Na imaginação dos fiéis, este lugar santo assume
uma relevância simbólica particular: se esperaria que o santuario mais
importante da cristandade se elevasse majestosamente sobre uma colina. Na
realidade, o monumento é encerrado nas construções anônimas. No lugar onde se
procuraria uma luz encandescente, perde-se na escuridão e numa sensação de
estreiteza. Onde se esperava encontrar a paz, se é assediado pela cacofonia das
diferentes melodias e pelo barulho dos martelos dos pedreiros. Onde se
desejaria uma veneração condescendente e desinteressada, encontra-se o ciume:
os seis grupos representados - a Igreja católica, a Igreja grega ortodoxa, os
Armenios, os Sírios, os coptas e os Etíopes - eles se vigiam uns aos outros
constantemente para reagir à mínima violação de seus direitos pessoais.
Nunca a fraqueza humana foi tão evidente como
neste lugar santo. Aqueles que aqui vieram sem fé esperando encontrar sinais
exteriores partirão sem convicção, enquanto que aqueles que souberem buscar a
resposta neles mesmos compreenderão porque centenas de milhares de peregrinos
arriscaram voluntariamente suas vidas e
a liberdade para virem rezar aqui.
Será que é o lugar onde o Cristo foi morte e
ressucitou? Muito provavelmente, sim. No inicio do I século d.C., este lugar
era uma pedreira abandonada fora dos muros da cidade. Túmulos eram talhados nas
paredes verticais deixadas pela extração de pedras fendidas de qualidade
inferior a 10 metros de altura. Pode-se precisar que os túmulos nas pedreiras
datam do I século comparando-os aos túmulos encontrados alhures. Estes fatos
arqueológicos servem ao menos para reforçar os paralelos entre este lugar e a
descrição correspondente no Evangelho relatando que Jesus foi crucificado fora
da cidade, sobre um lugar tendo a forma de um crânio (Jo 19, 17) e não longe de
um túmulo (Jo 19, 41-42).
Estas indicações arqueológicas encontram uma base
na tradição. Na comunidade judaica, o costume era de rezar sobre os túmulos dos
santos, e as celebrações litúrgicas sobre os túmulos em questão se reproduziram
ao menos até o ano 66 d.C. A lembrança deste lugar permaneceu viva, muito
depois que Adriano (135 d.C.) tenha preenchido de pedras para criar uma
superficie plana a fim de construir seu templo consagrado a Afrodita. Não é evidente
que Adriano tenha escolhido este lugar para destruir a lembrança cristã, como o
pretende Jerônimo; um lugar elevado natural próximo da rua principal teria
atirado a atenção de não importa qual arquiteto. O emperador Constatino deve
ter longamente refletido no valor deste lugar tradicional antes de precisar a
colocação de sua Igreja dedicada à Ressurreição. Pois, para construir uma
Igreja justo sobre o túmulo, primeiramente foi preciso destruir o importante
edificio, o que multiplicaria o custo da construção. Como o povo queria o lugar
exato para a construção, Constantino finalmente cedeu à tradição. Na verdade, o
público sempre rejeitou todo outra sugestão com exeção do túmulo do jardim
criado pelo general Gordon em 1883.
Constantino começou seu canteiro em 326 e
inaugurou sua igreja em 335. A igreja se compunha de 4 elementos: 1 átrium no
alto da escada vindo da rua principal; uma basílica coberta com uma absídia; um
pátio, no ângulo sudeste, a roca identificada com o Golgota; o túmulo. No
momento da inauguração, o túmulo não fora destacado do despenhadero, este
trabalho imenso foi terminado por volta do ano 348.
Os Persas queimaram a Igreja em 614; Modesto a
reconstruiu sem grandes mudanças. Quando o califa Omar venho assinar o tratado
de capitulação em 638, ele recusou o convite do patriarca propondo rezar na
igreja com esta resposta: “se eu rezo nesta igreja, voce a perderá; pois os
crentes musulmanos virão a ocupar dizendo: Omar rezou aqui”. Mas se a igreja tivesse sido transformada em mesquita nesta época, ela
teria escapado aos ataques do califa Hakim. Em 1009 este ordenou a destruição
sistemática da igreja: as equipes de destruição quebraram as paredes e
danificaram o túmulo com golpes de martelo e com picaretas até que os
descombros impediram-nos a continuar a destruição.
A comunidade de Jerusalém, desprovida de
dinheiro, não pode pagar a reparação. Foi necessario esperar até 1042, o ano
que Constantino IX Monomaco subiu ao trono bizantino, para que tesouraria
imperial acordasse uma subvenção. No entanto a soma foi insuficiente e o
projeto de reconstrução teve que excluir uma boa parte do idificio inicial.
Para compensar a perda da basílica, acrescentou-se um galeria superior e uma
absidia en torno da retonda. O pátio retomou mais ou menos seu aspecto inicial.
Esta foi a igreja que acolheu os cruzados em 15 de julho de 1099. Cinquenta
anos mais tarde, os cruzados deram um novo retoque à igreja romana construida
sobre o pátio e acrescentada à retonda. O Santo Sepulcro que se visita hoje foi
portanto arrumado pelos cruzados. A igreja foi danificada por um incendio em
1808 e por uma terremoto em 1927, mas as tres comunidades maiores (católicos,
ortodoxos e armenios) somente entraram em acordo para reconstrução em 1959.
Agora, os trabalhos já estão quase terminados. O principio de base é a remoção
de elementos que não asseguram suas funções estruturais: uma pedra partida foi
substituida, enquanto que sua vizinha que era sólida foi deixada no lugar. Os
pedreiros da região aprenderam a talhar a pedra da mesma maneira que se fazia
no século XI para a retonda e como se fazia no século XII para a igreja.
Jerome Murphy-O’Connor, Guide Archeologique de
la Terre Sainte, Denoël, 1982, 57-60.
Santo Secpulcro, um olhar histórico.
Na sequência da destruição
de Jerusalém em 70 d.C. pelo
Imperador Tito; Um outro imperador romano chamado Élio Trajano Adriano (117-138), ordenou a sua
reconstrução segundo um modelo que visava fazer dela uma cidade pagã chamada Aelia Capitolina[1].; A
fundação de Aelia Capitolina resultou da fracassada revolta judia de Bar Kokhba[2]; os judeus foram proibidos de entrar na nova cidade e um destacamento
da Décima Legião foi designado para guardar a cidade e assegurar a proibição
de acesso. Neste sentido, o imperador ordena que o local identificado com a
sepultura de Jesus seja coberto com terra e que nele fosse construído um templo
dedicado a Vénus.
Em 313, o imperador Constantino[3] decretou o Édito de Tolerância para
com os cristãos (ou Édito de
Milão[4]), que implicou o fim das perseguições.
Em 326, sua mãe Helena[5] visitou Jerusalém com o objetivo de procurar os locais
associados aos últimos dias de Jesus Cristo. Em Jerusalém, ela identificou o
local da crucificação (o rochedo chamado Gólgota[6]) e a tumba próxima conhecida como Anastasis[7] ("ressurreição", em grego).
O imperador decidiu então construir um santuário apropriado no local, a Igreja
do Santo Sepulcro, no lugar do templo de Adriano dedicado a Vénus. Os arquitetos inspiraram-se não nas
estruturas religiosas pagãs, mas na basílica[8], um edifício que entre os romanos servia como local de
encontro, de comércio e de administração da justiça.
Em 614, a igreja de
Constantino foi praticamente destruída pela invasão dos persas sassânidas[9] que roubaram os seus tesouros. A
basílica foi reconstruída pelos bizantinos[10] durante a reconquista da
cidade por Heráclio[11].
Em 638, a cidade de
Jerusalém, assim como toda a Palestina[12], passou para as mãos dos muçulmanos. Os primeiros líderes muçulmanos de Jerusalém revelaram-se
tolerantes para com o cristianismo. Em 966, as portas e o telhado da igreja
foram queimados durante um motim. Em 1009, o califa fatimida[13] Al-Hakim ordenou a destruição de todas as igrejas de Jerusalém,
incluindo o Santo Sepulcro, sendo que somente os pilares da igreja, que eram da
época de Constantino, sobreviveram à destruição. A notícia da sua destruição
foi um dos fatores que estiveram na origem das Cruzadas[14].
Em 1099, os cruzados
tomaram Jerusalém e construíram uma nova basílica que, no seu essencial, é a
que se encontra hoje no local. A nova igreja foi consagrada em 1149. Debaixo da
igreja encontra-se a cripta de Santa Helena,
local onde a mãe de Constantino
I afirmou ter encontrado a verdadeira
cruz na qual Jesus
Cristo teria sido crucificado.
Com o regresso de
Jerusalém ao domínio islâmico em 1187, Saladino[15] proibiu a destruição de qualquer
edifício religioso associado ao cristianismo. No século XIV, o local começou a
ser administrado por monges católicos e por monges ortodoxos gregos. Outras comunidades pediam também a possibilidade de
gerir o local (como os coptas[16])
No século XVIII,
procedeu-se à reparação da cúpula da Igreja do Santo Sepulcro. Em 1808, um
incêndio destruiu o local e a restauração iniciou-se em 1810. Novos restauros
ocorrem entre 1863 e 1868.
Em 1927, um abalo sísmico
em Jerusalém causou graves estragos à estrutura.
Desde o
tempo dos cruzados, os recintos e o edifício da Basílica do Santo Sepulcro
tornaram-se propriedade das três maiores denominações - os greco-ortodoxos, os armênio-ortodoxos e os católicos
romanos. Outras comunidades - os copta-ortodoxos egípcios, os etíope-ortodoxos e os sírio-ortodoxos - também têm certos direitos e pequenas propriedades dentro
ou a pouca distância do edifício. Os direitos e os privilégios de todas estas
comunidades são protegidos pelo Status
Quo[17] dos Lugares Santos (1852), conforme estabelece o Artigo LXII do Tratado de Berlim[18] (1878).
[1] O nome Aelia vem do nome gentil de Adriano; Capitolina, porque
a nova cidade foi dedicada a Júpiter Capitolino, a
quem um templo foi construído no sítio do Templo
Judeu.
[2] Foi uma rebelião de judeus contra o Império Romano,
que explodiu na Judeia, em 132 d.C.
[3]Constantino I, também conhecido como Constantino Magno ou Constantino,
o Grande (em latim Flavius Valerius Constantinus).
[4] Também referenciado como Édito da Tolerância, declarava que
o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso,
acabando oficialmente com toda perseguição sancionada oficialmente,
especialmente do Cristianismo. O édito foi emitido pelo tetrarca ocidental Constantino
I, o grande, e por Licínio, o tetrarca Oriental.
[5] Flávia Júlia Helena, também conhecida como Santa Helena, Helena
Augusta, e Helena de Constantinopla.
[6]
Calvário (em aramaico Gólgota) é o nome dado à colina que na época
de Cristo ficava fora da cidade de Jerusalém, onde Jesus foi crucificado.
Calvaria em latim, Κρανιου Τοπος (Kraniou Topos) em grego e Gûlgaltâ em
transliteração do aramaico. O termo significa “caveira”, referindo-se a uma
colina ou platô que contém uma pilha de crânios ou a um acidente geográfico que
se assemelha a um crânio.
[7]
Em grego: anastasis significa literalmente "levantar;
erguer". Esta palavra é usada com frequência nas Escrituras bíblicas,
referindo à ressurreição dos mortos. No seio do povo hebreu, a palavra
correlata designava diversos fenômenos que eram confundidos na mentalidade da
época. O seu significado literal é voltar à vida; assim, o ato de uma pessoa
considerada morta viver novamente era chamado ressurreição. Existe a conotação
escatológica adotada pelas igreja cristãs para esse termo que é a ressurreição
dos mortos no dia do juízo final.
[8]
Basílica é um grande espaço coberto, destinado à realização de
assembleias cuja origem remonta à Grécia Helenística. O seu modelo foi
largamente desenvolvido pelos Romanos, sendo mais tarde adaptado como modelo
para os templos cristãos.
[9]
O império sassânidas foi o último Império Persa pré-islâmico,
governado pela dinastia sassânida de 224 d.C. a 651.
[10]
O Império Bizantino (ou Bizâncio) foi o Império Romano do Oriente
durante a Antiguidade Tardia e a Idade Média, centrado na sua capital,
Constantinopla. Conhecido simplesmente como Império Romano.
[11]
Flávio
Heráclio Augusto (ca. 575 — 11
de fevereiro de 641) reinou como imperador
bizantino de 5
de outubro de 610 a 11 de fevereiro de 641.
[12]
Palestina é a denominação histórica dada pelo Império Romano a
partir de um nome hebraico bíblico, a uma região do Oriente Médio situada entre
a costa oriental do Mediterrâneo e as atuais fronteiras ocidentais do Iraque e
Arábia saudita, hoje compondo os territórios da Jordânia e Israel, além do sul
do Líbano e os territórios de Gaza e Cisjordânia.
[13] O Califado Fatímida foi um califado formado com a ascensão da
dinastia dos fatímidas, uma dinastia do xiismo ismaelita constituída por
catorze califas, que reinou na África do Norte entre 909 e 1048 e no Egipto
entre 969 e 1171.
[14]
Chama-se cruzada a qualquer um dos movimentos militares de inspiração
cristã que partiram da Europa Ocidental em direção à Terra Santa e à cidade de
Jerusalém com o intuito de conquistá-las, ocupá-las e mantê-las sob domínio
cristão. Estes movimentos estenderam-se entre os séculos XI e XIII, época em que
a região estava sob controle dos turcos muçulmanos.
[15]
Saladino foi um chefe militar curdo muçulmano que se tornou
sultão do Egito e da Síria e liderou a oposição islâmica aos cruzados europeus
no Levante. No auge de seu poder, seu domínio se estendia pelo Egito, Síria,
Iraque, Iêmen e pelo Hijaz. Foi responsável por reconquistar Jerusalém das mãos
do Reino de Jerusalém, após sua vitória na Batalha de Hattin e, como tal,
tornou-se uma figura emblemática na cultura curda, árabe, persa, turca e
islâmica em geral.
[16]
A Igreja Ortodoxa Copta, de acordo com a tradição, foi estabelecida
pelo apóstolo São Marcos no Egito em meados do século I (aproximadamente no ano
60). É uma Igreja não-calcedoniana, isto é, uma Igreja cristã que não está em
comunhão com a Igreja Ortodoxa nem com a Igreja Católica.
[17]
O
conceito de "status quo" origina-se do termo diplomático
"in statu quo ante bellum", que significa "no estado (em
que se estava) antes da guerra.
[18]
O Tratado de Berlim, concluído em 13 de julho de 1878, foi acordado
entre as principais potências da Europa e o Império Otomano, e determinou o
estabelecimento de um verdadeiro regime de controle permanente sobre a
administração interna do império, de maneira a garantir o que os europeus
invocavam como um mínimo aceitável de direitos, em particular a "liberdade
religiosa" para os cidadãos submetidos à lei turca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário