domingo, 11 de março de 2012

CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2012

(Falando do aborto)

A Quaresma iniciou no Brasil e esse ano a Igreja Católica propõe como tema da “Campanha da Fraternidade” o lema “a fraternidade e saúde pública”. O objetivo da Igreja é de incentivar a reflexão e a participação social dos seus fieis e dos homens de boa vontade na defesa e na promoção da vida humana no nosso País.

Um tema que pode suscitar reflexões nessa Campanha é certamente o aborto que, segundo altos funcionários do nosso Governo, é uma questão de “saúde pública”. De fato, assim afirmou recentemente a sra. Eleonora Menicucci, que tomou posse há poucos dias como ministra da das Mulheres. Além disso, foi noticiado no Diário da União em 4 de outubro de 2010 que o Ministério da Saúde havia prorrogado um convênio com a Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, para estudar mudanças na legislação brasileira sobre o aborto. O projeto chamava-se “Estudo e Pesquisa – Despenalizar o Aborto no Brasil” e vem sendo feito desde 2007 [i].

Essas notícias dão a muitos a sensação de que o direito à vida no Brasil está com seus dias contados. Provavelmente, em breve, cada brasileiro que nascer deverá ser considerado um sobrevivente, pois ficará privado de direitos e da proteção legal na fase mais delicada da sua vida.

Podemos nos perguntar: Quais seriam os motivos que levam a algumas pessoas a assumir tão radicalmente um compromisso com a despenalização e promoção do aborto? Analisemos alguns desses aqui com o fim de colaborar com algumas reflexões sobre esse tema.

1) A vontade popular? Há quem diga que a despenalização do aborto no Brasil seria algo querido pelo nosso povo, de modo que poderia ser considerado como uma conquista democrática. Será realmente assim? Vejamos alguns dados: no dia 08/10/2010 o Instituto Datafolha realizou uma pesquisa em todo o País sobre o tema [ii]. O resultado foi que 71% da nossa população pensa que a lei do aborto deve continuar como está. Em 1993 o índice de pessoas que diziam que a legislação deve continuar como estava era de 54%, em 1997 era de 55% e em 2006, 63%. Ou seja, quanto mais passa o tempo, mais o nosso povo se mostra contrário ao aborto, assim como ocorre em diversos países onde essa prática é legal. Há algum tempo atrás foi feita uma enquete na website do Senado Federal sobre o aborto dos anencéfalos. O resultado apontou que 61% se declara contrária a essa prática [iii]. O que tudo indica a rejeição ao aborto no nosso País cresce a cada ano num ritmo veloz e, infelizmente, com a mesma velocidade cresce o empenho de uma parte de nossos políticos em legalizá-lo.

2) Questão de saúde pública? Qual seria a base de tal afirmação? São as seguintes: a Federação Internacional de Planejamento familiar (IPPF) afirma que no Brasil existem cerca de 200.000 mulheres internadas todos os anos por complicações devidas ao aborto [iv], sendo o número de morte bastante elevado. De modo semelhante, a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que na América Latina ocorrem anualmente 3.700.000 abortos ilegais e que 62.900 mulheres morrem em decorrência de complicações dos mesmos [v]. Além disso, na metade de fevereiro de 2012 tivemos a notícia de que o governo brasileiro foi questionado pela CEDAW (Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres), órgão da ONU, por causa de 200.000 mulheres que morrem a cada ano no nosso País devido a abortos ilegais [vi].

Mas são verdadeiros esses números? Em primeiro lugar devemos saber que essas instituições não possuem nenhum hospital no Brasil e nenhuma equipe que recolha dados estatísticos nos hospitais brasileiros e latino-americanos. Na verdade, os únicos dados científicos que temos são os dados do DATASUS, do Ministério da Saúde. Esses dados provêm de cada caso clínico, já que o médico que atende é obrigado a marcar num relatório diário cada procedimento que realiza. Os últimos dados divulgados por esse organismo no Brasil são os de 2010 e mostram que naquele ano houve 1.358 mortes no Brasil em mulheres em idade fértil durante a gravidez, parto ou aborto [vii]. Em relação ao aborto, foram 83 mortes. (Em 1996 foram 146 e em 2004 foram 156). A “ministra das Mulheres” naquela reunião da ONU disse que o aborto estava entre as 5 causas de mortes de mulheres no Brasil; notícia essa negada pelo ministro da Saúde, Sr. Alexandre Padilha, que estimou em 1.800 mulheres ao ano o número de mulheres mortas nessas circunstâncias [viii]. Evidentemente, como bem observou a dra. Lenise Garcia [ix], se fosse verdade que 200.000 mulheres morrem ao ano no Brasil e que essa é a quinta causa de mortes entre mulheres, isso significaria ao menos 1 milhão de mulheres morrem por ano no Brasil e nossa população estaria entrando em processo de extinção, algo totalmente absurdo, basta conferir os dados do último Censo nacional.

É interessante notar que esses números do Brasil seriam menos de 0,02% dos dados da ONU para a América Latina. Há quem diga que esses dados são subnotificados para evitar complicações legais, mas isso é uma mentira desavergonhada, pois nesses dados não se inclui a ficha clínica do paciente e nenhum dos seus dados é vinculado ao procedimento realizado. Tais informações são meramente estatísticas e não servem de provas legais contra nenhum paciente.

Além disso, se o aborto fosse considerado “questão de saúde pública”, como se a gravidez fosse uma doença a ser eliminada, isso traria mais problemas ao nosso País do que soluções. Vejamos bem:

a) Em primeiro lugar porque isso exigiria do Estado a assistência às mulheres que quisessem abortar. De modo que se o aborto deixasse de ser considerado crime e passasse a ser um “direito do cidadão”, consequentemente se tornaria também um “dever do Estado” [x]. Isso implicaria um evidente aumento no custo com a saúde pública e, ao mesmo tempo, um desrespeito à consciência dos agentes de saúde que seriam obrigados a praticar o aborto, mesmo os que são contrários a tal prática. A consequência é que o pessoal do serviço médico deveria escolher entre fazer uma violência às suas consciências (para não ter que perder o emprego e o prestigio profissional); ou uma violência contra tantos seres humanos indefesos. De modo que se o aborto fosse considerado, injustificadamente, “questão de saúde pública” todo esse pessoal que estuda para salvar vidas, seria obrigado a praticar técnicas que só produzem morte e sofrimento.

b) Outro problema que o aborto causaria ao nosso serviço público de saúde pode ser o que atualmente acontece na Espanha, onde o aborto desde 2010 entrou na pasta dos serviços do Sistema Nacional de Saúde, que garantiria o aborto livre, universal e gratuito, como um “direito da mulher”. O que ocorre lá é que os hospitais públicos não realizam abortos, para não ter que fazer uma lista de “objetores de consciência”, o que colocaria em risco o “direito da mulher” ao aborto. Então a solução encontrada na Espanha foi encaminhar as mulheres a chamadas “clínicas” privadas (não são verdadeiras “clínicas” porque não se cura ninguém nesses lugares), que realizam o aborto, às custas dos impostos pagos pelos seus cidadãos. O triste resultado dessa medida é que as diversas “comunidades autônomas” da Espanha têm agora uma imensa dívida para com essas “clínicas”, o que causou inclusive uma greve. A dívida atualmente é de 4,9 milhões de euros e o Estado sofre grande dificuldade para pagá-la, devido à crise econômica que sofre aquele País. Essa penosa notícia diz ainda que aquelas dívidas “ameaçam o direito do aborto livre e gratuito na Espanha” [xi]. Agora imaginemos o que poderia ocorrer no Brasil se o aborto fosse considerado uma “questão de saúde pública”? Aconteceria que, na prática, o dinheiro dos nossos impostos serviria a financiar essa prática brutal e subtrairia preciosos recursos do SUS, que há anos funciona de modo bastante precário.

Esses dados demonstram que o aborto não é causa de “saúde pública” e, por sua vez, causa diversos problemas ao sistema sanitário. De fato, considerar o aborto como “questão de saúde pública” só é possível quando se aceita dados falsos ou manipulados. Legalizar o aborto no Brasil seria algo que contraria à imensa vontade da nossa população e ameaça a efetiva participação democrática. Além disso, essa prática demonstra um desrespeito desastroso às consciências das pessoas e, na prática, não serve para reduzir o número de abortos, algo que pode levar à falência ou a uma ainda maior precariedade o nosso SUS.

Pe. Anderson Alves, doutorando em Filosofia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma.

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Mesmo quando se demonstra que aborto não é uma “questão de saúde pública”, ainda deve-se considerar outros argumentos que pretendem justificar a despenalização do aborto nos diversos Países, especialmente os da América Latina. Vejamos outros e busquemos colaborar ainda com reflexões suscitadas pelo tema da Campanha da Fraternidade de 2012 no Brasil (Fraternidade e saúde pública), assim como nos debates surgidos no cenário político nacional.

Questão de hipocrisia? Há quem argumente dizendo: “há muitas mulheres que recorrem ao aborto no Brasil, de modo irregular, correndo grande risco de vida. Permitir que isso continue ocorrendo é uma grande hipocrisia. Essas devem ser protegidas e o Estado deve dar condições apropriadas a mulheres pobres para que possam ‘abortar’ de modo seguro, sem correr perigo de vida, assim como deve proteger às que possuem suficientes recursos”.

Esse argumento parte de um pressuposto falso: que são muitas as mulheres que morrem no Brasil por causa do aborto cada ano. Já demostramos que esses dados são falsos e que os únicos dados científicos e fiáveis que temos são os fornecidos pelo ministério da Saúde brasileiro (DATASUS)[i]. Mas, independentemente disso, analisamos a forma mesma desse argumento, aplicando o mesmo tipo de argumentação a outros problemas sociais. Por exemplo: sabemos que no Brasil é grande o número de pessoas que alguma vez na vida ingeriu alguma bebida alcoólica antes de dirigir, embora haja uma explícita proibição do nosso Código de Trânsito. Poderia alguém argumentar dizendo: “a lei que pune quem dirige depois de ter consumido bebida alcoólica é uma grande hipocrisia, já que um grande número de pessoas do nosso País o faz. Essa lei deve ser cancelada, de modo que a população possa infringi-la tranquilamente, sem ser punida?” Evidentemente, o fato de que muitas pessoas infrinjam alguma lei justa não faz com que a mesma perca o seu valor. O fato, para citar outro exemplo, de que muitas pessoas tenha experimentado alguma vez certo tipo de droga, não faz com que as nossas leis de combate às drogas sejam hipócritas. Do mesmo modo, o fato de que haja muitas pessoas que recorram ao aborto (fato que deveria ser demonstrado e não suposto), não torna lícito o ato de eliminar uma vida humana inocente (não faria lícito o “homicídio intra-uterino”).

Questão científica? Há quem diga que o aborto não é questão de consciência pessoal, mas é algo que pode ser resolvido somente pela ciência e só é contrário ao aborto quem ainda defende certo “obscurantismo religioso”. É interessante notar que quem busca justificar o aborto desse modo supõe que as únicas pessoas inteligentes do mundo são os defensores do aborto e que motivos contrários ao mesmo só podem provir de uma argumentação irracional e religiosa. E se servem dos seguintes argumentos 1) nas primeiras semanas de concepção, o embrião (alguns criaram a categoria de “pré-embrião”, que vem sendo rejeitada inclusive pela União Europeia) é apenas um grupo de células, desprovida de sistema nervoso, de modo que a mulher pode fazer com o seu corpo o que quiser; 2) além disso, é algo muito discutido quando se começa realmente a vida humana;

Esses argumentos são tão repetidos quanto falaciosos. Em primeiro lugar a ciência mesma afirma que a partir do momento da concepção, da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, começa a existir um ser vivo com um DNA humano único. O embrião, sendo ainda uma célula, possui um DNA único e jamais se dará novamente uma informação genética igual. Esse ser possui as características próprias de um ser vivo: unidade, continuidade, autonomia e especificidade. a) Unidade: possui uma individualidade biológica, é um todo composto de partes organizadas, que possui como centro organizador o genoma humano; b) Continuidade: significa que não se dá nenhum salto qualitativo desde a fecundação até a morte. Todo o desenvolvimento daquele ser está previsto pelo genoma; c) Autonomia: desde o ponto de vista biológico, todo o desenvolvimento se dá desde o princípio até o final de modo autônomo; a informação que dirige esses processos provém do genoma, já presente no embrião. Desde o início ocorre um “diálogo químico” do embrião com a mãe, que o nutre e custodia; d) Especificidade: esse ser vivo pertence exclusivamente à espécie humana.

Desse modo, o que dirige todo o processo de desenvolvimento, passando pelo nascimento e prosseguindo até o final da vida é o genoma humano. Depois de 2 semanas da fecundação, o embrião está totalmente implantado no útero. Na semana seguinte, já está formando o cérebro, a medula espinal e os olhos e depois de alguns dias o coração começa a bater. Esse ser vivo, identificado por um DNA único, se fosse retirado do útero materno poderia viver até 80 anos congelado, assim como qualquer outro ser humano. E se pode “viver congelado”, é porque se trata de um ser vivo. É verdade que o embrião se alimenta da mãe, assim como os recém-nascidos o fazem e como fizemos todos nós. O embrião e o feto, porém, não são parte do corpo da mulher. Aceita-lo significaria, além de negar evidências científicas, desprezar injustificadamente o papel e a importância do pai. Desde o ponto de vista meramente material, o embrião não se forma espontaneamente no corpo da mulher, mas necessita sempre da participação do homem. Isso é algo evidente, mas tende a passar despercebido. Aquele ser que é gerado, não pode ser considerado como um objeto, como uma enfermidade ou como um pedaço da mulher, mas sim como um indivíduo único da espécie humana. Não há nenhuma dúvida científica séria sobre esses temas, o que às vezes ocorre é a manipulação de alguns dados científicos por motivos ideológicos.

Perseguição às mulheres? Há quem diga ainda que a penalização do aborto significaria um modo de perseguição às mulheres, uma forma de discriminação e de desrespeito à “igualdade” e à dignidade da mulher. Além disso, dizem (e com razão) que nenhuma mulher pretende realmente fazer o aborto, e quando o faz, necessita de ajuda e não de uma punição por parte do Estado.

É lógico que quem pensa que a lei do aborto deve continuar como está não pretende perseguir nenhuma mulher. Na prática, nenhuma mulher é enviada à prisão por ter cometido um aborto no Brasil e ninguém deseja isso. O motivo pelo qual o aborto deve continuar sendo considerado um crime é porque somente assim o valor incondicional da vida humana é afirmado, em todos os seus estágios e é protegido contra todo tipo de manipulação e ameaça. Manter legalmente a pena ao aborto significa continuar afirmando a maldade intrínseca de tal ato, (o seu caráter de reprovável socialmente) e o valor absoluto da vida humana. Um governo sério e responsável deve ajudar a promover o bem estar das mulheres e elaborar políticas que protejam a instituição familiar, de modo que não haja jamais a necessidade de se pensar em recorrer ao aborto. Além disso, reconhecer que o aborto só causa sofrimento é um motivo a mais para que esse não seja legalizado. Não é solução para nenhum problema social o recurso a um gesto tão repugnante e violento como a destruição de uma vida humana.

Ademais as leis têm sempre uma função pedagógica nas sociedades. Antes de dizer o que deve ser permitido ou proibido, as leis promovem e defendem bens e valores, indispensáveis à construção de uma sociedade justa. Manter o aborto como crime (e não aceitá-lo como direito) significa defender a vida humana, toda vida (especialmente a dos seres mais indefesos), em todas suas fases e não constitui, absolutamente, uma forma de perseguição contra as mulheres que sofrem. Vale a pena lembrar que mais de 50% dos seres humanos mortos por causa do aborto são mulheres e, paradoxalmente, não são muitas as feministas que demonstram preocupação com essas vítimas.

Qual será, pois, a justificação para uma possível despenalização do aborto no Brasil? Seguramente nenhuma, a não ser a pressão de organismos internacionais que querem impor suas Ideologias de morte nos diversos Países do mundo, através daquilo que vem sendo chamado atualmente de “niilismo jurídico”. Essa teoria afirma que o Direito positivo não possui fundamentos no Direito Natural, de modo que as leis provêm somente da vontade do legislador, que expressaria o desejo da maioria, e não da racionalidade implícita na mesma lei. Se isso fosse assim, o Direito se tornaria um mero instrumento do poder, de modo que qualquer Ideologia ou qualquer sistema totalitário poderia se justificar.

A verdade é que a despenalização do aborto não é um desejo da sociedade brasileira, que se funda na instituição familiar e que ama de modo incondicional a vida. Se fosse permitida tal despenalização, isso consistiria uma atitude antidemocrática, que contrariaria frontalmente a vontade da imensa maioria do nosso povo, assim como a confiança depositada nos nossos governantes e se basearia exclusivamente em mentiras insistentemente repetidas, infelizmente, por importantes organismos internacionais.

E o que poderia fazer o povo brasileiro para mostrar sua rejeição ao aborto e para trabalhar efetivamente pela defesa e promoção da vida humana? Qual gesto concreto, inspirado na participação social e nos objetivos da Campanha da Fraternidade desse ano, poderia ser feito no nosso País? Certamente nosso povo poderia repetir o que fez de modo exemplar com a proposta e aprovação do Projeto de Lei “Ficha Limpa”. De modo que poderia continuar mostrando seu amor pela vida e pela autêntica democracia pedindo, por meio de abaixo-assinado, a aprovação do “Estatuto do Nascituro” [ii], que prevê a defesa da vida em todas as suas fases, desde a concepção até sua morte natural, segundo os princípios da Declaração Internacional dos Direitos Humanos, da nossa Constituição[iii] e do nosso Código Penal[iv]. Se isso for feito, mostraremos ao mundo que não temos vergonha da nossa identidade, que não cedemos a pressões ideológicas de grupos que só buscam promover, injustificadamente, uma mentalidade de morte no mundo ocidental.

Pe. Anderson Alves, doutorando em Filosofia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma.


Um comentário:

  1. Excelente texto! Encontrei-o enquanto preparava uma catequese para amanhã, para uma turma de crismandos. Obrigada!

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