CONFERÊNCIA
DOS RELIGIOSOS DO BRASIL
GRUPO
DE REFLEXÃO “MULHER CONSAGRADA” (GRMC)
CURSO
“RELAÇÕES DE GÊNERO”
ESTUDO NO 2
GÊNERO E LEITURA BÍBLICA
INTRODUÇÃO
A teoria de gênero nos ajuda a analisar as leis, costumes e estruturas
que a sociedade comunica de maneira intensa e sutil, determinando e
justificando as relações desiguais entre homens e mulheres, em todos os campos
da sociedade.
Mitos, lendas, piadas e provérbios justificam as desigualdades e
privilégios que estão por trás dos padrões sociais de gênero. Na sua
comunicação, a experiência religiosa tem muita força. Ela é responsável por
aspectos ideológicos não questionados, que mantêm os preconceitos contra a
mulher. Estes são introjetados pelas próprias mulheres, que passam a
transmiti-los na família, na escola, na comunidade, no trabalho e no lazer.
1 - DESPERTAR E DECONSTRUIR
É preciso deconstruir estes velhos padrões de identidade e
comportamento. Urge criar relações de
igualdade, companheirismo, ajuda mútua e intercâmbio enriquecedor entre homens
e mulheres, superando as velhas e dolorosas exclusões de gênero, raça/etnia e
classe.
Para realizar esta deconstrução dos padrões de gênero é necessário
lembrar que estão relacionados ao modo como uma sociedade se organiza e exerce
o poder. A sociedade constrói o tipo de homem e mulher que lhe interessa para
manter sua estrutura, seu modelo de organização. Mitos e tabus estão nas raízes
desses padrões .
2 - MITOS, TABUS E PRECONCEITOS:
Os padrões gerados pela maneira como um grupo social compreende e
exerce o poder estão relacionados também às dificuldades de integração da
sexualidade e da afetividade. Mitos e tabus servem para justificar a dominação
e esconder o medo. Estes mitos e tabus estão presentes também na Biblia. São um
reflexo da sociedade patriarcal onde a Bíblia foi elaborada. Eles são
responsáveis pelas leis, costumes e estruturas discriminadoras da mulher no
povo da Bíblia e pelo silêncio sobre ela
na redação de alguns textos bíblicos.
Posturas preconceituosas em relação à mulher estão presentes tanto na
redação, como na tradução, interpretação e transmissão bíblica ao longo dos
séculos.
3 - O PROBLEMA DAS TRADUÇÕES:
Alguns textos que conseguiram sobreviver às redações preconceituosas
foram deturpados pelos copistas e tradutores. Ao fazer as cópias, aqueles
que tinham o modelo de sociedade
caracterizado pelo predomínio do homem, eliminanaram nomes e artigos femininos.
Por exemplo, em Col 4,15 encontramos uma
saudação a Ninfas e à igreja que se reúne na casa dele. No entanto,
existem dois manuscritos (Codex Vaticanus e a Tradução Síria) que se referem “a
Ninfa e à igreja que se reúne na casa dela”.
Um exemplo de tradução preconceituosa encontramos em Rm 16,7 . A
saudação ali é para Andrônico e Júnia, “apóstolos importantes”, como diz
o texto. Acontece que durante muito tempo Júnia foi traduzida por Júnio, pois
os tradutores não podiam aceitar que uma mulher recebesse este título de
apóstolo iminente.
Em 1 Cor 11,10, dentro da
orientação de Paulo sobre a maneira como as mulheres deviam apresentar-se ao
tomar a palavra nas celebrações, encontramos a frase: “Portanto a mulher deve
ter sobre a cabeça um sinal da sua autoridade por causa dos anjos”. A
palavra autoridade , em grego“exsousia”, foi traduzida por “dependência”
nas versões mais conhecidas.
Poderíamos continuar com os exemplos, mas parece que já são suficientes
para que possamos perceber o problema das traduções.
4 - LER A BÍBLIA COM ÓTICA DE GÊNERO
É próprio da ideologia dominante tornar invisíveis, esquecidas, as
pessoas e os acontecimentos importantes para os dominados. Apagar a memória
histórica das conquistas dos pequenos é uma forma de manter a alienação e a
submissão. Isso acontece tanto em relação à história dos remanescentes afros,
como dos indígenas e das mulheres. Apagar as raízes históricas dos pequenos é
uma forma de calar a oposição.
Para reagir ao silêncio sobre a presença ativa das mulheres na Bíblia,
o desafio será resgatar as poucas alusões que encontramos à liderança das
mulheres dentro dos textos androcêntricos. Mas uma leitura de gênero não
somente trabalha os textos que resgatam a presença ativa das mulheres. Sabemos
que aquelas que conseguiram sobreviver à redação androcêntrica são símbolo de
muitas outras mulheres que ao longo da história bíblica trabalharam dia a dia
ao lado dos homens, construindo a história do seu povo, apesar de todas as
discriminações.
A questão de gênero é tão fundamental na convivência humana que a
leitura com ótica de gênero não está relacionada apenas aos textos que se
referem às mulheres, ou que as silenciam. Uma leitura bíblica com ótica de
gênero deve estar presente em todo trabalho com um texto bíblico. Ela se
preocupa com as relações, buscando dialogar com as diferenças. Ela se pergunta
pelas situações, indagando sobre a realidade das comunidades e grupos que estão
por trás de cada texto.
5 - DISCIPULADO DE IGUAIS:
Alguns textos do Novo Testamento foram redigidos no auge da
patriarcalização da Igreja e da discussão sobre o papel das mulheres. Isso provocou
ou o silêncio sobre elas ou a descrição de situações em que as mulheres foram
caladas e discriminadas, obrigadas a uma postura de submissão. Por esse
motivo,
a transmissão fiel das tradições sobre o Movimento de Jesus e as origens
do cristianismo ficou prejudicada.
Encontramos também comentários
muito rápidos sobre a participação ativa das mulheres no discipulado de iguais
organizado por Jesus (Mc 15,40-41; Lc 8,1-3) ou na liderança de algumas
comunidades cristãs (Rm 16,1-2; At 16,13-15).Uma leitura bíblica a partir da
ótica de gênero tem procurado mostrar a participação das mulheres no
discipulado de iguais e sua importante atuação nas origens do cristianismo.
Com relação aos escritos paulinos, por exemplo, tem-se procurado
relacionar os textos preconceituosos que aparecem nas cartas ( 1 Cor 11,9;
14,34) com as saudações afetivas e respeitosas que Paulo faz às suas
companheiras de missão (Rm 16,1-16; Cl 4,15). Este esforço não tem o objetivo
de mostrar uma liderança das mulheres em oposição aos homens. É um resgate da
memória de comunidades cristãs que buscaram ser fiéis ao Projeto de Jesus. O
anuncio do Reino de Deus rompe com as estruturas patriarcais e cria relações
alternativas às vigentes; relações novas, onde as mulheres têm a mesma possibilidade
que os homens.Jesus suscitou um discipulado de iguais que ainda necessita
ser descoberto e realizado pelas mulheres e pelos homens nos dias de hoje.
6 - NOSSA FORMAÇÃO
Nossa formação na família e na escola foi condicionada por modelos que
a ideologia dominante transmite sobre o que significa ser homem ou ser mulher.
Na Vida Religiosa aconteceu a mesma coisa. Mudou o âmbito, mas não mudaram os
conceitos. Estes não somente continuam, mas são até aprofundados, porque se
fundamentam em filosofias e teologias preconceituosas.
Para re-construir e re-criar relações igualitárias é importante ter
consciência de que tanto a Bíblia como a teologia refletem a visão da sociedade
patriarcal onde são elaboradas. Nossa formação religiosa e nossa leitura
bíblica sofreram estes condicionamentos. Isto é, foram feitas a partir de uma
ótica pré-determinada por preconceitos e julgamentos misóginos, próprios de
toda sociedade patriarcal. Nós interiorizamos estes padrões sem questioná-los,
porque não temos uma aproximação crítica da Bíblia e da teologia.
Nenhuma leitura, nenhuma interpretação de texto é neutra. Ela revela
antes de tudo o que somos, como nos relacionamos, o que sentimos, qual o
sentido da vida para nós. Uma leitura bíblica a partir de gênero tem como ponto
de partida a maneira como experimentamos a realidade, seja como mulheres ou
como homens. É a partir da nossa prática, e sobretudo a partir das lutas das
mulheres e dos homens pela libertação e por condições dignas de vida, que
fazemos perguntas ao texto bíblico.
PERGUNTAS PARA UMA REFLEXÃO EM GRUPO:
1 - Quando lemos a Bíblia,
partimos de nossa própria experiência como mulheres e homens? A maneira como nos situamos no
mundo, na sociedade, na comunidadee na Igreja, frente a nós mesmas e frente a
Deus se expressa na nossa leitura da Bíblia?
2 - O texto é um corpo e a pessoa que lê entra em
relação com ele, a partir de sua corporeidade. Como integramos a nossa
corporeidade, sexualidade e afetividade? Como é a nossa relação com a
realidade, a natureza, as pessoas, a vida em geral? Como é a nossa relação com
o texto bíblico?
PERGUNTAS PARA RESPONDER POR ESCRITO E ENVIAR PARA O GRMC
ATÉ 20/05/98
A - Nos Evangelhos, Maria Madalena é citada nominalmente
muitas vezes:
·
como discípula de Jesus (Lc 8,1-3)
·
como testemunha da sua crucifixão (Mc 15,40-41; Mt
27,55-56; Lc 23,49; Jo 19,25)
·
como testemunha do seu sepultamento (Mc 15,47; Mt
27,61)
·
como testemunha da sua ressurreição (Mc 16,1-8; Mt
28,1-10; Lc 24,1- 10; Jo 20,1 ;
20,11-18).
·
como enviada aos Onze com uma mensagem de Jesus (Mt
28,10).
Leia
os textos citados acima e responda:
1.
Qual a importância de Maria Madalena nas origens do
cristianismo?
2.
Como Maria Madalena é conhecida, hoje?
3.
Por que a figura de Maria Madalena foi deturpada?
B - Faça uma leitura de Lc 10,38-42 a partir da
ótica de gênero:
1. Quais
os papéis de cada personagem neste texto?
2. Como
se relacionam as pessoas no texto?
3. Estes
papéis estão de acordo com os padrões tradicionais?
4. Quais
são as novidades do texto quanto às relações de gênero?
Mercedes Lopes
Angra dos Reis - RJ
BIBLIOGRAFIA
CARDOSO PEREIRA, Nancy.
“Editorial”, Revista RIBLA no 25, ...Mas nós mulheres dizemos”, Ed.
Vozes, Petrópolis, 1996, pp. 5-10.
LOPES, Mercedes. A Confissão
de Marta, Ed. Paulinas, São Paulo, 1996.
______________ “Mulheres que inventam saídas”, RIBLA no 25, Ed. Vozes, Petrópolis, 1996, pp.
55-62.
VÁRIAS AUTORAS. Sentimos Deus de
Outra forma. Leitura Bíblica feita por mulheres. Série: A Palavra na Vida.
CEBI. Nos 75/76, 1994.
SHÜSSLER-FIORENZA, Elisabeth, As
origens cristãs a partir da mulher. Uma nova hermenêutica, Ed. Paulinas, São
Paulo, 1992.
SEBASTIANI, Lilia. Maria
Madalena, de personagem do Evangelho a mito de pecadora redimida, Ed.
Vozes, Petrópolis, 1995.
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