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O que um cristão precisa saber sobre a Teologia da Prosperidade
Claudio de Oliveira Ribeiro
A vivência religiosa na América Latina sofreu, nas últimas décadas do século XX, mudanças substanciais. Alguns aspectos do novo perfil devem-se, entre outras vertentes, à multiplicação dos grupos orientais, à afirmação religiosa afro-brasileira, às expressões espiritualistas e mágicas que se configuram em torno da chamada Nova Era, ao fortalecimento institucional dos movimentos devocionais e de renovação carismática, e ao crescimento protestante, em especial o das igrejas e movimentos pentecostais. Todas essas expressões, além de outras, formam um quadro complexo e de matizes as mais diferenciadas.
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Teólogos e cientistas da religião, ao analisarem especificamente o campo das igrejas e dos movimentos cristãos, indicam que há no crescimento numérico dos grupos uma incidência intensa e direta de vários elementos provenientes da matriz religiosa e cultural brasileira.
2 Isso faz com que a vivência concreta da fé cristã adquira, por vezes, perfis bastante distintos do seu núcleo teológico básico, o que abre possibilidades para o surgimento de elementos idolátricos. O mesmo se dá com a influência de aspectos não explicitamente religiosos, que formam a mentalidade da sociedade moderna no final do século XX. Nesse sentido, destacam-se as "religiões de mercado",3 bastante evidenciadas em propostas no campo pentecostal. Todo esse quadro está em sintonia com as transformações sociopolíticas, econômicas e culturais em todo o mundo.
1. Neoliberalismo e religião
1.1. Aspectos da realidade socioeconômica
Os anos de 1990 foram marcados pela globalização econômica e pela exclusão social. Não é possível, pelos limites deste trabalho, uma abordagem detalhada do quadro econômico; por isso será feita apenas uma descrição panorâmica da realidade socioeconômica, com vistas a uma compreensão mais adequada dos fenômenos religiosos que se fortaleceram nesse período. Para isso, serão apresentados somente os principais consensos das diferentes e recorrentes análises do campo social,
4 refletidos anteriormente.5
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É amplo o número de estudos a respeito desse aspecto. Para uma visão, em síntese, veja, entre outros: VVAA Interfaces do sagrado em véspera de milênio. São Paulo-SP, PUC & Olho D’água, 1996, A Sedução do Sagrado: o fenômeno religioso da virada do milênio. Petrópolis-RJ, Vozes, 1998, organizado por Cleto Caliman.
2 Para isso veja José Bittencourt Filho. "Matriz religiosa brasileira: notas ecumênicas".
Tempo e Presença, 14(264), jul./ago. 1992, pp. 49-50; "Remédio Amargo". Tempo e Presença (259), set./out. 1991, pp. 31-34; "Do Protestantismo Sincrético: um ensaio teológico-pastoral sobre o pentecostalismo brasileiro". In: José Oscar Beozzo (org.). Curso de Verão VII. São Paulo-SP, Paulus, 1993, pp. 107-119.
3 A temática do mercado remonta à relação entre teologia e economia que vem sendo trabalhada por diversos autores. Veja, entre outras, as obras de Franz Hinkelammert, Hugo Assmann, Julio de Santana e Jung Mo Sung.
4 Cf. Viviane Forrester.
O Horror Econômico. São Paulo-SP, Ed. UNESP, 1997. Veja também: Octávio Ianni. Teorias da Globalização. 2 ed. Rio de Janeiro-RJ, Civilização Brasileira, 1996 e Zygmunt Bauman. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro-RJ, Jorge Zahar Editora, 1999 [1998].
5Estão contidos em Claudio de Oliveira Ribeiro. "Has Liberation Theology Died? Reflections on the Relationship between Community Life and the Globalization of the Economic System". (A Teologia da Libertação Morreu? Reflexões sobre a relação entre Vida Comunitária e a Globalização do Sistema Econômico).
The Ecumenical Review, 51(3), July 1999, pp. 304-314. Publicado também como "Una terra per la TdL: La Teologia della Liberazione al tempo del neoliberismo". Adista (86) – Contesti (10), Nov. 1999, pp. 2-8.
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Cf. O Fim da História e o Último Homem. Rio de Janeiro-RJ, Rocco, 1992.
7 Cf. síntese elaborada por Jung Mo Sung. "A Luta Continua".
Tempo e Presença, 17(279), jan./fev. 1995, pp. 32-34.
As práticas políticas e econômicas vistas no Brasil e na América Latina são coerentes com as políticas neoliberais estabelecidas em todo o mundo. A expressão "Terceiro Mundo" não se constitui mais como forma adequada para descrever o mundo pobre, pelo fato de a internacionalização do mercado estar desenhando um mapa inteiramente novo. Na atualidade, novas fronteiras de uma ordem econômica estão sendo estabelecidas, as quais reforçam a exclusão social.
A força dominante no mundo atual é o mercado. Os países que são capazes de participar no mundo do mercado são aqueles que são aptos a produzir e consumir; caso contrário, estão fora da dinâmica econômica. Os Estados têm sido incapazes de mudar as leis de mercado ou influenciar o sistema global. A ideologia neoliberal, disseminada por intermédio da globalização da informação, faz com que os povos acreditem que o mercado ou o consumo é a solução da humanidade. Isso leva as pessoas a não priorizarem os laços de solidariedade, fazendo-as mais individualistas e fortalecendo, assim, preconceitos contra os pobres. A globalização econômica, por ser baseada em monopólios sustentados por grupos (e nações) dominantes, é, portanto, uma forma de um sistema assimétrico.
No Brasil, a mesma lógica prevalece: as pessoas que são capazes de produzir e consumir estão dentro da lógica do mercado, aqueles que não podem tornam-se obstáculos ao "sucesso" do sistema. Eles não são "necessários" e, dessa forma, são simplesmente excluídos. A tendência na sociedade é não se proverem recursos financeiros nem mesmo tempo social para se dedicar na reflexão e ação sobre a situação na qual a massa crescente de pessoas pobres vive.
Desde a derrocada do sistema socialista soviético, o neoliberalismo, o novo estágio que o capitalismo experimentou no final do século XX, tem sido apresentado como o único caminho para se organizar a sociedade. As conhecidas e controvertidas teses de Francis Fukuyama defendem que o triunfo do capitalismo como sistema político e econômico significou que o mundo teria alcançado o "fim da história".
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Sobre o neoliberalismo, como nova ordem econômica internacional, é possível elencar, de maneira sucinta, três principais características.
7 Primeiramente, a globalização da economia. Esta perspectiva relativiza as fronteiras nacionais que perdem a importância política, com o debilitamento do Estado. A segunda é a revolução tecnológica. Com ela houve um deslocamento do eixo central de acumulação de capital da propriedade privada para uma apropriação do conhecimento técnico e científico, denominado por alguns como propriedade intelectual. E, por fim, um certo deslocamento, pelo menos em parte, do eixo do Atlântico Norte, como bloco econômico hegemônico, para o Pacífico. Esse conjunto de mudanças fez com que a contradição entre capitalismo e socialismo – básica na ordenação política internacional até a década de 1980 – tivesse o sentido relativizado.
Portanto, as análises sociais precisam pressupor a reordenação internacional referida, o fim do socialismo real e as mudanças no capitalismo internacional (neoliberalismo), em especial por suas propostas e ênfases totalizantes e hegemônicas. 3 3
8
"Mission Towards Reconciled Communities". International Review of Mission, 79(316), Oct 1990, p. 437.
9 Para o caso das ciências da religião veja VVAA
Novos paradigmas. Ensaios de Pós-graduação / Ciências da Religião, 1(1), nov. 1995; e da teologia veja duas obras organizadas por Márcio Fabri dos Anjos. Teologia e novos paradigmas. São Paulo-SP, Soter & Loyola, 1996; e Teologia aberta ao futuro. São Paulo-SP, Soter & Loyola, 1997.
10 Para uma visão sobre a explosão religiosa atual veja, entre outras obras: Alberto Moreira & Renée Zicman (org.).
Misticismo e novas religiões. Petrópolis-RJ, Vozes, 1994; e Ari Pedro Oro & Carlos Alberto Steil (org.). Globalização e religião. Petrópolis-RJ, Vozes, 1997.
Algumas dessas análises já eram feitas no início dos anos de 1990. Para referir-se ao fato de os processos de libertação social terem dado lugar, no final dos anos de 1980, aos de reajuste socioeconômico, Júlio de Santa Ana escreveu:
Reajuste, que exige alto custo social, é um eufemismo para
sacrifício; isto é, se é verdade que um processo de homogeneização do poder parece se realizar, é também necessário reconhecer que ele não implica "unificação" dos povos do nosso mundo habitado. Na medida em que os poderes homogêneos reforçam o reajuste nos desprovidos de poder no tocante às relações de mercado, é evidente que uma coerção é exercida pelo mais forte sobre o fraco. Mais do que falar de "unificação" é mais apropriado falar sobre "exclusão". Isto é, na situação emergente parece que não se tem o direito de ser diferente; em outros termos: afirmar a identidade dos povos. Aqueles que têm poder no mercado e que gerenciam as "leis do dinheiro" impõem seus padrões sobre os pontos de vistas do resto.8
Esse novo estágio do sistema capitalista acentua a desvalorização da força de trabalho em função da automação e da especialização técnica e em detrimento das políticas sociais públicas. Forma-se, portanto, um enorme contingente de massas humanas, excluído do sistema econômico e destinado a situações desumanas de sobrevivência ou passível de ser eliminado pela morte. Contraditoriamente, em meio ao processo de globalização da economia e da informação, emergem, com maior intensidade, os conflitos étnicos, raciais e regionais no mundo inteiro.
Diante desse quadro, todos os agrupamentos que direta ou indiretamente tinham como referência as experiências e as utopias socialistas chegaram, pelo menos, a duas constatações: a primeira trata da ausência de um projeto global alternativo ao neoliberalismo; e a segunda refere-se ao conjunto de perplexidades em diferentes campos do conhecimento que, usualmente, passou a ser denominado "crise dos paradigmas".
9 Todos esses aspectos são arestas correlacionadas de uma mesma realidade.
1.2. Implicações teológico-pastorais
O fim do século XX desafiou cientistas da religião e teólogos, em especial pelas mudanças socioeconômicas e as implicações delas na esfera religiosa. Como já referido, as influências filosóficas e religiosas fazem com que se torne bastante difícil, por exemplo, a tarefa de descrever o cotidiano doutrinário, teológico e prático de uma comunidade eclesial local, seja nas igrejas protestantes seja na católica-romana.
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O processo de secularização próprio da modernidade não produziu, como se esperava, o desaparecimento ou a atenuação das experiências religiosas. Ao contrário, tanto no campo católico como no protestante as formas pentecostais e carismáticas ganharam apego popular, espaço social e base institucional. Além disso, as religiões não-cristãs também vivenciam, no Brasil e no mundo, momentos de crescimento e de fortalecimento.
As novas formas religiosas são substitutivas das tradicionais. Em um certo sentido, elas, por possuírem propostas globalizadoras e de resultados práticos e imediatos, respondem mais 4 4
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Neodenominacionalismo é nomenclatura de uso recente e deverá ser aprofundada. Aqui, trata-se do amálgama doutrinário formado nas últimas décadas, em especial no campo protestante brasileiro, prioritariamente pela "mídia evangélica" e similares. Esse conjunto de doutrinas perpassa e caracteriza todas as denominações eclesiásticas, subtraindo os traços de identidade destas. Veja de José Bittencourt Filho, "Abordagem fenomenológica". In: VVAA. Novos Movimentos Religiosos. São Paulo-SP, Ave Maria Edições, 1996. Veja, também, o meu texto "Pensar o futuro, reforçar a esperança!" Contexto Pastoral, 6(35), nov./dez 1996, p. 11.
12 Veja as análises em duas edições de
Contexto Pastoral: "Religião de Resultados", 5(24), jan./fev. 1995, especialmente os artigos "A Espiritualidade entre a libertação e a gratuidade" (p. 5), de Claudio de Oliveira Ribeiro, "Civilização em Transição: predestinados à riqueza e ao poder" (pp. 6-7), de Robinson Cavalcanti, "A umbandização do contexto carismático" (p. 8), de Marcos Roberto Inhauser; e "A Serviço do Rei: o neoliberalismo invade as igrejas, 7(36), jan./fev. 1997, especialmente "Neoliberalismo, eficiência e pastoral" (p. 5), de Jung Mo Sung, e "Neoliberalismo e neomundanismo" (p. 8), de Robinson Cavalcanti.
adequadamente ao mito moderno do progresso ilimitado (prosperidade). Elegem com nitidez inimigos e adversários, reais ou imaginários (como a Nova Era e os desenhos de Walt Disney, por exemplo) e com isso mobilizam a atenção de muitos com a sedução de que é possível tornar o futuro presente e de que o ser humano pode salvar-se a si mesmo ao cumprir as práticas religiosas indicadas pelas igrejas.
No campo das igrejas protestantes, por suposto, continuam presentes as propostas de caráter mais conservador dos primeiros missionários que chegaram na segunda metade do século XIX e também aquelas identificadas com as perspectivas da Teologia da Libertação. Todavia, é sobretudo a proposta de saúde e de riqueza pessoais, a explicação religiosa das vicissitudes da vida e a promessa de melhoria da qualidade de vida pessoal é que têm marcado mais substancialmente o cotidiano das igrejas. Trata-se de um neodenominacionalismo.
11 Esse processo ocorre também no contexto católico-romano. O crescimento dessas propostas se dá, no Brasil, em meio a um contexto de crescente exclusão e desigualdade social e de decréscimo dos índices de qualidade de vida.
O fato é que essa perspectiva religiosa encontra-se em sintonia com o estágio de desenvolvimento do sistema capitalista. Se for considerado o fato de que o socialismo real ruiu, entre outros fatores, pela incapacidade de prover o bem-estar social que estava no bojo de suas promessas utópicas e que o capitalismo, em sua face neoliberal, reforça as idéias de que é possível a satisfação pessoal a partir do consumo, as propostas religiosas de prosperidade reúnem as melhores condições para alargar as suas possibilidades e alcance.
Viu-se, na última década, portanto, a hegemonia da mentalidade pastoral "de resultados", segundo a qual o crescimento numérico e patrimonial ganha maior destaque em detrimento do diálogo e do serviço. Boa parte das autoridades eclesiásticas tem privilegiado as propostas de fortalecimento institucional, relegando a planos secundários as propostas de diálogo, reflexão teológica e de participação conjunta com outros grupos e igrejas.
O mundo globalizado, privatizado e pós-industrial está decretando a falência das propostas das igrejas tradicionais. Isso porque a política e a economia neoliberal requerem uma nova religiosidade, em sintonia com os valores de consumo. Por outro lado, as denominações religiosas estão baseadas em valores modernos tais como vida em comunidade, racionalidade da fé, conversão religiosa, lideranças fortes e éticas. Esses valores modernos estão se perdendo e dando lugar a outros do mundo pós-moderno.
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Quais são algumas das implicações dessa realidade? Em primeiro lugar, tanto no campo protestante como no católico-romano, crescem somente as propostas religiosas que possuem a base no intimismo emocional ("consagração"), no consumo privado de bens religiosos ("vida 5 5
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Veja uma significativa crítica a essas mudanças no texto de Ricardo Barbosa "A Igreja no Mercado e o Profissionalismo Religioso". Contexto Pastoral, 7(36), jan./fev. 1997, pp. 6-7. Veja também o artigo de Clovis Pinto Castro. "Entre o Público e o Privado: a Dinâmica da Fé Cidadã". Mosaico, 7(14), ago./set. 1999, pp. 6-7.
14 Para os aspectos sociológicos, veja, entre outras análises, a de Ari Pedro Oro, já citada,
Avanço Pentecostal e Reação Católica.
15 Para isso, veja o texto de José Comblin "Nós e os outros: os pobres frente ao mundo globalizado". (Especialmente o item "A nova face da religião popular"). In: Paulo Suess (org).
Os Confins do Mundo no Meio de Nós. São Paulo-SP, Paulinas, 2000, pp. 113-133.
16 Uma abordagem pastoral pode ser encontrada no artigo de Marcos Roberto Inhauser, "A Igreja no meio da Tempestade".
Contexto Pastoral, 6(30), jan./fev. 1996, pp. 6-7.
na bênção") e na promessa de melhoria pessoal da qualidade de vida material ("prosperidade"). Em segundo lugar, na área protestante, a vocação para o pastorado cede lugar ao profissionalismo do pastor – característica própria do sistema neoliberal. Essa mudança se reflete no novo estilo gerencial, de ascensão e de resultados (cifras, números e status social), ao contrário do antigo relacionamento pessoal do pastor e da pastora com as famílias e com a comunidade, em gratuidade e despojamento.
13 Reflexão similar pode ser feita no contexto católico-romano.
Outra tese a ser destacada é a de que o crescimento protestante no Brasil tem reduzido a religião em cultura. As possíveis explicações desse fato seriam que as expressões religiosas de massa; na maior parte das vezes, perdem o núcleo central (religioso) da fé e ganham formas (culturais) mais acessíveis de comunicação. Outra razão é que o mercado e a indústria cultural descobriram o potencial de consumo do mundo protestante. No campo católico, o mesmo se dá com os movimentos de renovação carismática.
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Quais são as implicações desse processo para as igrejas? Entre tantos aspectos, é possível indicar que a vivência comunitária da fé cede lugar às propostas de massa, com ênfase no uso e no consumo de discos, camisetas, slogans e imagens de pessoas. A conversão como experiência religiosa perde força, dando lugar a um "estilo de vida religioso" (como saber as canções, conhecer a vida dos artistas, repetir frases de efeito, etc.). Por último, podemos lembrar a expansão do mercado de consumo protestante, com a utilização dos mesmos critérios do mercado convencional (cantores com empresários e cachês, shows em casas de espetáculo, venda de produtos com marcas religiosas em lojas convencionais). Novamente, o campo católico-romano possuirá os seus similares.
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É fato que a carência de lazer nas comunidades pobres é suprida pelos shows religiosos, promovidos pelas emissoras de rádio e gravadoras. Todavia, perceber que os cultos e as missas nas igrejas tendem a perder o aspecto celebrativo (para o da apresentação) e também a centralidade da Palavra de Deus (para o "momento de louvor") é algo que tem preocupado pastores(as), padres e lideranças leigas que intencionam uma prática pastoral com maior substancialidade bíblica e teológica. Essas preocupações ainda se encontram pouco sistematizadas nas produções teológico-pastorais, mas estão presentes em debates informais nos diferentes fóruns das igrejas.
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2. Aspectos históricos e teológicos da Teologia da Prosperidade
O termo "Teologia da Prosperidade" neste trabalho – e não somente – procura representar um conjunto de práticas e crenças religiosas, bastante diverso tanto no contexto protestante como no católico-romano. Para efeito de melhor compreensão, a descrição a seguir privilegiará o campo das igrejas protestantes, o que inclui as pentecostais. Isso porque foi nesse contexto que surgiu e se fortaleceu a compreensão religiosa em questão. Em segundo lugar, para 6 6
17
Veja também, do mesmo autor, o artigo "Os Neopentecostais e a Teologia da Prosperidade". Novos Estudos CEBRAP (44), mar 1993, pp. 24-46.
18 São Paulo-SP, Abba Press, 1993. Em "Teologia da Prosperidade: a falência da espiritualidade".
Contexto Pastoral,3(16), set./out. 1993, pp. 6-7, o autor faz uma boa síntese dos principais aspectos do livro.
19 São Paulo-SP, Mundo Cristão, 1993.
20 São Paulo-SP, Mundo Cristão, 1995.
21 As obras de Kenneth Hagin possuem caráter de divulgação, com forte penetração nas igrejas do Brasil, em especial nas lideranças. Os conteúdos são facilmente identificados nas pregações das igrejas, eventos e atividades na mídia. Com tradução em português, veja, entre outras, as obras editadas pela Graça Editora (Rio de Janeiro-RJ):
Alimento da Fé: devoções diárias para o inverno (s.d.); Alimento da Fé: devoções diárias para o
facilitar os dados e os exemplos a serem apresentados sobre essa corrente. As similaridades com o campo católico-romano devem ser percebidas pelo leitor.
São muitos os detalhes dessa perspectiva e diversas são as práticas a ela relacionada, o que dificulta as sínteses. Sob o nome de Teologia da Prosperidade estão agrupadas visões religiosas como a "Confissão Positiva" (não-aceitação da fragilidade humana), o "Rhema" (poder direto de Deus concedido pessoalmente aos crentes), a "Batalha Espiritual" (deslocamento religioso para explicações dos projetos históricos) e a "Vida na Bênção" ou "na Graça" (transferência da escatologia para a vida terrena).
Não há literatura especializada em abundância sobre os aspectos históricos e teológicos da Teologia da Prosperidade. Os escritos de Jung Mo Sung e outros teólogos que tratam da relação entre Teologia e Economia são centrados mais nas avaliações da metodologia teológica latino-americana e nas análises das possibilidades do neoliberalismo em seduzir os pobres a partir de elementos seculares revestidos de uma sacralidade (como os
shopping centers, por exemplo). Esses escritos, portanto, em função de seus conteúdos teóricos, são fundamentais para a compreensão do tema em questão, mas, por não serem suficientemente descritivos da situação explicitamente religiosa, serão apenas pressupostos.
Um segundo grupo de escritos apresenta o tema da prosperidade na medida em que se dedica aos estudos sobre o pentecostalismo, no prisma das ciências da religião. Destacam-se os estudos já citados de Ricardo Mariano (
Neopentecostalismo: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil)17 e de Leonildo Silveira Campos (Templo, Teatro e Mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal).
Um terceiro grupo de estudos possui caráter pastoral, com perspectivas apologéticas, que procura refutar a Teologia da Prosperidade. Embora não sejam textos acadêmicos, as informações históricas e as descrições das práticas nas igrejas e movimentos em questão são confiáveis e serão também utilizadas. O destaque são as obras
O Evangelho da Nova Era: uma análise e refutação bíblica da chamada Teologia da Prosperidade, de Ricardo Gondim,18 e duas, de Paulo Romeiro, Super Crentes: o Evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os profetas da prosperidade19 e Evangélicos em Crise: decadência doutrinária na igreja brasileira.20
2.1. Origem e características principais da Teologia da Prosperidade
A Teologia da Prosperidade tem origem nos EUA a partir dos anos de 1960. Na confluência de vários movimentos religiosos que enfatizavam a cura divina, a prosperidade econômico-financeira e o poder da fé para a superação das fragilidades humanas, conhecidos majoritariamente como
Health and Wealth Gospel, destacaram-se, sobretudo, as pregações e escritos de Kennetth Hagin,21 nascido no Texas, em 1917. 7 7
outono
(s.d.); Alimento da Fé: devoções diárias para a primavera (s.d.); A arte da Intercessão (s.d.); A Autoridade do Crente (s.d.); Como Ser Dirigido Pelo Espírito de Deus (s.d.); Compreendendo Como Combater o Bom Combate da Fé (s.d.); Compreendendo a Unção (s.d.); Crescendo Espiritualmente (s.d.); O Espírito Humano (s.d.) (Também publicado como O Espírito do Homem, vol. 2 da série "Espírito, Alma e Corpo"); O Extraordinário Crescimento da Fé (s.d.); O Homem em Três Dimensões (Vol. 1 da série "Espírito, Alma e Corpo"); É Necessário que os Cristãos Sofram? (s.d.); O Nome de Jesus (1988); Uma Nova Unção (s.d.); Novos Limiares da Fé (s.d.); A Oração que Prevalece para a Paz (s.d.); Planos, Propósitos e Práticas (s.d.); O Que Fazer Quando a Fé Parece Fraca e a Vitória Perdida (1987); Redimidos da Miséria, da Enfermidade e da Morte, 2a ed. (1980); A Respeito dos Dons Espirituais (s.d.); Sete Passos Vitais para Receber o Espírito Santo (s.d.); Zoé: A própria vida de Deus (s.d.).
22 Para uma crítica à confissão positiva veja o artigo "Civilização em Transição: predestinados à riqueza e ao poder", de Robinson Cavalcanti.
Contexto Pastoral, 5(24), jan./fev. 1995, pp. 6-7.
23
Neopentecostalismo: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil, pp. 152-153.
24 Cf. Id. ibid., pp. 150-155. Uma obra clássica sobre o uso dos meios de comunicação para pregação religiosa é
A Igreja Eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis-RJ, Vozes, 1986, de Hugo Assmann.
A Hagin está associado o Movimento da Confissão Positiva, de forte apelo nos EUA e também no Brasil. 22 Trata-se, como formulou Ricardo Mariano, da
crença de que os cristãos detêm poder – prometido nas Escrituras e adquirido pelo sacrifício vicário de Jesus – de trazer à existência, para o bem ou para o mal, o que declaram, decretam, confessam ou determinam com a boca em voz alta. ... Isto é, as palavras proferidas com fé encerram o poder de criar realidades, visto que o mundo espiritual, que determina o que acontece no mundo material, é regido pela palavra. Em suma, as palavras ditas com fé impelem Deus a agir. Tal concepção ... transforma a tradicional noção da fé cristã.
23
Kenneth Hagin, após uma adolescência pobre, marcada por enfermidades e experiências de ser curado por intermédio da Confissão Positiva, foi evangelista da Igreja Batista e em função de suas experiências religiosas pentecostais, tornou-se, em 1937, pastor da Assembléia de Deus. Em 1949, tornou-se um evangelista itinerante, organizando posteriormente, em 1962, o próprio movimento.
Como pregador e divulgador dos postulados da Confissão Positiva, Hagin inspirou-se em Essek William Kenyon (1867-1948). Kenyon também havia sido pregador sem vínculos denominacionais e suas idéias estavam ligadas ao poder do pensamento positivo, em especial as concepções de Phineas Quimby (1802-1866) e de Norman V. Pearle (1898-1993) e à Ciência Cristã, cuja fundadora foi Mary Baker Eddie (1821-1910). Todavia, ele não escrevera ou pregara sobre o tema da prosperidade. A influência sobre Hagin será, sobretudo, nas questões da cura divina e da Confissão Positiva.
Hagin terá de Oral Roberts, conhecido televangelista norte-americano, o pólo de influências sobre o tema da prosperidade, em especial as promessas de retorno material e financeiro a partir das contribuições e ofertas dos fiéis.
A utilização dos meios de comunicação de massa será fundamental para a propagação da Teologia da Prosperidade nos EUA.
24 Destacam-se, além de Kenneth Hagin e de Oral Roberts, T. L. Osborn, Jimmy Swaggart, Kenneth Coperlan e Benny Hinn.
2.2. A Teologia da Prosperidade no Brasil
A experiência eclesial do protestantismo brasileiro não favoreceu, historicamente, as expressões de gratuidade próprias da espiritualidade bíblica. As comunidades possuíam e, em sua maioria ainda possuem, uma vivência religiosa marcada por artificialismos e exclusivismos. Essas marcas não favorecem uma prática libertadora (nos moldes dos desafios 8 8
25
Soma-se a essas uma série de outras como Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, Verbo da Vida, Bíblica da Paz, Cristo Salva, além do alcance das doutrinas delas e das igrejas acima referidas nas demais igrejas protestantes.
26 "Teologia da Prosperidade: A falência da espiritualidade", p. 6.
apresentados pela Teologia da Libertação nas últimas décadas) e nem a dimensão da gratuidade (fundamental nas raízes teológicas da tradição protestante). A espiritualidade "de resultados" própria do moralismo tradicional protestante, como deixar de fumar, beber, dançar e possuir intimidade sexual fora dos limites do casamento (teologia da retribuição) mistura-se, agora, a uma outra também "de resultados", como gravar discos, realizar eventos, ascender socialmente (Teologia da Prosperidade).
Os anos de 1970 marcaram o início da Teologia da Prosperidade no Brasil. Algumas igrejas no campo pentecostal e movimentos e organizações interdenominacionais foram veículos privilegiados de divulgação do conjunto de doutrinas sobre a prosperidade pessoal como sinal da bênção divina. Destacam-se, entre as igrejas e seus líderes, pela capacidade de divulgação de suas doutrinas no rádio e na televisão e pela reprodução e extensão de seus templos e propostas: a Internacional da Graça de Deus (R. R. Soares), Universal do Reino de Deus (Edir Macedo), Nacional do Senhor Jesus, também conhecida como Ministério Palavra da Fé (Valnice Milhomens), Renascer em Cristo (Estevam Hernandes), Nova Vida (Roberto McAlister, já falecido), Cristo Vive (Miguel Ângelo).
25 Também se destacam por iniciativas relacionadas à Teologia da Prosperidade as organizações Missão Shekinah e a Associação dos Homens de Negócio do Evangelho Pleno (ADHONEP). Cada grupo, liderança, instituição ou igreja formula a seu modo as ênfases relativas à prosperidade e as doutrinas religiosas afins. Todavia, guardam, entre outros aspectos, a inversão para a realidade terrestre – e não para uma salvação após a morte – das vitórias, das realizações pessoais ou familiares e do progresso no campo da saúde e da prosperidade material e financeira.
Ricardo Gondim Rodrigues, ao analisar pastoralmente a Teologia da Prosperidade, em especial o tema da espiritualidade, a relaciona com o contexto econômico do Brasil e dos demais países da América Latina:
Em um continente empobrecido, a Teologia da Prosperidade chega como uma alternativa divina com promessas de saúde e riqueza; um escape aos sufocantes problemas da perversa realidade continental. Com uma prática liturgicamente pentecostal, e com premissas muito próximas do protestantismo evangélico fundamentalista, essa Teologia tornou-se a mais vigorosa influência teológica na incipiente fé latino-americana. Nos segmentos socialmente deprimidos, ela foi reelaborada, apropriou-se dos símbolos da religiosidade popular e firmou-se como um neopentecostalismo, ou protestantismo popular. Entre a classe média, enxergou-se a Teologia da Prosperidade como uma fuga da burguesia evangélica, que sempre desejou subir socialmente, mas sentia-se agora perigosamente condenada a descer com o rápido empobrecimento do Continente. 26
Ricardo Mariano aprofunda a questão, ao refletir sobre as formas de ruptura ou de ajuste aos valores da sociedade por parte dos grupos pentecostais (mas que poderiam ser generalizadas para os demais grupos protestantes). Para o autor, tais formas que marcaram os referidos grupos até a década de 1970 estão dando lugar às formas de ajuste.
Diante da mobilidade social de parte dos fiéis, das promessas da sociedade de consumo, dos serviços de créditos ao consumidor, dos sedutores apelos do mundo da moda, do lazer e das opções de entretenimento criadas pela indústria cultural, essa religião ou se mantinha sectária e ascética, aumentando a sua defasagem em relação à sociedade e aos interesses ideais e materiais dos crentes, ou fazia 9
9
27
Ricardo Mariano. Op. cit., p. 148.
28 Leonildo Silveira Campos. Op. cit., p. 375.
29 Id. ibid., p. 376.
30 Op. cit., p. 163. Veja também as análises de José Bittencourt Filho em "Tradução religiosa das promessas de mercado: Teologia da Prosperidade".
Contexto Pastoral, 7(39), jul./ago. 1997, p. 6.
31 "Teologia da Prosperidade: A falência da espiritualidade", p. 6.
concessões. Diante das mudanças na sociedade e das novas demandas do mercado religioso, diversas lideranças pentecostais optaram por ajustar gradativamente sua mensagem e suas exigências religiosas à disposição e às possibilidades de cumprimento por parte dos fiéis e virtuais adeptos. O sectarismo e o ascetismo cederam lugar à acomodação ao mundo, acompanhando o processo de institucionalização, ou a rotinização do carisma, do pentecostalismo.
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3. Reino de Deus, Prosperidade e Capitalismo
3.1. A relação da Teologia da Prosperidade com o sistema econômico
As análises anteriores já demonstraram que a Teologia da Prosperidade possui bases que facilitam o seu desenvolvimento, em parte, pela sua consonância com a lógica do sistema econômico neoliberal. Ou seja, as noções de livre iniciativa, de privatização e abertura das fronteiras de mercado, e de retorno de investimentos encontram no universo religioso algumas similaridades.
Nesse sentido, estão a pregação e a prática sobre o dízimo como uma possibilidade de prosperidade material e financeira posterior, e as recomendações de líderes para que o fiel empreenda negócios próprios. Trata-se de uma teologia que não se orienta pela lógica da "fuga do mundo", como já referido, mas "por uma imersão na sociedade em sua dimensão econômica".
28 O êxito da Teologia da Prosperidade, entre outros aspectos, se dá "justamente porque apresenta um Deus que não incomoda o bom funcionamento do mercado, ao contrário da ‘teologia da libertação’".29
Mariano analisa que
nos cultos da [Igreja] Universal, além de exortados a pagar o dízimo, a dar ofertas com desprendimento e a participar da corrente da prosperidade, os fiéis, ansiosos por enriquecer, são aconselhados a deixar de ser meros empregados. Recebem incentivos para abrir negócios e se tornar patrões, desejo da maioria dos que vendem sua força de trabalho no mercado. Para enriquecer, portanto, não adianta apenas confessar a fé correta e exigir seus direitos. Devem trabalhar, ser astutos e aproveitar as oportunidades. Semanalmente, a Universal realiza a "corrente dos empresários". 30
Somam-se a isso os valores de consumo presentes nessa forma de religiosidade, tanto no contexto protestante como no católico-romano. O incentivo ao uso de camisetas e de outros bens de uso pessoal com marcas de apelo religioso, assim como a compra de discos, o recurso a objetos mediadores do sagrado como rosas, lenços, martelos, compõem um universo de consumo sinalizador, na visão dos fiéis, de uma "vida de bênçãos". Ricardo Gondim Rodrigues afirma que "a ideologia capitalista da ebulição neoliberal se misturou de tal forma no pensamento religioso deste fim de milênio que a ênfase da religião tornou-se egocêntrica, materialista e consumista".
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No entanto, para Mariano, a relação da Teologia da Prosperidade – em especial no interior do pentecostalismo, seu objeto de estudo – com o sistema econômico capitalista não confere 10 10
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Op. cit., p. 185.
33 Cf.
Desejo, Mercado e Religião, pp. 23-32.
34 Id. ibid., p. 33.
35 Idem.
mobilidade social aos fiéis. Isso porque a lógica de consumo, desprovida do ascetismo tradicional protestante, não gera a poupança necessária para reforçar o sistema, conforme as conhecidas teses de Max Weber relativas ao puritanismo protestante. Mariano indica que a Teologia da Prosperidade
embora não conduza à formação de poupança, baseia-se na defesa da prosperidade como algo legítimo e mesmo desejável ao cristão, no estímulo ao consumo e no progresso individual e em acentuado materialismo. Nascida nos EUA, a Teologia da Prosperidade não tece uma única crítica sequer ao capitalismo, nem à injustiça e desigualdade sociais, nem aos desequilíbrios econômicos do mundo globalizado. Mais pró-capitalista impossível. Mas daí concluir que tal teologia, ou os religiosos que a defendem, impulsione e fortaleça efetivamente este sistema econômico, vai uma longa distância.
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Nesse sentido, seguindo a mesma lógica contida nas críticas ao neoliberalismo (que o revela como gerador de exclusão social), se poderia afirmar, como Mariano, que a tão almejada prosperidade material, principal promessa da Teologia da Prosperidade, pode se dar apenas no espectro religioso e imaginário dos fiéis.
3.2. Reino de Deus e capitalismo
A Teologia da Prosperidade, portanto, não afirma que o capitalismo é o Reino de Deus, ainda que sua proposta de salvação do ser humano seja identificada a partir da apropriação e do consumo de bens, em consonância com a lógica capitalista. As análises científicas e pastorais sobre essa proposta religiosa baseiam-se nesse postulado para mostrar as tendências idolátricas presentes na Teologia da Prosperidade. Trata-se de uma concepção salvífica acentuadamente intra-histórica.
Para melhor compreensão das expressões religiosas da Teologia da Prosperidade, em especial a identificação do capitalismo com o Reino de Deus, foram pressupostas, como referido inicialmente, as constatações de alguns estudiosos quanto ao caráter teológico (ou religioso) do mercado liberal. Jung Mo Sung identifica uma "teologia" – e mesmo uma "espiritualidade" – própria e inerente ao sistema econômico neoliberal, extraída dos textos e das afirmações de economistas e teóricos neoliberais. Trata-se de uma lógica e de uma linguagem própria do neoliberalismo – e de seus representantes políticos – como: a necessidade de ter "fé" no mercado, a defesa de seu caráter auto-regulador (e de sua "mão invisível") e a sua perspectiva salvífica que destina à exclusão e/ou à morte aqueles que não se encontram ajustados à dinâmica sistêmica.
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Todavia, Jung Mo Sung analisa também o trabalho de teólogos que explicitamente defendem a identificação entre Reino de Deus e capitalismo. O caso exemplar é Michael Novak, do Departamento de Teologia do Instituto Americano de Empresas, que, entre outros aspectos, defende a "tese de que o sistema de mercado capitalista é a encarnação do Reino de Deus na história".
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No entanto, as análises de Jung Mo Sung são prioritariamente baseadas a partir das afirmações e materiais de "não-teólogos profissionais para mostrar que o capitalismo está fundado numa lógica mítico-religiosa perversa".
35 Para isso, ele analisa especialmente conferências internacionais importantes de representantes do sistema, como o ex-diretor-geral 11 11
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Cf. Id. ibid., pp. 32-35.
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Deus numa Economia sem Coração, pp. 106-107.
do Fundo Monetário Internacional, Michel Camdessus. Em duas delas, por exemplo, intituladas "Mercado-Reino: a dupla pertença" (França, 1992) e "O Mercado e o Reino frente à globalização da economia mundial" (México, 1993), encontra-se presente a religiosidade, em especial de sacrifícios, do sistema econômico.
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Jung Mo Sung também avalia o poder que a Teologia da Prosperidade oferece aos fiéis – cuja assimilação, para o autor, é identificada como mais uma forma de resistência dos pobres aos esquemas de negação da dignidade humana. Todavia, para ele
essa forma de resistência dos pobres tem limites que os fazem ser facilmente cooptados pelo sistema de mercado. Isso porque acabam reproduzindo as mesmas estruturas de pensar e ver a realidade, os marcos categoriais da esperança capitalista. A reconquista da humanidade, via comunidade dos "salvos", é feita novamente pelos mecanismos de mercado: compra-se a salvação. A pertença a esse povo eleito está profundamente condicionada aos mais diversos tipos de "contribuição" financeira. Além disso, se reproduzem os mecanismos excludentes de mercado: os que não são "consumidores" dessa religião, os que pertencem a outra religião ou Igreja, são excluídos da salvação, não são pessoas. De novo, a realização de sua esperança necessita de exclusão e condenação de outros.
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A Teologia da Prosperidade está, portanto, intimamente relacionada com o sistema econômico neoliberal. Às práticas religiosas de parcela considerável da população são acopladas (ou incentivadas) práticas socioeconômicas, em consonância com a lógica do neoliberalismo. Tal aglutinação possui embasamento religioso que, indiretamente, contribui para a associação entre consumo e salvação, e entre capitalismo e Reino de Deus.
A própria lógica do sistema econômico e o seu discurso teórico interno revelam aspectos de uma religiosidade. Somados à espiritualidade explicitamente religiosa – como é o caso da Teologia da Prosperidade – formam um amálgama que cientistas, teólogos e pastoralistas identificam como idolátrico. Torna-se necessário, portanto, um aprofundamento bíblico-teológico, em especial em relação à tendência de identificação direta ou exclusiva do Reino de Deus com projetos históricos.