Mas um dia Moisés, já crescido, foi visitar seus irmãos e viu os duros trabalhos que lhes eram impostos.

Matou um egípcio e fugiu apavorado para o deserto (Ex 2,1-15). Fica lá muitos anos, como pastor nômade.


A Vocação de Moisés

Moises toma a iniciativa de libertar o seu povo e de reuni-lo para que se liberte. Fracassa e foge para o deserto.
No meio de seus rebanhos, o Anjo do Senhor manifestou-se a ele sob a forma de uma chamada de fogo que brotava no meio de uma sarça. Deus o chamou: “Moisés, Moisés!” (Ex 3,1-6).

Moisés não o vê, mas ouve. Ele sabe que se encontra na presença de Deus. O fio da história é retomado. Chega a hora em que Deus vai realizar as promessas.

Moisés reconhece o chamado de Deus para libertar o seu povo. Esta é a missão que Deus dá a Moisés. Missão difícil. Ele fica com medo, como os profetas que são chamados por Deus. Todos, excerto Isaías, ficaram com medo. Todos desejaram recusar o chamado de Deus porque a missão é dura.

A experiência de Deus é um mistério que está além da compreensão humana. Esse mistério é apresentado aqui como fogo que arde sem consumir. O que interessa é que o “mistério” transforma a vida de Moisés para uma VOCAÇÃO (chamado).



NOME DE DEUS

Moisés diz a Deus: “Pois bem, vou ao encontro dos filhos de Israel e digo-lhe: O Deus de vossos pais enviou-me a vós. Mas se eles me perguntarem: Qual é o seu nome? Que responderei? (Ex 3,13). No Egito, todos sabem quais são os nomes dos seus deuses. “Se nós, hebreus, também temos um Deus, então, como é que ele se chama?” Deus responde: YHVH (IAHWEH... ‘EU SOU AQUELE QUE É’ ) EX 3,14.

Deus é aquele que caminha conosco, aquele que nos dá assistência. Deus é aquele que se revela na ação; aquele que está ao nosso lado, que está presente em nossa vida.

Moisés se sente incapaz e sem autoridade para ser mediador da libertação para um povo, com quem jamais conviveu. Deus lhe assegura que estará com ele e que a libertação vai se realizar.

Deus dá-lhe o poder de convencer e, para ajuda-lo, põe a seu lado Aarão, seu irmão (Ex 4,14). Aarão tem a facilidade de falar de maneira que o povo entenda, pois vive no meio do povo; além disso, é irmão de Moisés e poderá ser seu porta voz.

“Deus revelou-se ao seu povo Israel, dando-lhe a conhecer o seu nome. O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e o sentido da sua vida. Deus tem um nome. Não é uma força anônima. Dizer o seu nome é dar-se a conhecer aos outros; é de certo modo, entregar-se a si próprio, tornando-se acessível, capaz de ser conhecido mais intimamente e de ser invocado pessoalmente”.

“Deus revelou-se progressivamente e sob diversos nomes ao seu povo; mas foi a revelação do nome divino feita a Moisés na teofania (= manifestação de Deus) da sarça ardente, pouco antes do Êxodo e da Aliança do Sinai, que se impôs como sendo a revelação fundamental, tanto para a Antiga como a Nova Aliança”.




9o encontro

Moisés: Dificuldades na Missão

Quando Moisés foi ao encontro do Faraó (Ex 5) este se recusa a deixar partir os israelitas, por ter necessidade deles como grande “mão-de-obra” para suas construções.

Nos quinze primeiros capítulos do livro do Êxodo trata-se da libertação. Estes quinze capítulos se encontram entre os textos bíblicos mais conhecidos dos cristãos da América Latina. Milhares de círculos bíblicos e de comunidades de base são animados pelos textos que falam de Moisés e de seu povo.



EXODO: ACONTECIMENTO FUNDAMENTAL DA

HISTÓRIA DO POVO DE DEUS

O Êxodo = saída dos hebreus do Egito foi um acontecimento de primeira importância na história do povo de Deus. O êxodo é o centro de interpretação da lei e dos profetas, como preparação para compreender a missão e a prática libertadora de Jesus. A libertação do jugo egípcio constitui-se, pois, experiência básica no núcleo do povo de Deus.


O êxodo é o ponto central no Antigo Testamento

Quando uma criança perguntava pelos motivos que exigiam os cumprimentos dos mandamentos, o pai lhe respondia, contando a história da libertação do Egito. Na libertação está a prática dos mandamentos, em especial da justiça (Dt 6,20-25; Ex 20,2).

Quando um agricultor levava algo dos frutos de seu trabalho para o altar, recitava a história da libertação. A colheita que fizera era fruto do Êxodo (Dt 26, 1-11). Sim, a libertação do Egito era o conteúdo principal do credo dos israelitas. Não só o comprovam os dois textos já mencionados de Dt 6 e 26. outras tantas passagens bíblicas o confirmam, por exemplo: Js 24, 1-7; Sm 12,6; Sl 136.



A PASSAGEM DO SENHOR

Apesar das 10 pragas e dos prodígios de Deus, o Faraó endureceu o coração e recusou deixar partir os israelitas. É então que acontece a décima praga, a mais terrível e, com ela, o acontecimento de maior importância para o Povo de Israel.

Por meio deste acontecimento (a morte dos primogênitos) Deus traz a libertação (Ex 12,29-34). O Faraó deixa o povo israelita partir. Depois de uma caminhada, os egípcios perseguem o povo até o Mar Vermelho. Os israelitas, por graça de Deus, chegam vivos e livres à outra margem do Mar e cantam com gritos de alegria (Ex 15).

Este êxodo, esta libertação, tem grande importância. Antes da intervenção de Deus eles eram escravos, depois se transformam num povo que receberá o nome de POVO DE DEUS.

O êxodo (que quer dizer “saída”) foi o acontecimento que iniciou a caminhada deste povo.

A saída do povo de Deus do Egito

Tudo o que aconteceu com os hebreus na passagem do Mar Vermelho foi cantado por Miriam, a poetisa irmã de Moisés (Ex 15), e todo mundo sabe como numa poesia as coisas mudam, assumem uma cor diferente. Quando um namorado fala de sua namorada numa poesia, diz que ela tem cabelos de ouro e os olhos de brilhantes. Nós entendemos o que ele quer dizer. O Cântico de Miriam é também um poema de amor. Ela canta as maravilhas que Deus fez para o seu povo do jeito que ela sentiu, procurando imagens que expressassem melhor seus sentimentos de gratidão e de louvor.

Naquela altura, o canal que hoje existe ainda não tinha sido aberto e naquele ponto a água era muito rasa, tão rasa que quando a maré baixava dava até para passar a pé. Pelo que a Bíblia nos conta, parece que até a natureza colaborou para o povo poder sair e se libertar, Todavia, não faltaram dificuldades. A passagem do Mar Vermelho não foi tranqüila. De fato, quando os hebreus perceberam que os egípcios já estavam no encalço deles, tiveram medo e se revoltaram novamente contra Moisés. Deus porem, sabia o que estava fazendo. Deu ordem a Moisés de continuar passando para depois, logo que o último hebreu saísse da água, mandar fechar-se novamente em cima dos egípcios que também tentavam passar.

Sobre esta passagem dos hebreus pelo Mar Vermelho foi feito também um filme, “Os Dez Mandamentos”, e nesse filme o capítulo do êxodo foi tomado ao pé da letra, para impressionar mais espectadores. Agora, a coisa mais importante é que os hebreus saíram do Egito, passaram o mar e foram continuando numa caminhada de libertação, com Deus andando no meio deles.

O eixo está aí, está na presença de Deus, e não nos pormenores que podem interessar só até um certo ponto.

Esta passagem do Mar Vermelho é mais uma página da Bíblia que pode levantar muitas perguntas, no sentido de querer saber se as coisas se passaram mesmo assim. Será que os acontecimentos seguintes não influenciaram quem escreveu? É claro que aqui também se trata de uma história que foi contada depois que tudo se passou, com toda uma carga de lutas, problemas, dores e alegrias que aconteceram na caminhada. A versão de quem conta depois nunca pode corresponder exatamente aos fatos como eles se passaram, porque vem vista com os olhos de “depois”, numa perspectiva particular. Quando se contam as coisas depois, se tenta dar uma explicação para tudo, uma explicação nossa, como fazia aquele padre idoso que gostava de futebol e tinha seu time preferido. Quando o time ganhava, ele sublinhava a valentia dos jogadores; quando o time perdia, ele apontava a incompetência do juiz!




10o encontro

A Páscoa Hebraica

A páscoa era uma festa de nômades muito antiga, era primitivamente um ritual realizado por pastores: para proteger dos espíritos maus a família e o rebanho, que tinha as suas prescrições:



  • eles matavam um animal e com o sangue dele tingiam a entrada da tenda;
  • comer de pé o pão ázimo e as ervas amargas, com o bastão na mão e tendo desarmado a tenda para partida.
  •  celebra-la nos grupos e em seguida, na família.

Assim esta festa foi re-interpretada pelo povo israelita: Israel é o povo nômade que Javé tirou do Egito. “Naquele dia, recordareis o fato e o comemorareis solenemente com uma festa em honra do Senhor” (Ex 12,14). E esta grande festa será celebrada todos os anos para a intervenção de Deus ficar na memória do povo.

O povo sempre recordará esta libertação, nas celebrações, nos Salmos, nos Profetas (Sl 105,23-43; 106,7-12; 135,8-9). A celebração era uma catequese, com perguntas e respostas (Ex 12,26-27). Assim, toda família revivia o processo de libertação.

O gesto memorial mais importante era o sangue nos batentes das portas, que lhes trazia à memória a ação de javé, protegendo as suas casas contra a praga.

A repetição anual deste gesto dava ao povo forças para enfrentar com coragem e fé as pragas exterminadoras capazes de destruir os faraós, os Reis de Israel e de Judá, os opressores assíricos, babilônicos, persas, gregos ou romanos. Cada época tinha a sua praga.

A páscoa era celebrada todo ano, na noite de “lua cheia” no início da primavera. Sempre foi a celebração da esperança em tempos de opressão. A passagem do Senhor traz, ao mesmo tempo, sofrimento e alegrias. Assim é a Páscoa: fonte de morte e fonte de vida.

Os hebreus celebravam a Páscoa, com o sacrifício do cordeiro e o uso de pães sem fermento, conforme a ordem recebida quando Moisés convocou todos os anciãos de Israel dizendo:

“Ide e escolhei um cordeiro por família,e imolai a Páscoa... não comereis pão fermentado com essas vítimas; durante sete dias comereis um pão de aflição, porque saístes às pressas do Egito, para vos lembrardes assim, durante toda a vossa vida, do dia de vossa partida... E, quando vossos filhos vos disserem: que significa esse dia? Respondereis: É o sacrifício da Páscoa, em honra do Senhor que, ferindo os egípcios, passou por cima das casas dos israelitas no Egito e as preservou...” (Ex 12,21. 26-27; Dt 16,3).

Tal celebração devia ser feita numa noite de vigília, para lembrar como a noite da passagem do Mar Vermelho foi para Deus uma noite de vigília libertadora, a fim de os tirar do Egito. E essa mesma noite, diz o Êxodo, “é uma vigília a ser celebrada de geração em geração para todos os israelitas” (Ex 12,42).

A celebração da Páscoa, com o sacrifício do cordeiro e o uso dos pães sem fermento devia ser assim, para os hebreus, a lembrança perpétua de sua libertação, uma lembrança a ser “vivida” novamente na mesma celebração conforme a ordem de Moisés:

“Conserveis a memória deste dia, em que saístes do Egito, da casa da servidão. Explicarás então a teu filho: isto é em memória do que o Senhor fez por mim quando saí do Egito. Será para ti como um sinal sobre tua mão. Como uma marca entre os teus olhos...”(Ex 13,3.8-9).


Essa celebração da Páscoa, para os hebreus, foi assumindo com o tempo também uma dimensão futura. Novamente dominados por estrangeiros, os hebreus acabaram celebrando sua Páscoa lembrando o passado, mas pensando no futuro ainda na espera de uma nova libertação, a última e a definitiva, quando, finalmente toda escravidão seria vencida, e começaria um novo mundo há muito tempo prometido. Páscoa, então, para os hebreus, era uma celebração que reunia, numa visão única, três realidades bem distintas:



  •  Uma realidade do passado: o acontecimento histórico da libertação do Egito, quando Israel tornou-se assim o “povo de Deus”;
  • Uma realidade presente: a memória ritual (celebração) do acontecimento passado, devido à qual todo israelita tomava consciência de ser um “libertado” de Javé, não somente porque o foram os seus antepassados, mas também pessoalmente.
  • Uma realidade futura: a libertação do Egito era o símbolo de uma futura e definitiva libertação do povo de toda escravidão, libertação que devia se realizar numa nova Páscoa, uma Páscoa que teria marcado o fim de uma situação de pecado e o começo de uma nova era.
  • A história do êxodo e da Passagem, a história que é figura de nossa Páscoa e de nossa libertação, é a história mais importante da Bíblia.

  • A Páscoa cristã é a continuação da Páscoa Judaica. Jesus também a celebrou. Ele, porém, amplia-a, reliza-a em plenitude, inaugura uma nova Páscoa. Ele mesmo se transforma no cordeiro Pascal, cujo sangue vai ser derramado para salvar, não algumas tribos que estavam na escravidão, mas toda a humanidade.




11o encontro

ALIANÇA: O pacto da amizade

Depois da passagem do Mar Vermelho começa a grande caminhada para a Terra prometida. Depois de 50 dias, os israelitas chegam ao sopé de uma montanha, o Sinai. Neste lugar grandioso, Deus vai fazer Aliança com este povo (Ex 19,1-6).

“Deu agora em diante, se me obedecerdes e respeitardes minha Aliança, eu vos considerarei o Meu povo entre todos os povos... um reino de sacerdotes e uma nação consagrada” Êx.19,5-6. Esta é a vocação do povo de Israel.

Um reino de sacerdotes = o povo eleito é chamado reino sacerdotal, nação santa porque era consagrado de modo especial a Deus.

Sacerdócio da Ordem = são representantes de Cristo no meio dos fiéis.


Toda Bíblia gira em torno da Aliança de Deus com os homens. A Aliança é o ponto central da Bíblia.

Ao fazer “Aliança”, Deus sempre usou intermediários, como: Noé, Abraão, Moisés e outros. mas, a Aliança não era somente com essas pessoas e sim com todo o povo de Deus.

A palavra Aliança tem um conceito muito rico: em hebraico, BERIT e em latim, TESTAMENTENTUM. Traduzimos por: pacto, vínculo, comunhão, união, diálogo, casamento, tratado, compromisso...

Da primeira à ultima página da Bíblia aparece a Aliança que Deus fez com os homens, em seus diversos aspectos: promessa com os Patriarcas, Aliança no Sinai com Moisés, crises... até chegar a Nova Aliança com Jesus Cristo.

A Bíblia é o livro que nos fala da Aliança. As duas partes da Bíblia: o AT e o NT, poderiam ser chamados de antiga e nova Aliança.

Deus sempre quis fazer uma Aliança com o homem. Tão forte é este desejo de Deus, que Ele criou o homem à sua imagem e semelhança.

Aliança acontece no casamento. Mas o compromisso entre o noivo e a noiva é invisível, porque é feito no coração. É um compromisso de amor e fidelidade que fazem entre si, para sempre. Mas, para tornar público esse compromisso, eles expressam seu amor por palavras, diante de uma comunidade. Além disso, usam um sinal externo que levam no dedo: uma aliança de metal que serve para lembrar o compromisso de amor.

Assim também acontece na Aliança de Deus com os homens. Existe sempre um sinal externo que vem “selar” esse pacto de amor. Por exemplo, depois do dilúvio, Noé ofereceu um sacrifício ao Senhor sobre o altar. Então Deus disse a Noé e a seus filhos: “Vou fazer uma Aliança com vocês e com os seus descendentes” (Gn 9,8-17). O arco-íris já existia, mas Deus escolheu-o como sinal e lembrança visível da promessa. Esta Aliança abrange toda a humanidade e toda a criação.

Com Abraão, o sinal da Aliança foi feito através das carnes das vítimas, divididas ao meio. Em seguida colocava-se uma parte em frente à outra e os contratantes passavam pelo meio delas invocando sobre si a maldição e a sorte das vitimas (Gn 15,1-18; Jr 34,18-19).

Gn 15,11 = as aves rapinas eram consideradas sinal de mau agouro. O enxotamento das aves indicaria a libertação e a vitória.

Gn 15,17 = o fogo que passa entre as partes das vítimas indica a passagem de Deus para confirmar a sua promessa. Entre os antigos era costume passarem as partes contratantes entre as vítimas esquartejadas, invocando sobre si o castigo no caso do não cumprimento aos termos do contrato.

Gn 17,9 = a circuncisão já era praticada antes de Abraão, mas será assumida como sinal sagrado que recordará a Aliança estabelecida e ao mesmo tempo lembrará aos hebreus os seus deveres de povo eleito, do qual passavam a participar justamente mediante esse rito.

O sangue tirado dos animais servia para o ritual: mergulhavam as mãos e aspergiam o altar e o povo. O sangue é muito importante no ritual da Aliança porque ele era considerado como “alma”, “vida”. A aspersão com o sangue criava entre as pessoas laço de vida sagrada (Ex 24,7-8).

Com Moisés, a Aliança ficou gravada numa pedra da lei, que se chamou Decálogo, os DEZ MANDAMENTOS, que seria a prova e o compromisso da Aliança. A saída do Egito é o ponto de destaque na história de Israel. A partir desta Aliança, as pessoas se constituíram um povo, o Povo de Deus. A aliança do Sinai é a mais importante do Antigo Testamento.

A aliança do Sinai é diferente das outras alianças: é condicional – Deus é o nosso Deus e nós somos o seu povo, por isso, somos todos irmãos, tendo um único Deus.

Isso exige uma continua fidelidade, vigilância e compromisso (EX 24,7-8) que se resumia no Decálogo.

A infidelidade à aliança é semelhante a um casamento infiel. Os profetas usam expressões conjugais para alertar esta infidelidade: “comportamento adúltero”, “prostituição”, “Deus é um Deus ciumento”.

Os manuscritos do Mar Morto (Quran) mostram que as idéias da Aliança continuaram a investir grande importância na teologia hebraica até o tempo do Novo Testamento. O próprio Jesus pressupõe que seus discípulos conheçam bem esta mentalidade, quando diz que sua morte inaugura a Nova Aliança (Mc 14,24).



12o encontro

OS DEZ MANDAMENTOS: A CONSTITUIÇÃO DO POVO DE DEUS

OS DEZ mandamentos (Ex 20,3-17) são como um grande quadro pendurado na parede da vida. O prego que os sustenta são as Palavras de Deus: “Eu sou Javé teu Deus, que te fiz sair da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex20,2). Com estas palavras, Deus declara a autoridade e o objetivo dos dez mandamentos.

A autoridade: tirando o povo da casa da escravidão, Deus conquistou um título de propriedade sobre o povo (Ex 19,5-6). Por isso ele tem direito de revelar-lhe a sua vontade, expressa nos dez mandamentos.

O objetivo: fazer alguém sair da “casa da escravidão” para a liberdade não é algo que se faça de um dia para o outro. É um processo que exige sábia orientação (TORÁ, em hebraico) está contida nos dez mandamentos. São pistas que ajudam o povo a continuar no caminho da liberdade, da fraternidade e da justiça, são a negação da escravidão. A observância fiel dos dez mandamentos faz com que o povo se torne a Boa Nova para os oprimidos e amostra concreta daquilo que Deus quer para todos.

Os dez mandamentos não foram dados a crianças, mas aos adultos. Não são para amedrontar nem limitar a liberdade, e sim para defende-la e aprofunda-la. Não foram dirigidos, em primeiro lugar, aos indivíduos, mas ao povo. Não têm como objetivo melhorar apenas o comportamento individual. Isto é bom, mas não é suficiente. Orientam também, e sobretudo, para uma nova organização do povo. Não apenas os indivíduos, mas também o povo, enquanto povo, deve observar os mandamentos.

Há pessoas consideradas boas e honestas, que não matam nem roubam, mas que, sem problema algum de consciência, colaboram na manutenção de um sistema que hoje, a cada ano, mata de fome centenas de milhares de pessoas; que legitima o roubo de bilhões de dólares através da vivida externa; rebaixa a mulher, gera a cobiça, etc. Será que estas pessoas observam os dez mandamentos?

Os mandamentos são a resposta de Deus ao clamor do povo oprimido. Os dez mandamentos revelam os grandes valores da vida humana. Defendem os direitos e os deveres básicos das pessoas, dos grupos, dos povos. Deste ponto de vista podem ser lidos assim:


1. Só YHWH como Deus! (Religião e fé como força libertadora)

2. Não usar o Nome de Deus em Vão! (Não manipular a fé a favor da exploração)

3. Observar o Sábado! (O descanso semanal e o valor ao trabalho)

4. Honrar Pai e Mãe! (O uso correto da autoridade e do poder)

5. Não Matar! (0 valor da vida e o respeito que lhe é devido)

6. Não cometer Adultério! (O amor como fonte de liberdade e não de opressão)

7. Não Furtar! (O direito aos bens necessários para a vida)

8. Não Levantar Falso Testemunho! (A verdade como fundamento do relacionamento humano)

9 e 10. Não Desejar Nada do Outro! (O combate à ideologia do sistema opressor)



por isso, em cada mandamento, devíamos perguntar: qual é o clamor que está por trás dele?
Jesus não anulou esta Lei. Ele veio completá-la (Mt 5,17). E ela vale até hoje para todos aqueles que acreditam em Deus.

Uma lei é como uma indicação na estrada. Indica o caminho a seguir. É uma grande ajuda na caminhada; é como uma ferramenta no trabalho. Pela Lei dos Dez Mandamentos, Deus indicou o caminho certo para:


1. o povo nunca mais voltar a viver na escravidão.

2. o povo conservar a liberdade que conquistou, saindo do Egito.

3. o povo viver na justiça e na fraternidade.

4. o povo ser um povo organizado, sinal de Deus no mundo.

5. o povo organizado em comunidades, sendo resposta ao clamor de todo o povo.

6. o povo ser anúncio e uma amostra daquilo que Deus quer para todos.

7. o povo chegar à prática perfeita do amor de Deus e do amor ao próximo.



Os dez mandamentos nos fazem conhecer melhor os nossos deveres, os nossos direitos e a nossa missão.
No tempo de Jesus havia alguns fariseus que ensinavam os mandamentos, sem observa-los (Mt 23,4; Mc 7,8-13; Jo 7,19). Só repetiam a letra, mas matavam o espírito da Lei (Lc 11,39-44; 2Cor 3,6). Esqueciam que a lei tinha sido dada para libertar e educar (Gl 3,21) e a transformaram em instrumento de opressão (Lc 11,46; Mt 11,28).

Jesus criticou a interpretação dos fariseus e dos doutores (Mt 5,20; 26,1-36) e deu uma nova explicação (Mt 5,17-48).



13o encontro

Levítico
Formação de um povo Santo

Levítico provém do nome Levi, a tribo de Israel que foi escolhida para exercer a função sacerdotal no meio do seu povo.

Embora situado logo após o êxodo e atribuído a Moisés, o livro do Levítico, na verdade, foi escrito depois do exílio na Babilônia. Concorreram para a sua formação textos elaborados pelos sacerdotes através dos tempos: um ritual para os sacrifícios, um ritual para a consagração dos sacerdotes e critérios para distinguir o que é puro e o que é impuro. A tudo isso foi acrescentado Lv 17-26, chamado Lei de Santidade.

Por trás da repetição monótona das leis, podemos descobrir o ideal proposto ao povo que, no passado, Javé havia libertado da escravidão do Egito e que, no presente, Javé libertou do exílio na Babilônia: cultuar o Deus libertador que vive no meio do povo, reconhecer seus dons através dos sacrifícios, servi-lo através dos sacerdotes e voltar sempre à comunhão com ele através do perdão. Acima de tudo, porém, está a exigência de ser coerente na Aliança: ser santo como o próprio Javé é santo (Lv 19,2). Essa santidade não consiste apenas em oferecer um culto minucioso, mas em viver a justiça e o amor de Javé nas relações concretas. É dessa concepção de santidade encarnada que temos o mandamento fundamental de toda a ética: “Ame o seu próximo como a si mesmo” (Lv 19,18).

DIVISÃO GERAL

Levítico:

• ritual dos sacrifícios (1-7);

• lei dos sacerdotes (8-10) ; .

• lei de pureza (11 – 16);.....

• lei de santidade (17 - 27).



NÚMEROS

A caminho da terra prometida

Este livro se chama NÚMEROS porque começa com um grande recenseamento do povo hebreu no deserto.

Para os hebreus, a saída do Egito foi uma penosa caminhada em busca de uma terra. Neste livro a caminhada se transforma em majestosa marcha organizada de todo um povo, como uma procissão ou um exército. As tribos de Israel estão todas presentes, formando os esquadrões de Deus, cada uma com o seu estandarte e avançando em rigorosa formação. No centro de tudo vai a arca da Aliança.

Isso mostra que o livro não pretende narrar fatos históricos, mas quer nos transmitir mensagens. Assim como os antepassados saíram da escravidão do Egito para chegar à terra de Canaã, do mesmo modo todo o povo de Deus é peregrino e caminha para o Reino prometido por Jesus. A organização mostra que dentro do povo de Deus as funções devem ser repartidas, mas com um único objetivo: realizar o projeto de Deus. E a arca da Aliança no centro indica que, nessa caminhada, Deus está sempre no meio do seu povo.

O livro mostra também, e com muito realismo, que dentro dessa organização existem fortes conflitos (Nm 16), e que seus chefes estão sujeitos a fraquezas e desânimos, por mais importantes que eles sejam na comunidade.

Em números 22 a 24 temos a história de Balaão e a sua burrinha. Essa história mostra como um adivinho estrangeiro se torna um verdadeiro profeta de Deus. Com essa narração o livro quer mostrar que dentro da caminhada do povo de Deus para a Terra Prometida deve haver sempre um lugar para o profeta.

O deserto foi o tempo da grande disciplina e pedagogia para o povo de Deus. Não basta estar livre: é preciso aprender a viver a liberdade e conquista-la continuamente, para não voltar a ser escravo outra vez. No deserto Israel teve que superar muitas tentações: acomodação, desânimo, vontade de voltar para trás, desconfiança de Javé e dos líderes, imprudência etc. foi no confronto com essas situações que ele descobriu o que significa ser livre para construir uma sociedade justa e fraterna, alicerçada na liberdade e voltada para a vida. Visto sob essa perspectiva, o livro dos Números nos ensina que qualquer transformação profunda exige um longo período de educação e amadurecimento.


DIVISÃO GERAL

Números
  • organização do recenseamento dos Levitas (1-4)
  •  coletânea de leis diversas e funções sacerdotais (5-6)
  •  oferendas e consagrações em vista da partida do Sinai (7-8)
  • Páscoa e últimas medidas que precedem a partida (9-10)

  • Etapas da marcha e do reconhecimento de Canaã (11-14)

  • Leis sobre os sacrifícios, sacerdotes e levitas (15-19)

  • Nova seção narrativa de fatos acontecidos na marcha (20-25)

  • Recenseamento, sacrifícios e direitos da mulher (26-30)

  • Guerra e partida da terra prometida (31-36)


DEUTERONÔMIO

Projeto de uma nova sociedade

A palavra grega DEUTERONÔMIO significa segunda Lei. Trata-se de uma reapresentação e adaptação da lei em vista da vida de Israel na terra Prometida. Este livro nasceu muito tempo depois da situação histórica que nele encontramos (discurso de Moisés antes da entrada na Terra), e passou por um longo período de formação. Para o autor, porém, o povo de Deus está sempre na posição de quem deve se converter a Deus e viver em aliança com ele, para ter a vida (Terra = vida).

A idéia central de todo o livro é que Israel viverá feliz e próspero na Terra se for fiel à aliança com Deus; se for infiel, terá a desgraça e acabará perdendo a Terra. O livro, porém, não se contenta com idéias gerais. Após relembrar o Decálogo (5,1-22), ele mostra que o comportamento fundamental do homem para com Deus é o amor com todo o ser (6,4-9). A seguir apresenta uma longa catequese, explicando o que significa viver esse amor em todas as circunstâncias da vida pessoal, social, política e religiosa. Essa catequese é apresentada sobretudo através das leis do Deuteronômio (capítulos 12-26), onde se procura ensinar ao homem como viver em sua relação com Deus, com as autoridades, com o outro homem, e até mesmo com os seres da natureza.

Mais do que nos determos nessa ou naquela parte do livro, encafifados talvez com uma ou outra lei, o importante é perceber o que o conjunto procura transmitir: um projeto de sociedade nova, baseado na fraternidade entre os homens e na partilha de tudo o que Deus concedeu a todos. Notar sobretudo que Deus é chamado de Pai (1,31), e os membros do povo são chamados entre si de irmãos. A vocação do povo de Deus é a fraternidade e a partilha.

O livro do Deuteronômio é, sobretudo, um modelo de ação pastoral e social. Sua parte central (Dt 12-26) nasceu em meados do Séc. VIII a.C., numa época de grande desenvolvimento econômico, que acabou por acelerar a injustiça e a desigualdade social: uma minoria privilegiada detinha a riqueza e o poder, enquanto a minoria do povo ficava reduzida à miséria. Diante disso os levitas itinerantes (não ligados diretamente a um santuário) desenvolveram uma catequese que mostrava o caminho para superação dos conflitos.

Essa catequese diante de situações concretas se cristalizou nas leis do Deuteronômio. Tais leis não devem ser entendidas no nosso sentido moderno de lei, mas muito mais como orientação, ensino, educação para produzir relações justas e fraternas dentro da sociedade. A intenção básica dos levitas era provocar coerência entre a Aliança que se celebra e a vida que se vive. O esforço deles é um modelo para que também nós saibamos tirar as conseqüências econômicas, políticas e sociais da fé que professamos, a fim de que o fermento evangélico gere de fato uma sociedade nova.



DIVISÃO GERAL

Deuteronômio

• discurso introdutório (1-11)

• código deuteronômio (12-26)

• discurso conclusivo (27-30)

• final da vida de Moisés (31-34)







Bibliografia



VALDÉS, Ariel Álvares, Que sabemos sobre a Bíblia, vol 2, ed. Santuário, Aparecida SP. 1997.

Pe. ANTONIAZZI, Alberto; BROSHUIS, Inês; PULGA, Rosana, ABC da Bíblia, 29a ed. Paulus, 1984, SP.

MESTERS, Carlos, Curso Bíblico 1 e 2, distribuição: CCJ- Centro de Capacitação da Juventude, 2a ed. Outubro de 1994, SP.

FAMILIA Cristã, suplemento No 1 A caminho do novo milênio, ed. Paulinas.

BIBLIA SAGRADA. Ed. Pastoral. São Paulo: Edições Paulinas, 1990.

LIVRO DO CATEQUISTA. Fé, vida, comunidade. Centro Catequético Diocesano. Diocese de Osasco. 9o Ed. São Paulo: Paulus, 1994.

MEDEIROS, José M. de. Panorama da História da Bíblia. 6o Ed. São Paulo: Paulus Gráfica, 1999.