quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

As festas judaicas

Introdução



Geralmente nós os cristãos, conhecemos pouca coisa sobre a vida litúrgica de Israel. No entanto as manifestações religiosas israelitas influenciaram de maneira direta a tradição cultural da Igreja nascente e mesmo sua predicação. Se quisermos um exemplo claro, basta evocar o fato que nós os cristãos celebramos páscoa, pentecostes, celebramos os sacramentos. Todas essas celebrações encontram suas raízes na vida litúrgica de Israel. Assim se quisermos, por exemplo; compreender bem o sentido de nossa páscoa, primeiro temos que conhecer bem a páscoa judaica, pois, é justamente a partir dela que a Igreja nascente se inspirou para criar uma teologia da páscoa cristã.



Por isso, é necessário que nossa geração saiba como as pessoas das Escrituras e as pessoas do tempo de Jesus viveram os grandes momentos litúrgicos que os reuniam regularmente a Jerusalém para honrar Deus e confessar sua esperança.



O objetivo deste curso é justamente apresentar de maneira breve e precisa, algumas festas judaicas e ao mesmo tempo mostrar a ligação destas com nossa vida litúrgica cristã.



Porém, antes de aprofundarmos no assunto é importante legitimarmos o nosso estudo segundo ponto de vista eclesial. Eu gostaria de dizer que o que nos permite estudar, enquanto cristãos as festas judaicas e de nos alimentarmos da espiritualidade delas, é justamente a partir do convite que nos faz o documento conciliar ‘Nostra Aetate’ número 4, sobre a religião judaica.


I. O nome “FESTA”

Assim como a semana é intercalada pelo o shabat, considerado como a primeira das festas, no sentido em que ela é um momento de intimidade com Deus, e que ele antecipa mesmo o mundo futuro, assim também o ano é intercalado por solenidades que constituem o memorial das intervenções de Deus na história do seu povo e das suas visitas ao seu povo. Essas festas fazem do ano judaico, um ano religioso.



a) O nome ‘Festa’

No Pentateuco a palavra festa é dita de três formas, há três modos de se dizer festa. Cada uma dessas palavras traz consigo um ensinamento próprio sobre o sentido da festa: moed, miquerah qodesh e hag. מועד, קודש מיקרה, חג.

Moed: Significa encontro. As festa são encontros fixados por Deus, isso prova que esse encontro foi desejado mesmo por Deus. Segundo essa designação as festas devem ser celebradas num período determinado, pois, este é um período privilegiado: “Que os filhos de Israel celebrem a páscoa na data determinada” (Nm 9,2-3). Esse encontro acontece no tempo e em um lugar. Deus encontra seu povo no tempo que ele mesmo fixou e no templo em Jerusalém. A irrupção da divindade num tempo fixo e num lugar nos diz que todo tempo e todo lugar são destinados a serem invadidos pela presença de Deus. Essa universalização deve passar primeiramente por um particularismo, de um tempo celebrado, em um lugar, e por um povo; para depois se estender à todos os povos e a todos os lugares e em todos tempos.


Miqrah qodesh, santa convocação:

A raiz qodesh que exprime a santidade, tem em primeiro lugar um sentido de separação, ele significa que a santidade só pode ser aplicada a algo que é diferenciado, personalizado. Assim a convocação é santa porque ela vem de Deus, o santo, e por que ela é um tempo colocado a parte por Deus e para Deus, um tempo diferente dos dias ordinários.

Hag

A palavra hag lembra a idéia de círculo. Esse termo é aplicado às três festas de peregrinação que se inscrevem no rítimo cíclico da natureza. Celebrando a páscoa, pentecoste e a festa das tendas, o homem assume lucidamente o rítimo da natureza para afirmar a sua ordem. Enfim, essas três denominações das festas nos mostram a parte do homem na organização do ano. Na submissão à vontade de Deus, o homem deve santificar os dias do ano cíclico e respeitar o seu curso natural e circular, com festas que mostram a contínua intervenção de Deus na vida do homem. Esse papel de mediador Israel assumiu no pé do Sinai e ele continua assumindo o até hoje.


b) A divisão das ‘Festas’

Existem dois grupos de festas com valores diferentes:

O primeiro grupo: São as festas principais/ festas de instituição mosaica, as festas citadas pela Torah, portanto, obrigatórias. Estas festas foram instituídas por Móises a pedido mesmo de Deus.

O segundo grupo: são as festas de instituição rabínica, fixadas pelos rabinos para celebrar algum fato histórico e importante para o povo judeu.

As festas de instituição mosaica são as três festas de peregrinação:

- Páscoa; Pentecostes; e a festa das tendas/ depois as festas de outono. Rosh shanah, e o dia do grande perdão, yom kippur.


As festas de instituição rabínica, chamadas festas menores são:

- Festa da dedicação do Templo; Hanukkah; Purim; e a comemoração da destruição do templo, 9 do mês de Av.


C) O Calendário Judaico

O dia para os judeus, como para a maior parte dos nômandes, começava com o pôr do sol, o que fazia com que um dia pudesse começar às 5 horas, 6h ou 4h, dependendo da estação do ano. Uma vez que o sol desaparece, um dia já passou, e um outro começa. A durabilidade do dia é mediada pelo sol. Os meses (hodesh) são às vezes doze ou treze, eles são compostos de 30 ou 29 dias.

Para criar o seu calendário anual Israel se inspira na experiência dos seus vizinhos; Egito e a Mesopotâmia. Eles contavam o dia baseado no movimento da lua. Eles adotavam, pois, um calendário lunar. O ano lunar compreende doze meses de trinta dias ou vinte nove dias cada um, o que faz um total de 354 dias no lugar de 365. Mais tarde pelo século oitavo ou pelo século nono graças ao progresso astronômico se acrescentou um outro mês ao calendário judaico para que ano judaico pudesse corresponder ao ano solar em quantidade de dias. Hoje o calendário judaico tem o ano composto de doze meses lunares com um mês suplementar de 29 dias a cada dois ou três anos.

Eis aqui os o calendário israelita:

1 Nisan março/ abril/ festa: Pascoa

2 Iyar abril / maio

3 Sivan maio/ junho/ festa: pentecoste

4 Tammuz junho/ julho/

5 Ab, Av julho/ agosto/ festa: destruição do Templo

6 Elul agosto/ setembro

7 Tishri setembro/ outumbro/ ano novo, yom kippur

8 Heshwan outubro/ novembro

9 kislev novembro/ desembro/ festa: hanukkah

10 Tevet dezembro/ janeiro

11 Shevete Janeiro/ fevereiro

12 Adar Fevereiro/ março/ festa. Purim


A pascoa, פסח

A páscoa abre o calendário litúrgico de Israel, ela é a primeira festa da primavera. A festa mais citada pelas Escrituras e segundo alguns especialistas ela era considerada entre os judeus do tempo de Jesus como a festa mais importante do ano. Dentre as solenidades citadas nas Escrituras a páscoa é a festa mais conhecida na tradição cristã, isto por causa do papel que ela assumiu nos testemunhos neotestamentários.


1.1 A origem da festa:

A origem da festa é pagã, ela precede a instalação do povo de Israel na terra de canaã, ela está ligada a vida nômade de pastores de rebanhos de cabra e de ovelhas que são obrigados a mudar-se constantemente a procura de pasto para o rebanho. Cada mudança constitui para estes pastores uma verdadeira aventura, pois, eles são obrigados a se aventurar por terrenos desconhecidos que oferecem para eles e para o rebanho todo tipo de perigo. Os pastores tentam então se proteger destes perigos através de rituais de sacrifícios antes de partir para um novo lugar, uma nova pastagem.

Para os nômades a celebração começa ao cair da tarde as vésperas da próxima mudança de lugar. Eles imolam um cordeiro ou um cabrito que os participantes assam sem quebrar nenhum osso e depois comem com pão sem fermento e com ervas amargas. O pão sem fermento seria a comida do beduíno, as ervas amargas serviriam como um tipo de tempero que dá um certo gosto a comida. Eles comiam tudo sem deixar nenhum resto. Durante a refeição eles estavam prontos para partir, com os rins singidos e com as sandálias nos pés. Com o sangue da vítima eles marcavam as entradas das cabanas como um sinal de proteção contra as forças destruidoras. O Sangue protegeria, assim, os animais dos futuros perigos. Mais tarde esse costume é assumido pelos antigos pastores de Israel, ainda quando estes eram seminômades. Para estes, o ritual era feito na primavera e na lua cheia. Eles faziam o mesmo ritual desta vez com o objetivo de proteger suas casas e seus hóspedes dos possíveis males. Resumindo, vários escritores concordam então que a páscoa judaica é teve sua origem no mundo seminômade de Israel, que por sua vez tem suas raízes no mundo nômade pagão.


1.2- A Páscoa no contexto Bíblico

Com os textos bíblicos a páscoa era uma festa nômade ligada a vida dos pastores de rebanhos de ovelhas e de cabras, ela passou a ser historicizada com o livro do Êxodo, nacionalizada com o livro de Deuteronômio e sacralizada com o livro de Levítico. Em outras palavras, esses textos bíblicos fazem da páscoa uma festa histórica, nacional e sagrada para o povo de Israel.

a) Uma festa histórica para o povo de Israel

Em primeiro lugar a páscoa é integrada na história da Salvação. O texto que nos interessa é Êxodo 12, pois, o texto é completo do ponto de vista da informação sobre o evento. Todo capítulo fala sobre a páscoa: (12, 1-20) o texto explica o ritual pascal. Um cordeiro ou um cabrito deve ser imolado, partilhado entre a família ou entre vizinhos, que comem a carne do animal assado com pão sem fermento. O Sangue deve ser jogado nos dois marcos e nas travessas das portas. Esse sangue vai livrar os israelitas do anjo destruidor que vai agir sob o comando de Deus contra os egípcios, mas, poupará os israelitas graças ao sinal do sangue do cordeiro/ (Ex 12, 2). É necessário o dia do evento, essa celebração deve ser feita no princípio do mês; no dia 14 no mês de Nissan, e se os filhos perguntarem aos pais: por que fazemos tais rituais? A resposta é dada no v 27, “este foi o dia em que O senhor livrou o povo de Israel da destruição a qual foram submetidos os egípcios”. Nos vv 41-42 a explicação é completada neste dia O senhor fez o povo de Israel sair da terra do Egito. Com o Êxodo a páscoa torna-se história de Israel. Ele lembra duas passagens, primeiro, Deus que passa sobre as casas dos israelitas para salvá-los da destruição; segundo, ela celebra a passagem do povo da terra do cativeiro para uma terra de liberdade. No texto tudo toma uma conotação histórica, se os hebreus comem às pressas e com sandálias nos pés é por que eles estavam preparados para deixar o país a qualquer momento, se eles comeram pão sem fermento é justamente devido à situação de pressa na qual eles se encontravam. A páscoa celebra assim, o dia em que Deus interveio na história do seu povo para salvá-lo da Escravidão do Egito. Hoje muitos judeus piedosos e simples celebram a páscoa como um evento histórico.

b) Uma festa nacional

Segundo uma informação dada pelo segundo livro dos Reis, 2R23,21-22, houve um período na história do povo de Israel, em que a celebração da Páscoa foi negligenciada por um bom tempo. Esse período seria o período dos juízes. A páscoa volta a ser celebrada sob o governo de Josias. Josias ordena que o povo celebre a páscoa tal qual pede o livro da Aliança. Josias menciona assim, Dt 16, 1-8 que cita a festa como obrigação, segundo o mesmo texto a festa deve ser celebrada uma vez por ano em Jerusalém, e o motivo é o mesmo citada por Ex12,41-42. Deus fez o povo sair da terra do Egito. Dt16 promulga uma espécie de lei com relação a Páscoa, segundo o texto a celebração da páscoa uma vez por ano é uma obrigação. A Páscoa passa a ser, então, uma festa nacional obrigatória a todo o povo de Israel.


2 Uma festa sacralisada

Em Lévitico 23, 5-8 novas prescrições são dadas sobre a festa da Páscoa. O Texto indica o dia da festa, mas, também a hora da imolação da vítima pascal que deve ser oferecido ao crepúsculo no dia 14 do primeiro mês. Mas, o mais interessante é que o texto diz que a festa é uma santa convocação. Aí está o caráter sagrado da festa. Ela é santa porque ela é uma convocação feita por Deus. Deus mesmo convoca seu povo para a celebração da páscoa. O objetivo desta convocação é citada no texto sacerdotal em Ex12,14, “este dia será para vós como um memorial e o celebrareis como uma festa para o Senhor”. Segundo o texto sacerdotal a páscoa é um memorial em honra do senhor lembrando o dia em que Deus salvou o povo da escravidão. O memorial na tradição judaica não significa a lembrança, ou a recordação, de modo passivo de um evento do passado. Memorizar significa atualizar, tornar presente o próprio evento passado. Uma vez tornado presente este evento, ele impulsiona o povo para uma salvação definitiva. A páscoa, festa sagrada, é o sacramento da libertação de Israel, toda vez que ela é celebrada, memorizada ela demonstra o poder libertador de Deus e antecipa o que acontecerá no futuro. O evento diz o que acontecerá no futuro, Deus vai intervir no futuro. A Páscoa comemora então o passado, engaja o presente, quando se celebra a páscoa é como se tivesse acontecido com a própria pessoa. Hoje o senhor me livrou da escravidão do Egito e ao mesmo tempo ele engaja o futuro, amanhã Deus me libertará definitivamente de todas escravidões.


3 A festa da páscoa no Período do segundo templo

A tradição sacerdotal forneceu um quadro firme para a celebração da Páscoa de modo que no período do segundo templo no primeiro século antes de Jesus, a Páscoa reunia uma multidão de gente de todo o país em Jerusalém para celebrar a festa no Templo. Sua liturgia se enriquece ainda de alguns elementos e ela não cessa de suscitar novos comentários e interpretação a seu respeito.

Esta celebração nos é ainda hoje conhecida graça ao tratado da Mishina consagrada a páscoa: Pesahim, mas também atraves de Flavio José que pode nos dizer algo sobre o primeiro século antes de Jesus. O tratado fala sobre a preparação da festa, sobre o sacrificio e a ceia de Páscoa. A Páscoa é celebrada no dia 14 de Nisan, mas o movimento já começava no dia 13 com a preparação para o dia seguinte. As fámilias passavam o dia preparando a casa, procurando produtos fermentados. Nada contendo fermento poderia ficar na casa.

O sacrificio era oferecido no templo no começo da tarde. Por causa do grande número de gente, os fiéis eram divididos em grupos para oferecerem os seus sacrifícios. O sacrificio era feito pelo o pai de fámilia, mas o sangue do animal era recolhido imediatamente pelo o sacerdote que dava ao seu compaheiro para aspergí-lo no altar.

A ceia se passava fora do espaço sagrado do templo, ou em casas de familias. De cada ceia participavam no mínimo dez pessoas, menos não. O que indica que a páscoa conservou o seu aspécto familial e fraterno. Cada um deve comer do alimento tradicional: o pão sem fermento, as ervas amargas, o cordeiro pascal etc e todos deviam beber dos 4 copos de vinhos. Cada um dos copos de vinho é a companhado pelos os cantos, canta se os salmos de halell (sl 113 e 136). Durante a ceremonia as crianças devem perguntar o que que distingue esta noite das outras noites. Os pais respodem por comentários que pode se estender até a meia noite, mas eles não devem esquecer de pronunciar o nome pesah, massah e maror que lembram que esta noite é um dia do memorial da saida do Egito e que convem de louvar a Deus que nos tirou da servidão para a liberdade, da tristeza para a alegria, do luto para a festa e das trevas para a Luz.


a) Filon de Alexandria e o comentário alegórico da Páscoa

Filon, é um fílosofo judeus do primeiro século antes de Jesus, ele morava em Alexandria, num meio helenistico, no entanto ele conhecia bem o rito da Páscoa celebrado em Jerusalem e o seu sentido próprio. Porém Filon tenta acrescentar uma outra dimensão ao sentido da Páscoa. Para ele a páscoa não evoca apenas o êxodo mas ele tem também um significado cósmico e moral.

Filon traduz a palavra pesah por , o que lhe permite de fazer um comentário alegórico deste termo. Certo, A Páscoa é o memorial da saída do Egito, mas ela é também uma travessia, quer dizer, uma purificação da alma sedenta de sabedoria mas porem submergida nas paixões do mundo. A pascoa seria nesse caso a travesia do corpo e das paixões para a sabedoria.

Filon remarca também que no dia da Páscoa, contrariamente a tradição sacerdotal em vigor a jerusalem, a víctima é sacrificada pelos próprios fiéis . Nos outros dias somente o sacerdote pode sacrificar as victimas.

Filon conclui que no dia da Páscoa todo povo jovens e velhos se revestem da dignidade sacerdotal, todo mundo está em estado de pureza e todas as casas se revestem da dignidade do templo e do esplendor do Santuário porque a Páscoa está sendo celebrada nas casas. Quer dizer que o dia da Páscoa prefigura mesmo o mundo futuro, onde todos se encotrão no grande Santuário, o céu, salvos, puros e na presença de Deus. Nesse sentido podemos dizer que a páscoa antecipa mesmo o que acontecerá no mundo futuro.

4 A significação teológica da festa para os judeus

Nós podemos resumir o significado teólogico da Páscoa através de três termos: Renovação, passagem e libertação.

Renovação: falar de renovação é evocar em primeiro lugar as forças da natureza. A pascoa é celebrada na primavera, período em que a natureza se disperta e manifesta sua vitalidade encontrada na festilidade dos campos e na fecondidade dos animais. A festa coincide assim com a estação que indica o recomeço do circulo natural por isso mesmo esta festa lembra naturalmente o primeiro começo, quer dizer a própria criação do mundo. Neste caso a festa é ligada diretamente a natureza, para Israel não existe contradição entre natureza e história, as duas se completam pois as duas são o teátro mesmo da intervenção de Deus. Deus intervem na natureza e na história do homem com a mesma liberdade. Mesmo se a páscoa é interpretada em função da história bíblica, santa ele não perde o seu contado com o circulo natural do ano. Assim até hoje existem uma oração para o orvalho, essa oração deve ser pronunciada no primeiro dia da semana da Páscoa. Festa da renovação, a pascoa é tambem simbolo do renascimento, ele sugere o triunfo da vida sobre a morte.

Passagem: A páscoa é ainda passagem ela é em primeiro lugar passagem de Deus que salvou e que salva sempre, esta salvação se deu pela passagem de Deus o do seu anjo exterminador que passou sobre a casa dos Israelita e os poupou da morte que atingiu Fáraó e o seu povo(Ex12,13,23,27). A noite pascal provoca uma verdadeira crise, ele equivale a um julgamento. Podemos dizer que quando Deus passa entre os homens ele faz justiça. Os opressores são punidos e os oprimidos são tratatos com justiça. A de Deus gera a para o seu povo, a passagem de Deus provoca uma mudança radical na vida do seu povo, este povo muda de estatus, como o diz o seder pascal, a passagem de Deus fez o povo passar da escravidão para a liberdade, da tristeza para alegria, e das trevas para as luzes. O Senhor passa e faz o seu povo passar de uma condição de míseria e sem futuro para uma situação onde tudo se torna possível. Essa é uma das qualidades fundamentais de Deus dar sentido ao que não tem sentido. Tornar possivel o impóssivel. A pascoa é então esse movimento, essa transformação, ele abre novas perspectivas, ela prepara o novo, ela inaugura uma história.

Libertação: Para a tradição judáica, a páscoa é em primeiro lugar festa da libertação. A noite pascal é uma noite de libertação que contem o germe de todas as outras libertaçoes, ela é sinal e demonstração de salvação. Por que houve a saida do Egito haverá certamente uma salvação definitiva para todos os povos. Quando Israel celebra a Páscoa ele mostra as noções o que Deus fez indicando assim o o fim da humanidade, isto é a libertação definitiva.

Na Biblia se encontra constantemente a expressão: O nosso Deus nos fez sair do Egito(Ex, 13, 3, 9, 14, 16; 20,2;32,11 etc) A Libertação do Egito significa uma ruptura com relação ao passado e au poder opressor. Para A. Neher, pensandor judeus, a libertação do Egito foi um evento físico, social e político impregnado do religioso, libertação do corpo e da Alma. Assim o pensador judáico mostra que a salvação que Deus oferece ao seu povo não se limita apenas a uma dimensão espiritual mas tambem não se reduz a um episódio de luta de classes. Os dois estão extramamente ligados. A Páscoa se refere á um evento que é de uma só vez, migração de um clã semi-nômade, libertação de um grupo de escravos e ato de Deus em favor dos párias. Portanto a Pascoa é um evento que exprime a salvação completa do homem. A pascoa revela a natureza profunda de Deus, ela mostra que a preocupação primeira de Deus e de libertar os homens dos poderes que os massacram, ela mostra o desígnio de Deus que é redenção do mundo, em fim a Páscoa faz da salvação a primeira e a última palavra do Deus da Bíblia.


5 A Páscoa Judáica e o Novo Testamento

a)Efesios 2, 11-14. O texto tenta resolver o problema abordado no v12, o problema é a situação dos pagãos. Antes de Cristo os pagãos se encontram excluídos da cidadania de Israel, estranhos as alianças da promessa e portanto sem nenhuma esperança e sem Deus no mundo. A situação é realmente grave. Esse problema é resolvido pelo sangue e pela carne de Cristo. Pelo o Sangue (v13 ) e a Carne (v14) de Cristo os pagãos recebem os mesmos status dos judeus, eles passam a ser cidadãos, e a herdar as mesmas promessas que pertencem aos judeus e portanto eles passam a ter o mesmo Deus.

A palavra chave de resolução do problema é a o Sangue e a Carne. Ora foi pelo o Sangue e pela carne do cordeiro que os hebreus foram salvos da exterminação no Egito e puderam passar do Egito para a terra prometida. Após o ritual do Sangue e da Carne do Cordeiro os hebreus reencontra a esperança em Deus recebe a Aliança no Sinai, tudo recomeça depois do ritual do sangue e da carne do cordeiro. Para os pagãos essa passagem de uma vida pagã e sem esperança para uma vida de compromisso com Deus, atravéc de todos os befenefícios dos quais gozam os judeus, se realiza através do Sangue mesmo e da Carne de Cristo. O que são Paulo quer dizer é que Cristo é o Cordeiro pascal que tira a separação entre judeus e pagãos. Pelo o Cristo Cordeiro pascal o muro da separação foi tirado pois os pagãos que antes estavam sem Deus e sem Aliança passam a ter Deus e Aliança.

Passam a gozar do mesmo status dos circuncisos. Com o Cristo os pagãos passam da escravidão do pecado para a liberdade, da tristeza para a alegria e das trevas para as luzes.

b)1Cor 5, 1-8

Nesse segundo texto Paulo diz de maneira mais direta o que ele diz no texto já analisado. No v6 ele diz diretamente que Cristo é nossa Páscoa.

Desta vez Paulo tenta resolver um problema moral na comunidade de Coríntios. Trata se do comportamento indecente dos corintios com relação a sexualidade. No meio dessa completa liberação há mesmo um caso de incesto. Um filho que dorme com a mulher do pai . Esse é o caso preciso que faz Paulo reagir. Para corrigir esse desvio, Paulo vai utilizar do V 6-8 um vocabulário completamente pascal, fermento, massa, ázimo, imolar. Ele lembra através deste vocabulário o passado e o presente dos Corintios. O passado ele compara como um velho fermento do qual os corintios devem se purificar para viver a nova realidade como nova massa, isso porque o Cristo nossa Páscoa foi imolado. Paulo lembra os corintios que pela Páscoa de Cristo eles já estão numa realidade nova, eles obtiveram um novo status e que portanto eles devem se comportar a altura. O Interessante aqui é remarcar que toda essa passagem foi feita pelo cordeira Pascal que é o Cristo. O autor da nova realidade para os corintios que outrora eram simplesmente pagãos. Mais uma vez podemos ver atrás do texto um fundo teológico da tradição da Páscoa judáica.


C) A idéia de Sicaron, memorial pascal esclarece idéia de memorial eucaristico

Entre 1500 acto central do culto cristão se encontra atacado pela reforma protestante, que acusa a Igreja de multiplicar sacrificios, como se o sacrificio de Cristo não fosse necessario para salvação do mundo, eles criticam também a pretenção dos padres se mostrarem um outro Cristo capaz de oferecer sacrificio. Para eles o verdadeiro e unico sacrificio foi consumado pelo Cristo. Diante dessas criticas bem fundmentadas a Igreja no concilio de Trento passa a falar de memorial e de actualização do Sacrificio de Cristo. A Eucaristia é uma memorisão, uma actualização do sacrificio de Cristo.

O problema que aparece é de se reduzir a Eucaristia numa simples lembranca do verdadeiro sacrificio. Os teologos recorreram a noção de Memoria no juadismo, Zicaron para fondamentar o memorial eucarístico.

O Memorial liturgico no juaismo: é um acto cultual no qual se lembra um evento de salvação no passado mas para reviver no presente a graça a força deste evento na espera de uma plenitude definitiva que deve vir. Na Séia pascoal , Israel celebra a saida do Egito para se diexar empregnar pela forca deste evento no presente para poder caminhar em direção de uma salvação definitiva. A maravilha do passado é actualizado no presente e me fortalece na busca de uma salvação definitiva. Estas três dimensões: presente passado e futuro estão presente no memorial eucarístico. Fazei isto em memoria de mim, significa lembrar a morte salvadora de Cristo, viver esta salvação hoje e fortificado caminhar para parusia, para salvação eterna. Actualizado o sacrificio de Cristo o padre torna possivel esta operação. Ele torna actual o acto salvador de cristo presente na Eucaristia, Ele perpetua o unico sacrificio da Cruz. A partir da noção de memorial judaíca a Eucaristia cristã sai de um ritualismo pagã de sacrificio, ela torna se concreta e compreensivel a qualquer fiel.


II A festa das semanas ou Pentecoste

1. Origem e nome

a) A festa de shavuot é uma das três festas de peligrinagem que Deus exige cada ano de seu povo(Ex23,14-17, 34,22; Dt 16,16) Essa festa apesar de ser convocada por Deus é uma das festa que é menos celebrada em Israel. As Escrituras e o Novo testamento falam pouco sobre a festa e nenhum tratado da mishna não lhe foi consagrado especialmente.

Ela é no começo uma festa agrária e de orígem cananeana. É somente próximo a era cristã que ela é colocada em relação com historia Santa. A partir daí ele se torna a festa da Aliança ou da Lei ele passa assim a ser relacionada com os eventos do Sinai. Celebrada na primavera ele é até hoje relacionada com a colheita.

a) nome

Ela é conhecida como a festa das semanas, hag chavuot, assim ela é chamada em Ex 34,22;Dt16,10 ou simplismente Semanas em Nm28,26. Porém um da suas denominações mais antiga é festa de qatsir, qué dizer, festa da recolta (Ex 23, 16) , e Nm28,26 a chama de festa das primicias. Sendo a festa das semanas ela esta ligada com a festa da páscoa no sentido em que ela é celebrada cinquenta dias depois da páscoa. O judaismo helenistico vai chamar esta festa de h penthkosth/ hmera quer dizer Pentecoste, nome que a Igrja vai adotar. O judaismo rabínico, chama esta festa aseret que significa enceramento, por esse termo eles remarcam que esta festa fecha um périodo aberto pela Páscoa. Em fim pode se concluir atraves destas diversidades de nomes que esta festa foi compriendida de vários modos: para uns ela esta ligada antes de tudo as atividades agriculas de Israel , para outros ela está ligada diretamente a páscoa como um tipo de conclusão do perído pascal e para outros ainda ela esta ligada diretamente aos eventos do sinai, a lei dada a Moise.


2.A festa de pentecoste durante o périodo do Primeiro Testamento.

Se analisamos os textos das Escrituras é possível observar que a festa das semanas conservou principalmente sua caracteristica agrária durante todo o périodo do Primeiro Testamento. Ela era relacionada com a colheta do trigo. Trata se de uma manifestação popular e festiva ligada com a piligrinação ao Templos. Os lavradores iam ao Templo para oferecer as primicias das colheitas a Deus(Ex34,22). O tempo da colheita tal qual descreve o a Bíblia parece ser muito importante para o lavrador israelita. Vários textos biblicos falam sobre o tempo da colheita. Gn30,14, Jz15,1, 1Sm6,13; 12,17, Jr5,24 e vários. A colheita era uma ocasião de grande alegria como alias cita o profeta Isaia,<< eles se alegram na tua presença como se alegram os ceifadores na ceifa>>(Is9,2).

Os calendários de Ex 23,16; 34,22 falam da festa apenas como festa da coheita e a ligam com a oferta das primicias. Dt16,9-12 explica um pouco mais a festa. Ela consiste na oblação voluntária feita pelos os ceifadores a medida das bençãos divinias recebidas. A festa se passa em um lugar fixado por Deus, a data é determinada em função do começo da colheita. Ela reune para uma celebração festiva mesmo os mais deserdados dos povos. Em fim Lv23,1-5 liga a festa diretamente com a oferta dos primeiros frutos, Lv23 da festa deve participar todo mundo ricos e pobre, cidadãos e estrangeiros. Um dos ritos exigidos por Lv23 é a oferta a Deus de dois pães fermentados. O pão fermentado é o alimento díario do lavrador, ele indica assim o fim do período inagurado pela páscoa, onde se come o pão sem fermento. Segundo todos esses textos a festa é apenas de caracter agricula. Diante da colheita abundante o ceifador reconhece o papel principal de Deus. A abundancia de frutos é visto como um dom de Deus. Portanto não se pode pensar em colher sem oferecer a Deus o que vem de Deus. Os textos em si não fazem nenhuma ligação da festa das semanas com a história do sálvifica do povo de Israel. No entando há uma evulução na celebração da festa no decorrer da história.


3- A Festa da semanas no primeiro século antes de Cristo

O primeiro problema que os judeus do primeiro século, antes de nossa era, tentam resolver é sobre a data da festa. Eles se baseam no calédário

bíblico de Lv 23 que fixa a festa sete semanas contados depois do dia seguinte do shabat no qual eles ofereceram os primeiros feixes. Para os saduceus este shabat seria o shabat logo depois do dia da páscoas para os fariseus trata se do shabat após o Shabate de Páscoa. Eles impões os seu ponto de vista e a festa das Semanas é celebrada até hoje no dia 16 de Sivan(máio/junio).

No primeiro século antes da era cristã a festa das semanas é ligada a história Santa. Segundo o livro dos jubileus, livro de origem essênica, a festa tem um duplo aspecto: de um lado ela é de uma parte a festa das premícias de acordo com a tradição de Nm 28,26, mas de outro lado ela é a festa da Aliança. Essa festa é celebrada no céu antes mesmo de ser revelada a Noé no dia em que Deus celebrou uma Aliança com ele, quer dizer no dia 15 do terceiro mês. Depois esta festa é neglijada até o tempo de Abrãa que a coloca em vigor quando Deus cela uma Aliança com ele. Abrão proclama a festa como o preceito para sempre. Moises mesmo teria ele celebrado esta festa no dia mesmo em que ele recebeu a lei. Assim Pentecoste é conhecida como a festa da Aliança e como tal ela assegura a sua permanença. A festa não é uma simples lembrança do passado ela exige antes de tudo um engajamento neste sentido pode se dizer que a festa das semanas é uma festa de renovação annual das tres Alianças: a Alianca noética, abraamica e mosáica. Pela celebração da festa o povo de Israel renova e mantem sua

Aliança com Deus.

O judaismo rabínico traz ainda uma outra inovação para a festa. No segundo século da nossa era a festa é ligada diretamente com o dom da thorah a Israel no monte Sinai. No entanto ela conserva o seu aspécto agrário. Rabbi José ben Shalaphta do ano 150 D.C diz que No terceiro mês (Sivan) no sexto dia os dez mandamentos foram dados aos Israelitas. Ele liga a festa diretamente com a recepção da lei. Em 270 D.C Rabi Eleazar Ben Pedath afirma a mesma teoria dizendo que o Pentecoste é o dia em que a Lei foi data ao Povo Israelita. A partir do Século II tornou se normal ler no dia da Festa Ex19. O judaismo rabínico deve apoiar essa tradição que liga a festa de Pentecoste e dom da Torah justamente em Ex19 que situa a chegada dos israelitas ao Pé do Sinai na véspera da revelação dos dez mandamentos, no mês em que se celebra a colheita. Hoje quando os judeus celebram Pentecostes, eles lembram os três modos pelo os quais Deus se faz presente na sua história: Revelação, Aliança e Lei. Celebrando Pentecoste os judeus celebram o Deus da Revelação, Alianca e da Lei e confirma a presença continúa de Deus na sua história do passado, do presente e do futuro.


3. Significação Teologica da Festa

A festa das Semanas, teológicamente, está diretamente ligada com a festa da páscoa. O Evento da Páscoa pede uma continudade, se não a libertação dos hebreus perdem o seu significado, ela deseboca assim no vazio. A Saida do Egito é apenas uma etapa da história da libertação. O evento do Sinai que é celebrado em Pentecoste é o coroamento da iniciativa de Deus com relação a Israel. Com a Pascoa Israel deixa de servir Faró com o dom da Torah em Pentecostes Israel passa a servir livremente Deus. Se Israel saiu do Egito foi em vista de servir em toda dignidade o seu Deus. Do Ponto de vista agrário as duas festa estão também ligadas. As duas celebrações dependem do tempo da colheita, a Pascoa inagura o período da colheita em quanto que Pentecoste encerra.


III A Festa das tendas (sukkot)

1. nome e origem

a) Nome

Essa festa, como Páscoa e Pentecoste, deve sua existência a vida da natureza. Antes de ser chamada de Sukkot, nome que é adodato até hoje, ela é chamada em (Ex 23,16; 34, 22) a festa de asif, (colheita) da raiz asaf que significa reunir, recolher. O termo sukkot é encontrado primeiro em Dt16, 13, ele é traduzido por tentas, mas sua tradução mais próxima seria cabana que se constroe com galhos de arvores, palhas e outras folhas. Essa festa é celebrada no outono apos Iom Kippur. Além de Sukkot, ela é chamada também de festa do Senhor em Jg21,19; Os9,5 e ainda festa em honra do Senhor em Lv23,41, Nm29,12, ou simplismente a festa em (1Rs8, 2, 65; 12, 32)


b) Origem

Sukkot é em primeiro lugar a festa da colheita. Ela está ligada a colheita da uva feita pelos os cananeus no começo do outono. A colheita da uva era para os cananeus uma ocasião de celebrar a divindade que permitiu a vinha de dar bons frutos, em segundo lugar era um momento para eles de festejar junto uma boa safra . Os cananeus construiam cabanas com folhas, elas lhes serviam de habtação que dia lhes protegiam do sol e a noite do sereno. Durante acoheita eles habtavam nessas cabanas para vigiar de perto suas colheitas.

Geralmente a festa era uma ocasião para se beber bastante. A historia dos natáveis de Siquem atacados em plena festa por Abmelec certamente faz referência a festa de sukkot. O livro de juzes diz que os notáveis vindimaram suas vinhas, pisaram suas uvas, promoveram uma festa entraram no templo dos seus deuses e aí beberam, comeram e amaldiçoaram Abimelec. Por sua fez Abmelec aproveita da ocasião para atacá-los(Jz9,25-49).

Essa festa vai ser copiada pelos os Israelitas que aproveitam do momento da colheita de seus produtos de outonos para festajar também o seu Deus. O livro dos Juizes 21,19-23 é uma prova clara de que no começo sukkot era apenas uma festa da colheita, na qual os Israelitas festavam a colheita e celebravam o seu Deus. O livro conta que durante a festa do Senhor, celebrada uma vez por ano em Silo, a tribu de Benjamin que estava conrendo o risco de desaparecer por falta de mulheres, invade a vinha em Silo, onde o povo celebrava festa do senhor e rouba as dançarinas e as tomam como esposa. A festa da qual fala o livro Juizes é justamente a festa de sukkot que no começo era simplismente uma festa agrícula em Israel.

2. A festa das tendas no Périodo veterotestamentário.

No período veterotestamentário a festa guarda o seu caracter agricula mas ela passa pouco a pouco por uma evolução sobre tudo no périodo pós exilíco. Dt16,13-17 munda o nome da festa que ele chama a festa de Sukkot. No entanto ele não dá uma significação diferente. O livro preciasa apenas que a festa tem um aspecto alegre e que todos devem participar, crianças, servidores e estrangeiros. Dt precisa ainda que a festa é feita em honra do Senhor e que ela durará 7 dias no lugar escolhido pelo Deus de Israel. Dt marca assim o caracter peregrinal da festa falando do lugar escolhido, o Templo, todos deveriam assim subir ao Templo para celebrar sukkot.

Mas é Lv23, 33-43 que vai definir a festa de Sukkot tal qual ela é celebrada até hoje em Israel. No v34-36 o outor fixa o dia da festa, ela começa no dia 15 de tishiri, setembro, ele tem um dia suplementar, ela começa e termina por uma santa convocação. O Senhor convoca todo Israel para o encontro. A festa exige sacrificios, no primeiro dia da festa ninguem deve trabalhar.

O V37-41 acrescenta outros aspectos da festa esquecido pelo o v precedente. Ele remarca mais o caracter agricula da festa. Os fíeis devem se munir dos belos frutos das arvores, ramos de palmeiras, galhos de arvores, salsas para a procissão no primeiro dia da solenidade.

O v42-43 chama atenção sobre a apecto ritual da festa, ele dá a festa uma nova significação. Os israelitas são chamados a viver uma semana sob as cabanas com objetivo de lembrar as cabanas nas quais O Senhor fez o seu povo viver quando ele os tirou do Egito v42. A festa é então ligada ao período do deserto onde o povo viveu quando saiu do Egito. Lv 23 liga a festa sukkot diretamente com a história da salvação. É neste sentido que é celebradra hoje a festa de sukkot.

Os livros históricos nos mostram que durante a festa das cabanas vários eventos importantes foram realiados: A dedicação solene do Templo de Salomão acontece no dia de sukkot. É no dia de sukkot que Salomão inaugurou o templo transportando a arca da aliança para o templo, morada fixa do Senhor(1Rs8,2, 65 ,Cr5,2; 7,8).

Depois do sisma, a divisão do reino em dois, Jeroboão consagra um Santuário em Betel no dia de sukkot(1Rs12,32). Do mesmo modo a retomada do culto em jerusalém se dá também no dia de sukkot(Es3,4) Os profetas por sua parte também aproveitam do periodo de Sukkot para falar a massa que se reunia para a festa em Jerusalem. Assim Is proncia no momento da festa de Sukkot a célebre palavra sobre a vinha que, por ter produzido frutos infectos será devastada e abandonada(Is5, 1-7). Isaia aproveito do contexto para bem passar sua messagem contra os tragressores da justiça.

4. Como a festa é celebrada no périodo do segundo Templo próxima a era cristã

Deste périodo nós temos os escritos de Flavio José e de Filon de Alixandria. Flavio José remarca sobre tudo a popularidade da festa e a sua Santidade. Ele remarca que as cabanas seria para proteger o povo dos intemperes da estação e do frío (Ant 13,372, Ant3, 244). Filon reflete um pouco mais sobre a festa. Ele analisa o fato da festa ser celebrada no no outono, sobre os 8 dias remarcando que o oitavo dia é um dia diferente e que ele fecha a festa e também o circulo litúrgico nesse dia os judeus terminam de ler toda a torah e recomeçam com o livro do Gn. Ele estima também que a estadia nas cabanas convida os judeus a pensar nas dificuldades do passado para bem poder avaliar a grandesa dos bens atuais e dar graças a Deus, esperando que Ele continue a proteger seu povo.

Com o tratado da mishinah redigido no primeiro século antes de Cristo nós encontramos um ponto de vista mais tradicional sobre a festa. O tratado diz como a festa deve ser preparada. Todos os judeus devem passar 7 dias na cabanas bem como os servos e o estrangeiro que pela ocasião se encontra em casa de judeus. Morando nas cabanas Israel invoca as cabanas do deserto, mas também ele lembra a presença protedora de Deus no meio deles. Se Os israelitas poderam viver em cabanas no deserto foi por que o senhor estava com ele a fraqueza das cabanas em pleno deserto mostra a força protetora de Deus. Morar em cabanas no dia da festa significa dizer que até hoje, mesmo se Israel mora em casa comum e confortável, a segurança deles vem de Deus e não dos homens. Os Salmos 27,5 e 76,3 fazem uma ligação entre a tenda e a morada de Deus, o Templo em Jerusalem, onde os fiéis encontram socorro. A mesma protenção que Israel encotra no Templo, ele encontrou nas cabanas, onde a presença de Deus os salvou. Deus morou nas tendas com o seu povo na saida do Egito. Morar nas cabanas sigifica também participar da experiencia histórica dos pais e mais ainda entrar em comunhão, de modo particular com Deus e viver na sua presença como no santuário.

Uma outra informação encotrada no tratado da mishinah concerna o ritual da festa, o tratado se basea em Lv23,40. Segundo a mishinah o fiel deve rescolher um limão, dos melhores que ele possa achar, depois preparar um buquê, lulav galhos de salsas, mirra e palmeiras. Munido do limão na mão esquerda e do lulav na direita os fíeis vão ao templo em procissão, entram no templo, eles giram em torno do altar sacudindo os seu ramos ao som do shofar eles rezam o salmo 118. Eles fazem a libação da água, que eles pegavam nas fontes de Siloé e derramava sobre o altar.

Vários significados são dados a estes elementos utilisados em sukot . Os sábios viam no buquê da festa de sukkot a representação do povo Israelita inteiro. Para eles o perfume representava a sabedoria da torah, e o fruto representa a ação. O limão por ser um fruto e ter também um odor delicioso ele representa a elite de Israel iluminada pelo saber, conhecimento da torah enobrecido pelas boas obras. A mirra por ter um odor e não produzir fruto representa as pessoas que são dotadas de um saber mas que se desenteraçam completamente das boas ações. A palmeira que não tem cheiro nenhum mas produz um fruto delicioso simboliza as pessoas que não tem nenhum saber mas se consagram as boas açoes, em fim a salsa, sem perfume e sem fruto representa a grande massa que não tem nem conhecimento e nem zelo pela torah. Juntos eles formam um só povo que no fim dos tempos será salvo por Deus.


5. A teologia da festa

O tema teológico que sai da festa de Sukkot é o tema da confrontação de Israel com o deserto. Nós podemos então considerar a festa das cabanas como um memorial da caminhada de Israel do Egito até a terra de canaã. Assim como a páscoa comemora a noite da libertação, a saída da terra do Egito, a festa das cabanas vai celebrar a caminhada do povo rumo a terra prometida. A noite da saída do Egito é apenas uma etapa, um começo. O povo tem ainda todo um percurso importante a fazer, um percurso durante o qual muitas coisas aconteceram, Israel não poderia deixar de celebrar essa etapa importante da sua história. Sukkot vai assim lembrar a vida de Israel no deserto.

O deserto para o homem do Primeiro Testamento é em si uma região maldita, é um lugar no qual não se encontra nenhuma força vital. Ele é habitado por uma vegetação escaça, e espinhosa, por animais ferozes como o chacal, as víboras a hiéna que constituem uma ameaça a vida do homem. Alem disso o deserto é visto como um local onde habitam os espíritos de morte portanto o deserto é um lugar de morte para aqueles que ai se aventuram. Ao contrário da terra prometida onde corre leite e mel, o deserto é uma espéce de não mundo que as vezes se confunde com o cáos, ou como uma espece de mundo infernal, vazio da presença devina.

A vida de Israel neste universo infernal foi feita de provas e de tentações. Na caminhada do deserto Israel teve a tentação de sentir saudade da vida que levava no Egito, onde a escravidão lhe assegurava o alimento. No deserto, ao contrário, faltava lhe tudo , carne, pão, água, o necessário para viver. Israel tinha na mão apenas sua liberdade mas ele não sabia o que fazer dessa liberdade que lhe propunha como saida apenas a morte no deserto. Israel então reclama contra Deus, se revolta contra Moises e toda caminhada foi feita de múrmurios e reclamações contra Moises e contra Deus. Porém nesse deserto despido de todas as possibilidades, Israel teve que aprender que sua existência dependia somente de Deus. No deserto Israel não podia recorrer a nenhuma outra pessoa. E de etapa em etapa Israel teve que aprender a fazer confiança em Deus e reconhecer que Deus lhe daria todo o necessário para viver. O périodo do deserto é visto assim como um périodo também de preparação, onde Israel aprendeu a se libertar completamente da dependência do Egito, e portanto do homem para fazer confiança apenas em Deus.

Do outro lado o tempo do deserto é um tempo especial porque ele mostra a solicitude de Deus para com Israel que ele tira do Egito. Esse Deus durante a caminhada não para de intervir em favor do seu povo. Ele faz cair o maná do ceu e minar água do rochedo, Ele alimenta o povo de carne lhes dando as cordonizes(Ex16;17 ), Ele protége o povo enviando o seu anjo que se coloca entre os hebreus e os egípicios evitando um confronto entre os dois povos. Ele mesmo guia o povo quando Moises pergunta quem mandarás comigo para fazer o povo subir?(Ex14,19ss). Em fim se lemos o livro do Êxodo percebemos que durante a travessia do deserto Deus caminhou do começo ao fim com o seu povo.

Assim o período do deserto é um período caracterizado pela presença de Deus no meio do seu povo. É um período de intimidade profunda entre Israel e o seu Deus. Uma intimidade que é vivida no amor na confiança mas também nos murmúrios, nas reclamações e na incredibilidade. Nós podemos dizer que a relação entre Deus e Israel e no deserto é uma relação totalmente familial, na família, o amor e o desencanto, a confiança e desconfiança sempre caminham juntos porém quando o casamento dura até o fim é porque o amor e a confiança prevaleceram sobre o resto. Os profetas Jeremias e Oséias olham o tempo do deserto como o tempo do noivado entre Deus e Israel, o começo de uma história de amor que será terminada com o casamento definitivo, a Aliança. Oséias é o primeiro a dizer que Deus escolheu e amou o seu povo no deserto(Os9,10;13,4, Jr2,2). Nessa perspectiva o deserto se faz lugar de encontro e de descoberta mútua.

Hoje quando Israel volta as cabanas ele memoriza todo esse passado. Ele torna presente esta história de amor. Voltar as cabanas é tentar viver, no deserto da vida moderna, uma intimidade com Deus, é reaprender que até hoje a existência de Israel e a sua segurança depende diretamente de Deus. Morando uma semana em cabanas Israel faz do tempo do deserto o tempo do presente que continua cheio de armadilhas mas também pleno da graça e da presença de Deus.

<< O nosso comportamento é bem diferente do comportamento dos outros homens. Em geral o homem se sente em segurança na sua casa ao abrigo dos intempéres e protegido dos banditos e sua confiança é menos grande quando ele não se encontra mais sob esta proteção. Nós os judeus , ao contrário, somos inseguro durante todo o ano em nossas casas, mas chega a festa de sukkot e nós deixamos nossas casas para morar nas frágeis cabanas e eis que nossos corações se enchem de alegria e de confiança no Senhor. Nós não somos ao abrigo de um telhado mas sobre a proteção do Eterno que guarda sua fidelidade. Nenhum temor não habita mais o nosso coração. Nós sabemos que a única esperança para Israel é de se colocar sob a proteção de seu Deus e Rei que criou o mundo>> .

Yom Kippur

Esta festa é celebrada no dia 1o de Tisheri, quer dizer no dia 10 de setembro. Ela parece ser atualmente a festa mais importante de Israel. Os rabinos a define as vezes, simplimente como <> pois ele é para eles o dia por excelência do ano. A palavra Kippour vem do verbo lerraper que significa expiar, apaziguar, kippur é o substantivo que significa expiação. Yom kippur significa o dia da expiação, o dia que Deus expia os pecados de Israel.

Esta festa está diretamente relacionada com o primeiro dia do ano novo, rosh shanah. Primeiro numericamente, ela deve ser celebrada no dia dez de Tishiri, depois da celebração do ano Novo. Apatir do dia primeiro do ano começa o processo de julgamento do povo de Israel por Deus. No dia premeiro Deus julga apenas os de ótimas virtudes e os de péssimas virtudes, os outros teriam dez dias para fazer penitência e se arrepender dos pecados e no dia 10 Deus faz o julgamento de todos.

A festa tal qual apresenta a Bíblia não era conhecida antes do exilio. Os textos bíblicos que falam da festa são textos escritos após o exílio. Porém esta festa não é uma criação absluta da época pós exílica. Ela parece ser um trabalho de reflexão do meio sacerdotal que combina dados antigos com novas perspectivas como a restauração do Templo. O fato é que após o exílio a festa se impõe facilmente, reunindo multidões em Jerusalem. A festa tem como objetivo, viver em harmonia com Deus, apesar das faltas do ser homem. Kippur possibilita ao homem um retorno ao seu Deus. No segundo século antes de Cristo a festa toma uma significação decisiva e até hoje apesar da destruição do Templo, a festa guarda sua expressão e se tornou a festa mais marcante de todas as solenidades judáicas.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A MISHNÁ

ETIMOLOGIA DA PALAVRA MISHNÁ


A palavra Mishná significa literalmente "repetição" e também "estudo", "ensinamento", já que o ensino fazia-se oralmente, com base apenas na repetição. Dá-se este nome à compilação da doutrina tradicional judaica pós-bíblica, em especial à sua parte jurídico-religiosa. Por isso o vocábulo Mishná, que indica a Lei oral, se opõe à palavra Micrá que representa a Lei escrita, a Bíblia, especialmente sua primeira parte, o Pentateuco. Não é de estranhar, pois, que R. Natan ben Iehiel, em seu Aruch, dissesse que se chamava Mishná(*) porque era a segunda Lei, o que coincide com a tradução que gregos e latinos dão da palavra, mediante o vocábulo "deuterosis".


(*) Dessa mesma radical deriva o numeral "dois", em hebraico shnáim.



FORMAÇÃO DA MISHNÁ

A formação do "código" que hoje conhecemos por Mishná teve lugar exclusivamente na Palestina, e temos que assinalar dois períodos claramente separados por um fato histórico da maior transcendência para o Judaísmo, ou seja, a tomada de Jerusalém e a conseqüente destruição do Segundo Templo no ano de 70.


PRIMEIRO PERÍODO:

A grande Assembléia e os soferim

O início deste período, de acordo com o legado da Tradição, remonta a Moisés e seus sucessivos transmissores (*). Os elos da cadeia seriam: Josué, os anciães, os profetas, os membros da Grande Assembléia, os pares e os tanaím.



(*) "Moisés recebeu a Lei do Sinai e transmitiu-a a Josué, e Josué - aos anciães, e os anciães - aos profetas, e os profetas transmitiram-na aos homens da Grande Assembléia".



Deixando de lado, por ser suficientemente conhecido, graças ao Antigo Testamento, quais foram e qual foi o trabalho dos primeiros transmissores, chegamos aos "homens da Grande Assembléia", que constituem o primeiro elo da elaboração "mishnaica" propriamente dita.

A Grande Assembléia é uma instituição de que bem pouco sabemos historicamente, pelo menos até o presente e, portanto, não é de estranhar que hajam historiadores que inclusive negam a sua existência. Admitido o seu caráter histórico, seria muito mais correto falar de Assembléias no plural, pois trata-se de uma instituição que se manteve durante vários séculos, não obstante seja difícil precisar sua duração exata. Embora se tratasse de uma instituição política e social, cuja origem e primeira constituição remontam a Esdras, dado que o Judaísmo estava sempre vinculado à religião, é lógico que certa atividade jurídico-religiosa caísse no domínio ou nas atribuições da referida Assembléia.

Seus componentes, ou ao menos alguns deles, preocuparam-se principalmente com três coisas: "ser circunspectos em seus juízos (ou seja, examinar escrupulosamente os textos), formar numerosos discípulos e erguer uma barreira em redor da Lei". Estes mestres, inteiramente dedicados à salvaguarda da religião e da tradição, formaram como que um grupo - reconhecido ou não - dentro da Grande Assembléia e são os que conhecemos como os soferim (literalmente "escribas", mas que se deve entender como "homens de letras"), ou seja, os herdeiros espirituais de Esdras(*), os quais conservaram e ademais, transmitiram aos "pares" o material tradicional.



(*) "Se Moisés não se lhe tivesse adiantado, Esdras havia sido digno de entregar a Torá a Israel com suas próprias mãos".



Sanhedrin, 21B.

Esse material era muito antigo - segundo a Mishná, datava de Moisés - e embora careçamos de provas concretas, há indícios de que podemos supô-lo como verossímil. Com efeito, embora a Lei escrita pareça muito minuciosa, não é um código legal propriamente dito; suas estipulações precisavam de esclarecimentos ou interpretações, mediante (ou dando origem a) costumes e tradições que se vinham transmitindo, da mesma forma que a própria Lei, oralmente, durante séculos inteiros. Um exemplo nos esclarecerá melhor: Se bem que está escrito o sétimo dia é de descanso... não farás nenhum trabalho, em todo o decorrer da Bíblia é impossível encontrar claramente a indicação do que se entendia como "trabalho". Citam-se, em alguns casos concretos e pouco numerosos, operações que representam "trabalho". É evidente que esse ponto teria que ser específico e assim foram sendo reunidas e ordenadas as operações trabalhosas até completar o total de 39 operações básicas e por isso suscetíveis de serem subdivididas e especificadas.

A este trabalho de elaboração, recoleção e expurgo dedicaram-se os soferim, aos quais também devemos o encerramento e fixação de parte do cânone do Antigo Testamento(*), no século III.

(*) A discussão sobre se deviam ser incluídos ou não no cânone certos livros, como "Eclesiastes", "Provérbios" ou "Cântico dos Cânticos" prolongou-se durante muito tempo. Nota-se que o cânone judaico difere algo do católico, porém é igual ao protestante.

Que método seguiam os soferim? Partiam do princípio de que não sendo a Lei uma obra literária, cada palavra tinha o seu valor, um significado que era preciso elucidar. Eis a razão por que o seu trabalho consistiu em dar carta de validez a esses costumes e usos tradicionais, relacionando-os com a Bíblia, pois sendo a Lei a expressão de toda a justiça e de toda a verdade, qualquer verdade ou juízo deveria basear-se nela. Este método recebe o nome de midrash, "investigação", que foi definido como "a base exegética e a explicação dialética das halachot".


O método, que também era utilizado para deduzir novas leis, consistia no seguinte: citava-se uma passagem bíblica, a qual era comentada, analisada, microscopicamente esquadrinhada, até que se lograva, mediante uma exegese mais ou menos artificiosa, relacionar com ela algumas das tradições existentes. Esta análise aplicava-se tanto a textos jurídico-religiosos (midrash halachá) como a textos históricos ou folclóricos (midrash agadá), com uma importante diferença - as leis relacionavam-se quase exclusivamente com o Pentateuco, ao passo que os textos agádicos faziam referência a qualquer dos livros bíblicos.

Mas chegou um momento em que só interessava discutir e analisar textos legais. Doravante recebeu o simples nome de Halachá, sobretudo quando se perdeu a consciência de qual havia sido o ponto de partida bem como do método "midrash"(*) seguido - e restaram unicamente os resultados da investigação, as conclusões registradas na Mishná.


(*) A partir de então, e ainda hoje, o vocábulo Midrash é empregado como sinônimo de Midrash-Agadá. Os "Midrashim" são comentários homiléticos e folclóricos ao Pentateuco e às cinco Meguilat.



OS PARES

Quando a Grande Assembléia foi substituída pelo Sanedrin, terminou o período dos soferim. Um dos últimos membros da Grande Assembléia, Simeão o Justo, transmitiu a tradição a Antígono de Soco. Ambos iniciam o período denominado "dos pares" (zugot), porque os encarregados de receber e transmitir a tradição eram dois mestres, um dos quais ostentava o cargo de Nassi, "presidente" e o outro o de Bet-Din - "chefe do tribunal". O último dos "pares" foi o formado por Hilel e Shamai.

Assim como anteriormente havia-se substituído o método de midrash pelo de halachá, de uma forma semelhante, ao finalizar o período dos "pares", começaram a reunir-se as halachot a que se havia chegado no transcurso daqueles anos. As halachot não estavam nem classificadas nem coordenadas; sem ilação, no máximo pondo à frente o nome do rabi que a havia criado, o qual, indubitavelmente, exigia uma grande memória para recordar tão grande número de regras. Não obstante, pouco a pouco foram-se formando coleções, agrupando as normas seja por autores, seja por matérias.

Todo esse trabalho foi realizado exclusivamente pelos fariseus, pois o grupo oposto a eles, o dos saduceus, não aceitava a Lei oral; só havia uma Lei fixa e imutável, e assim devia ser também fixa e imutável a interpretação da mesma(*). É difícil determinar as doutrinas que os fariseus sustentavam. Sabemos, desde logo, que era um grupo - portanto partido - popular (no qual militava a maioria dos sábios que procedia do povo) e anti-helenista, ao contrário dos saduceus, cujos membros pertenciam em geral à aristocracia e que junto à cultura religiosa da Bíblia aceitavam o legado da cultura secular dos gregos.


(*) Os fariseus eram os precursores dos rabanitas ou judeus ortodoxos, e os saduceus, dos caraítas, ou seja, os judeus que somente aceitam a Bíblia e rechaçam toda a Tradição Oral.


HILEL e SHAMAI

Durante os séculos I antes e depois da Era de Cristo, a atividade tradicional está concentrada nas duas escolas rivais, a de Hilel e a de Shamai, a cujas discussões, quer pessoais, quer a de seus seguidores, aludem numerosos fragmentos talmúdicos. A distinção ideológica das duas escolas é difícil de precisar, mas baseia-se praticamente na diferença de caráter de seus dois chefes: o primeiro, Hilel, dócil e indulgente, sempre inclinado à tolerância; o outro, Shamai, severo, intransigente ao extremo. A posição do primeiro e de certa forma a sua ideologia, aparece patente em uma frase que é para ele a quinta-essência, o sustento da Lei judaica: "o que não queres para ti não o queiras para os demais"(*).



(*) O Imperador romano Alexandre Severo, enamorado desta frase, mandou gravá-la em muitas das construções que edificou.



Hilel, babilônico de nascimento, era modesto e muito pobre, porém alcançou uma elevada posição e foi chamado "o Grande", "o Maior", "o Antigo". São atribuídas a ele as sete regras de interpretação que serviram ao mesmo tempo como base de elaboração de novas halachot e para dar autoridade às já existentes, muito embora, posteriormente, R. Ismael ben Elishá as tenha elevado a treze. Porém nem todos os sábios seguiram essas regras. R. Aquivá, por exemplo, valeu-se de diferente método exegético.

Dada a posição altamente humana de Hilel - sua escola aceitava inclusive as opiniões de seus antagonistas - era lógico que suas teorias prevalescessem; tão somente em três casos recorda-se haver sido aceito o ponto de vista da escola de Shamai. Mas este predomínio de uma escola sobre a outra foi obra muito posterior, se bem que nessa época foi redigida - sempre verbalmente - a Primeira Mishná (Mishná Rishoná); a redação foi dupla: uma elaborada pelos discípulos de Hilel e outra pela escola de seu opositor.



SEGUNDO PERÍODO:

A destruição do Segundo Templo

Com a destruição do Segundo Templo de Jerusalém (ano 70), após longa guerra - cujo relato nos foi conservado por Flávio Josefo, testemunha ocular daquelas lutas - parecia então que o Judaísmo ia desaparecer definitivamente do panorama da história, uma vez em pedaços o vínculo - o Templo - que unia todos os judeus, os palestinenses e os que moravam fora da Palestina. O Judaísmo, sem centro e sem culto, privado dos valores que supõe a existência de um Estado, parecia destinado a perecer. Desfeito o Sanedrin, que era seu máximo organismo diretor, e morta a maioria de seus membros, parecia impossível que o Judaísmo sobrevivesse. Surgiu, porém, um homem providencial que iria restaurá-lo, encaminhando-o por roteiros diferentes dos até então seguidos: Raban Iohanan ben Zacai.


OS TANAÍM

Este segundo período da elaboração da Mishná abrange desde o ano de 70 até aproximadamente o de 220. O trabalho de comentário foi realizado em diversas escolas, estabelecidas primeiramente na Judéia e a seguir na Galiléia pelos tanaím(*), mestres que para sustentar suas necessidades desenvolviam uma atividade profana, mas que simultaneavam com o estudo da Lei, já que, segundo a mentalidade - muito lógica - daquela época, teria sido ignominioso obter qualquer proveito do estudo ou do ensinamento da Lei.



(*) Em singular Taná, termo aramaico equivalente ao termo hebraico Shaná, cujo significado já indicamos anteriormente.


Aproximadamente a partir do ano 50, o título oficial que se dá aos doutores da Lei é o de rabi(*), que se aplica por antonomasia ao último dos tanaím, a R. Judá ha-Nassí - Nassí significa Patriarca - porém os demais Patriarcas, inclusive Iohanan ben Zacai, vêm designados como raban - "Mestre".


(*) Rabi significa, literalmente, "Meu Mestre", equivalente a "Monsenhor".


O século e meio que abarca este período divide-se em cinco gerações, que citamos a seguir, indicando os principais doutores de cada uma:

1ª de 70 - 80
R. Iohanan ben Zacai

2ª de 80 -105
Gamliel II, Eliezer ben Hircanos e Josué ben Hananiá

3ª de 105 - 135
R. Aquivá

4ª de 135 - 170
R. Meir

5ª de 170 - 220
R. Judá ha-Nassí


1ª geração (70 - 80):
Centra-se ela no todo, indubitavelmente, na figura de Raban Iohanan ben Zacai.
Iohanan ben Zacai era membro do desaparecido Sanedrin e sempre se havia destacado como pacifista - era um discípulo espiritual de Hilel - aconselhando chegar-se a uma paz com Roma. Sitiado em Jerusalém e vendo a rebelião encaminhada a um fracasso, logrou, mediante um estratagema, ser tirado da cidade santa(*) e levado à presença de Vespasiano - bem disposto em relação a ele porque, segundo se conta, lhe havia predito que chegaria a imperador - pediu-lhe uma coisa aparentemente inócua: permissão para fundar uma escola. Esta coisa tão "insignificante", esta escola, significou a salvação do Judaísmo.



(*) Assim narra-o uma obra da época talmúdica não incluída no Talmud, o tratado Avot D'Rabi Natan, capítulo IV.



Quando, afinal, Jerusalém caiu em mãos romanas, Iohanan ben Zacai chorou amargamente, como o havia feito anteriormente o profeta Jeremias pela sua perda; porém, da mesma forma que Zerubavel, dedicou suas energias para erguer um novo Templo. O novo Templo foi a Academia de Iavné.

À Academia de Iavné, que celebrava suas sessões num semi-círculo natural formado por um vinhedo, compareciam unicamente os discípulos, diretos ou indiretos, de Hilel, uma vez que os shamaítas, que durante a guerra contra Roma haviam aderido ao partido extremista dos zelotes, ou haviam perecido ou bem se ocultavam pelo medo ao vencedor, só mais tarde apareceram de novo no campo das lutas religiosas e políticas.

Iohanan ben Zacai aferrou-se à última coisa que havia restado do patrimônio espiritual: a Tradição; e como opinava que "o homem havia sido criado para estudar a Lei", a isso dedicou todas as suas energias. Para muitos judeus a autoridade do Sanedrin baseava-se em que suas celebrações se realizavam em Jerusalém; R. Iohanan reorganizou-o, fixando sua sede em Iavné. Por outro lado, acreditava-se que a existência do Judaísmo estava vinculada à instituição dos sacrifícios, dificuldade que ele contornou declarando que "a caridade e o amor dos homens podem substituí-los". Com isso salvou o Judaísmo.


2ª geracão (80 - 105):

A unidade criada na escola de Iavné em torno à poderosa personalidade de R. Iohanan desfaz-se ante sua morte e, pouco a pouco, vão se fundando novas escolas, todas na Judéia, como, por exemplo, as de Emaus (Cuimzo), Lida (Diascópolis), Pequíin, etc.

Como chefe da escola de Iavné, sucedeu a Iohanan ben Zacai, Raban Gamliel II. Era descendente de Hilel e, tal como seus antecessores, que haviam estado durante quatro gerações à frente do Sanedrin, tomou o título de Nassí ("Patriarca") que lhe conferia uma autoridade política. A partir dele, esse título permaneceu vinculado à sua família e considerado com dignidade.

Além de ser muito versado em questões religiosas, Gamliel II tinha bons conhecimentos das ciências profanas, o que aumentava ainda mais a sua autoridade; porém de caráter enérgico, até mesmo violento, teve uma acre discussão com os dois maiores sábios de sua época: R. Eliezer ben Hircanos e R. Josué ben Hananiá, em conseqüência do que foi deposto de sua dignidade de Nassí, embora mais tarde voltasse a compartí-la com Eleazar ben Azariá, que o havia substituído ante a sua destituição.

Ao caráter decidido e ousado, inovador, de Gamliel II, contrapunha-se "o inflexível guardião da tradição" Eliezer ben Hircanos, ao qual seu mestre, R. Iohanan, havia comparado a uma "cisterna" que não deixava escapar nem uma gota da tradição recebida (mas que tampouco permitia a entrada de qualquer inovação). Entre ambos ocupava uma posição equilibrada, representando o sentido comum e a moderação, Josué ben Hananiá, chamado R. Josué por antonomasia, dócil, modesto e benevolente, que ganhava o seu sustento fabricando agulhas.

Personagem destacada desta geração, para citar apenas uma, foi Naun de Guimzo, sábio sem "Título" e autor de um método dedutivo levado às suas últimas conseqüências por R. Aquivá.


3ª geracão (105 - 135):

Esta terceira geração foi testemunha ocular de um acontecimento histórico de grande importância: a rebelião de Bar-Cochba, em cujo desenvolvimento e êxito efêmero teve parte ativa R. Aquivá ben José, o mais ilustre dos tanaím dessa geração.

R. Aquivá era um simples pastor que chegou a casar-se com a filha de seu patrão. Sua esposa animou-o a dedicar-se ao estudo da Lei, a progredir, quase a formar sua cultura; e após longos anos obteve um grande grupo de discípulos. Quando surgiu Bar-Cochba, tentando reavivar o abatido ânimo dos judeus e pregando a expulsão do invasor romano, R. Aquivá aderiu imediatamente a ele, convertendo-se em seu principal propagandista, em que pesassem as advertências de precaução de seus colegas, sobretudo de R. Ismael ben Elishá. Pai espiritual da revolta, o fracasso do empreendimento trouxe como conseqüência o fim de R. Aquivá, o qual, acusado de ensinar a Lei, morreu esfolado vivo, proclamando a unidade de Deus.

Além de sua intervenção nessa revolta, R. Aquivá cooperou ativamente no desenvolvimento e formação da Mishná, da qual, dada a dificuldade de recordar todo o seu conteúdo, fez uma redação para uso privativo, embora aceita pelos seus discípulos - compilação conhecida por Mishná de R. Aquivá e que foi utilizada nas redações posteriores.

R. Aquivá era dotado de um espírito metódico e sintético e utilizava um método muito pessoal. Não obstante houvesse estudado em várias Academias, pode-se dizer que sobre ele somente exerceu influência Naum de Guimzo, de quem tomou uma idéia que converteu em método próprio: Na Lei nada há de supérfluo, nem sequer uma letra; cada sinal ou traço significa algo que deve ser deduzido(*). Isto é o que nos referem autores posteriores; porém, ao que parece, ele se propunha a achar o fundamento de todas as leis na Torá, o que o obrigou a forçar as interpretações, a miúdo rechaçadas por seus colegas.


(*) Este método, ainda mais exagerado, conduziria à Cabala, o que explica que se atribuísse a R. Aquivá a redação do Sefer Ietsirá, um dos livros básicos da Cabala. O critério foi seguido por Aquilas, autor de uma versão literal da Bíblia para o grego, e por Onquelos (que alguns autores identificam com Aquilas), autor do Targum, isto é, "Tradução" do texto sagrado para o aramaico.

Também exerceram magistério outros doutores de sua geração, entre os quais deve-se destacar R. Ismael ben Elishá, grande dialético, que aumentou até 13 as 7 regras dedutivas de Hilel, que, apesar disso, não diminuiram a autoridade de que gozou o método de seu rival, ao qual R. Ismael se opunha sustentando que a Lei se expressa na linguagem dos homens, que há frases que nada acrescentam ao sentido e que só servem como ornamento. Outros doutores contemporâneos são: R. Tarfon e R. José ha-galili.


4ª geracão (135 - 175):

Após o desastre de 135, a perseguição desencadeada por Adriano trouxe como conseqüência a clausura das escolas da Judéia. Ante o temor de que, como resultado da execução dos principais sábios, ficasse rôta a cadeia da tradição, R. Judá ben Baba apressou-se a ordenar, mediante a imposição de seus pares, aos sete discípulos de R. Aquivá que ainda viviam. Como castigo, os soldados romanos o alancearam.

Essa ordenação teve lugar na Galiléia, onde a partir de então estiveram radicadas todas as escolas, em geral próximo ao lago Tiberíades (Quinéret). O Sanedrin, anteriormente estabelecido em Iavné, iniciou sua peregrinação, estabelecendo-se primeiramente em Usha e a seguir em outras localidades galilaicas.

Passado o perigo, os sete discípulos de R. Aquivá voltaram da Babilônia, onde se haviam refugiado. O principal deles era R. Meir. Como todos os tanaím, tinha uma ocupação secular: era amanuense e suas cópias eram muito apreciadas por seus contemporâneos(*). Meir casou-se com Beruriá, que era filha de R. Hananiá ben Teradion, um sábio da geração anterior.


(*) Tenha-se presente que o rôlo de pergaminho - "Meguilá" - que contém o texto sagrado do Pentateuco, não pode sofrer nenhum erro ou correção.

R. Meir não quis reconciliar-se com o patriarca Simão II ben Gamliel II, com o qual havia sustentado uma violenta discussão; porém, apesar disso, gozou de grande prestígio. Destacava-se no campo da fábula, que sempre foi tão importante no Oriente; mas embora sobressaísse tanto como fabulista, sua fama procede do seu trabalho no terreno da Tradição: deve-se a ele outra redação da Mishná, oral e para uso privativo, coordenada por matérias, que serviu de base para a redação da Mishná canônica.

Outros doutores destacados são: R. Simão ben Iohai(*), R. Iosé ben Halafta e R. Judá ben Ilái, os três pertencentes ao grupo dos sete discípulos de R. Aquivá ordenados por R. Judá ben Baba.


(*)A reclusão de 12 anos deu margem a que na Idade Média se lhe atribuísse a redação do Zohar.


Figura singular é Elishá ben Abuiá, um grande amigo de R. Meir, que - provavelmente por influência do agnosticismo - abandonou o Judaísmo, pelo que é conhecido como Aher, que em hebraico significa "outro".


5ª geracão (170 - 220):

Com esta última geração chegamos à elaboração definitiva da tradição que se vinha formando desde séculos de ininterrupto labor.

À semelhança da 1ª geração, encarnada em Raban Iohanan ben Zacai, seu personagem central, foi Rabi Judá ha-Nassí, chamado rabenu ha-cadosh, ou seja "nosso santo mestre", conhecido além disso como R. Judá o Santo e como Rabi por antonomasia. Havia seguido os cursos das diferentes escolas da época e conhecia bem as tendências existentes (ele mesmo disse: "aprendi muito de meus mestres, mais ainda de meus colegas e muitíssimo mais de meus discípulos) graças ao que pôde realizar uma grande coletânea, que haveria de ser definitiva. Mas ao seu indiscutível prestígio religioso, fruto de um estudo prolongado ao qual podia dedicar-se plenamente por possuir vultosos meios de fortuna, unia-se uma autoridade política indiscutível, pois ostentava o título de Nassí. Em razão dessa combinação de fatores, realizou em suas escolas de Bet Shearim e Séforis uma obra que ficou definitivamente consagrada, pois a Mishná por ele sistematizada, partindo da redação de seus antecessores, passou a ser a Mishná canônica, a Mishná por excelência, que fez esquecer e desaparecer as anteriores, das quais só permanecem os restos que figuram na sua versão. Durante sua longa vida (135 a 219 aproximadamente), levou ao término duas redações: uma em sua juventude e a segunda, recensão da anterior, nos últimos anos de sua vida.


BREVE ESTUDO DA MISHNÁ CANÔNICA

A redação de R. Judá ha-Nassí, assim como todas as anteriores, foi oral, e somente a partir dos séculos V ou VI foram feitas redações oficiais por escrito, embora não seja impossível a existência de redações escritas para uso privado. Estas redações oficiais contêm alguns textos posteriores a Rabi, uma vez que vão postos em boca de doutores que viveram depois dele.



A Mishná está dividida em 6 ordens (sedarim, em singular seder), que são as seguintes:

I. ZERAIM "Sementes":

Acerca da agricultura, exceto o tratado Berachot, dedicado às "bênçãos".

II. MOED "Festa": Sobre o sábado e as festividades.


III. NASHIM "Mulheres":

Direito matrimonial.


IV. NEZIQUIN "Danos":

Direito civil e penal.


V. CODASHIM "Coisas Sagradas": Sacrifícios e serviço do Templo.


VI. TAHAROT "Purezas": Leis de pureza e impureza.

Cada ordem está dividida em tratados (masichtot, em singular masechet), intitulados segundo o seu conteúdo e dispostos por ordem decrescente de extensão(*). No princípio os tratados eram 60; mas um deles, chamado Neziquin, foi dividido nos três Baba atuais, e o tratado Macot, que estava unido ao Sanedrin, foi separado, com o que chegamos aos 63 tratados de que se compõe atualmente a Mishná.

(*) A razão direta da ordem seguida na distribuição dos tratados dentro de cada seder, assim como o porquê dos títulos, foram estudados por J. Derenbourg: Les sections et les traités de la Mishnaah. Revue des Etudes Juives, III (1881), 205-210. Disposição semelhante adota o Corão.

Os tratados estão divididos em capítulos (peraquim, em singular perec) designados pelas palavras iniciais e estes, por sua vez, em mishnaiot (plural de mishná), palavra que indica tanto o conjunto como cada lei em particular.

Com referência ao conteúdo, devemos dizer que só discute e analisa o referente a legislação e ritos, já que só em escassas ocasiões contém matéria não-jurídica, com exceção de dois tratados completos - o Pirquei Avot(*) e o Eduiot.

(*) Existe uma edição bilíngüe, tradução de Moses Bensabat Amzalak, edições Biblos Ltda., Rio de Janeiro, 1962.

A forma é expositiva, nada mais, e o estilo conciso, porém claro, sem digressões. A mishná, não só nos dá a conhecer a opinião da maioria, como também na minoria e opiniões contraditórias, com o que abre campo a investigação ulterior e é o ponto de partida do desenvolvimento posterior: O Talmud. As opiniões são citadas anonimamente.
o idioma utilizado é o neo-hebraico, evolução do hebraico dos últimos tempos bíblicos, algo diferente em gramática e vocabulário e no qual estão introduzidos vocábulos aramaicos, latinos e gregos, idioma do qual deriva o hebreu moderno.

A Mishná canônica nos chegou ao mesmo tempo nos dois Talmuds; porém estas duas redações coincidem quase por completo, com ligeiríssimas variações, as principais procedentes da incorporação de emendas textuais. A Mishná é citada pelo nome do tratado, o número (em algarismos romanos) do capítulo e o número (em algarismos árabes) de cada mishná, ou seja, como um exemplo: Berachot VI, 2. Quando se conhece uma passagem mas se ignora a que tratado pertence, pode-se recorrer a algumas concordâncias(*).

(*)De R. HAIM JOSUÉ KASSOWSKI: Konkordanz der gesamten Mishnaic. Jerusalém-Frankfurt, 1927. Concordâncias semelhantes existem para identificar passagens bíblicas.

A edição principal foi impressa em Nápoles, em 1492, com o comentário de Maimônides traduzido para o hebraico (o original está em árabe).

A redação de Rabi impôs-se definitivamente, e até que ponto se impôs pode-se apreciar por uma série de leis que não receberam abrigo em seu código. Estas leis porém não desapareceram; conservaram-se até nós com os nomes muito significativos de Tosefta e baraitot: a Tsofeta (em aramaico, "a adição") recolhe material preferivelmente agádico, seguindo a mesma ordem e igual disposição que a Mishná, e é uma obra compilada por R. Hía e R. Ushaia, contemporâneos de Rabi; porém a redação definitiva é posterior. As baraitot, ou seja, "externas" (que em conjunto se denominam Baraita, em singular) têm um conteúdo jurídico-religioso.

O QUE É O TALMUD

Não é fácil definir ou caracterizar, breve e concisamente, o Talmud. É um tema que escapa à definição pela grande variedade de seu conteúdo e, sobretudo, porque não existe outra obra com a qual estabelecer têrmo de comparação.

O Talmud, tão atacado, tão discutido e tão menosprezado, é pouco - para não dizer nada - conhecido. A maioria dos que dele se ocuparam, apenas repararam e insistiram em seus defeitos; no entretanto, fora do Judaísmo, são contados os que penetraram no oceano dos seus livros com a honrada intenção de encontrar as pérolas, de aproveitar o que tem de bom e de útil, sem deter seus pensamentos no que, à primeira vista, poderia parecer inútil.
Quando, em 1304, o papa Clemente V quis saber o que era o Talmud, muito embora já houvesse sido objeto de polêmicas religiosas - essas polêmicas quase sempre são estéreis - e de numerosos ataques, ninguém foi capaz de responder á sua pergunta: ninguém sabia fazê-lo. E apesar das cátedras que fundou, o Talmud, as belezas do Talmud, continuaram sendo desconhecidas. Um só exemplo, porém significativo.
Poder-se-ia alegar que isto ocorria na Idade Média, época em que um religioso chegou a crer que o Talmud era um nome próprio e dizia: "ut narrar rabinus Talmud" (*); mas, mesmo na Idade Moderna são pouquíssimos - entre eles não se pode deixar esquecido o nome de Reuchlin - os que chegaram não a resolver, porém apenas a delinear o problema em seus justos limites. Em pleno século XX, um teólogo permitiu-se dar grandes gargalhadas porque um tratado inteiro fôra dedicado aos ovos, ignorando por completo que é comum no Judaísmo designar-se uma obra por suas palavras iniciais. E ainda hoje muitos mencionam o Talmud - e exatamente o mesmo pode-se dizer em relação à Cabala - como algo obscuro e . . . absurdo, um dos muitos tópicos paradoxais que abundam na cultura atual.



(*) O historiador francês Bossuet pediu certa vez ao filósofo alemão Leibniz que lhe enviasse um livro do Talmud, traduzido por "Monsieur Mishná" . . . (N. T.)



O Talmud não somente alimenta a alma e o espírito, mas também atiça a imaginação; embora não seja uma obra de arte, contém muitas obras de arte. É bem verdade que figuram nele coisas úteis e inúteis, de grande valor ou puramente anedóticas; mas daí a que seja um absurdo, existe um grande abismo que é preciso - e a isto nos propomos - vencer.

É evidente que não se pode julgar o Talmud com o mesmo padrão que se emprega para medir as demais obras literárias. São necessários critérios especiais, pois o Talmud não é somente literatura, mas sim a vida inteira do Judaísmo vertida em uma obra.

Se uma catástrofe semelhante à que sofreram Pompéia e Herculano houvesse petrificado seis ou dez séculos da vida judaica, o resultado seria - e é - o Talmud. Precisamente por isso pode-se dizer que é obra de toda a nação judaica, realizada no decorrer do referido período. E esse feito, a realização prolongada no tempo, explica perfeitamente a grande variedade de temas que nele reina. Trata-se de uma vasta enciclopédia, muito desordenada, na qual existe de tudo, porém sem sistema. No Talmud é difícil encontrar o dado concreto, a menos que seja de matéria legal - porque esta matéria tem ainda hoje validez no Judaísmo - em cujo caso umas chaves-índice, as codificações que mais adiante citaremos, são auxiliares indispensáveis.

Se à desordem com que as matérias estão distribuídas na "Enciclopédia" se acrescenta o fato de que os autores, cujo número se aproxima de dois milhares, pertencem a diversas épocas e regiões geográficas, a muito variadas escalas sociais e formações, desde o ignorante ao sábio, portanto de desigual autoridade, sustentando às vezes teorias muito díspares, inclusive contraditórias, expostas seja em ordem direta umas às outras, seja em páginas muito distantes entre si, - explica-se que junto a idéias sublimes se encontrem opiniões ou ditos vulgares; que junto a moral elevada venham citadas superstições populares, que junto à regra médica, lógica e perfeitamente regulamentada, apareçam remédios de curandeiro. Eis aí uma enciclopédia caótica.

O Talmud foi amiúde criticado de que ao associar assuntos tão diversos, a mente vê-se incapaz de separar o sutil do vulgar, o externo do espiritual; mas mesmo que assim seja, o ulterior desenvolvimento da história judaica demonstrou a carência de base de tal conceito. O Talmud nunca foi considerado um código fechado, porém muito mais um apanhado das diversas interpretações das leis bíblicas e tradicionais, um relato verídico das variadas opiniões rabínicas acerca das experiências humanas em relação com a sociedade, com Israel, com Deus e com o reino divino.

No Talmud, podem distinguir-se duas partes, ou melhor dito: duas obras separadas que se encontram numa só edição. Estas duas obras são: a Mishná e a Guemará; a primeira - única, a segunda - dupla, e cuja formação e conteúdo estudaremos sucessivamente.


O TALMUD NO JUDAÍSMO

Mas, antes de nos aprofundarmos neste estudo, será conveniente indicar, embora rapidamente, qual tem sido a utilidade, a significação do Talmud para o Judaísmo.

O Talmud recolhe, ou melhor, contém, entre outras coisas, a doutrina tradicional do Judaísmo. É, portanto, o paralelo do que, no Cristianismo, representa a obra dos Santos Padres e, no Islamismo, a Suna.
Durante a Idade Média, o Talmud alcançou para os judeus tal importância que quase pode-se dizer que relegou para segundo plano a Bíblia. A extraordinária variedade do seu conteúdo pode explicar-nos, em parte, essa anomalia, à primeira vista absurda. É que no Talmud qualquer pessoa pode encontrar temas que lhe interessem, desde a teologia propriamente dita, passando pelas diversas disciplinas, até a fábula e, inclusive, a anedota.

O Talmud salvou o judeu da ignorância e, ao mesmo tempo, iniciou-o nas ciências profanas, especulativas ou práticas. Proporcionou ao judeu a dialética e a profundidade de espírito que o salvaram do aniquilosamento que sofreram outros povos e permitiu que sobrevivesse em ambientes hostis, entre perseguições e ataques sem número. Foi o educador do povo, o que evitou que caísse em vilania e permitiu que conservasse costumes puros; e ainda mais: o que manteve intacta a unidade do Judaísmo.

O seu estudo diário, iniciado em tenra idade, submete o judeu a uma forte ginástica, graças à qual seu entendimento se aguça, o pensamento acostuma-se à lógica, a inteligência se desenvolve em profundidade.

O que é o judeu, o que será, - ele o deve em grande parte ao Talmud ou, melhor ainda, ao espírito que o produziu. Enquanto existirem judeus e Judaísmo, o Talmud prosseguirá tendo o seu valor porque estruturou e definiu a vida e o caráter do Judaísmo.


GENERALIDADES:


Uma vez constituída a Mishná canônica, os discípulos de R. Judá separaram-se: parte deles permaneceu na Palestina e os demais emigraram para a Babilônia, de onde muitos eram naturais. Estes discípulos iniciam o período dos amoarim(*) que desenvolvem sua atividade simultaneamente nas duas regiões, dando assim origem a duas obras: o Talmud palestinense e o Talmud babilônico, embora quando se menciona o Talmud(**) sem especificações, alude-se ao babilônico.



(*) Da raiz hebraica amor, que significa "dizer, falar, explicar". Por isso amorá equivale a "falador", no sentido de "expositor", "intérprete", "comentarista".



(**) O substantivo talmud (derivado da raiz lamod = estudar), significa literalmente "estudo" e é abreviação da frase talmud torá, "estudo da Lei". O vocábulo se aplica ao "estudo" realizado na Palestina, enquanto o realizado na Babilônia toma o nome de guemara, que em aramaico significa "complemento" e também "estudo". Mais tarde - e é o sentido em que o usamos - passou a designar o resultado dessa atividade ou "estudo".



Os amoarim (cujo número gira em torno de dois milhares) fizeram com a Mishná o que os seus antecessores, os tanaím, haviam feito com a Lei. Tomando-a como ponto de partida, discutiram parágrafo por parágrafo cada um dos tratados, dedicando-se a analisar os fundamentos bíblicos das leis (midrash), a resolver as contradições ou indecisões que nela apareciam e também a deduzir novas normas de conduta para casos não previstos; em uma palavra - a uma detalhada análise crítica. Mas comumente afastavam-se do tema objetivo da discussão, desviavam-se e sucessivamente iam passando de um assunto para outro, às vezes trazido por puro acaso, do que resulta que num só tratado são analisados temas muito diferentes, que pouca ou nenhuma relação guardam com o título do mesmo.

Não obstante a base seja a Mishná, têm-se também em conta a Tosefta e as baraitot, procurando resolver as contradições que existem entre elas. A Mishná fica incluída, incrustada no texto, e o conteúdo adota forma discursiva, indicando os nomes dos diversos opinantes no princípio das frases. Assim se explicam os numerosos pontos de vista e as discrepâncias que se observam em uma mesma discussão.

O Talmud (formado pela Mishná e pela Guemará) recebe o nome de shas, iniciais das palavras que significam "seis ordens", (da Mishná) - "Shishá Sedarim".

O Talmud Ierushalmi (jerosolimitano) também chamado Talmud de Eretz Israel ("palestinense") - denominação que melhor lhe convém, já que se foi formando em toda a Palestina, a maior parte nas escolas de Tiberíades e o resto em Séforis e Cesaréia, porém nada na própria Jerusalém - foi adquirindo corpo desde 220 até aproximadamente o ano de 380, no qual, devido à instabilidade política do país, ficou suspenso. Isto explica o porquê de sua escassa autoridade no Judaísmo: as discussões são mais breves, mais apressadas pela instabilidade, e goza de menos prestígio porque não foi possível levar a cabo uma revisão definitiva. Porém, em que pesem todos estes fatores, tem certa importância por incluir alguns tratados que seu homônimo babilônico não comentou e, especialmente, porque nos conservou uma série de leis e de material agádico de grande valor para a história política e para o conhecimento do ambiente cultural e científico da época, razões que justificariam de sobra uma tradução ou conhecimento antológico do mesmo.

Mas, o mais importante é, sem dúvida, o babilônico, cuja formação vamos estudar em seguida, assinalando incidentalmente os principais rabís palestinenses, uma vez que também aparecem nas páginas do Talmud Babilônico.

Muitos textos surgem simultaneamente nos dois talmuds e isto é explicável, tomando-se em conta que durante todo esse período houve relações constantes entre as duas regiões, com transferência de mestres de uma para outra.


FORMAÇÃO DO TALMUD BABILÔNICO

Diferentemente do que ocorria aos seus correligionários palestinenses, os judeus da Babilônia viveram, em geral, uma época de tranqüilidade e segurança que lhes haveria de trazer grandes benefícios em relação ao desenvolvimento de sua vida cultural. Em algumas localidades da região mesopotâmica, como, por exemplo, Nehardea e Pumbedita, que eram habitadas exclusivamente por judeus, não era de estranhar tal sossego; mas também dele gozavam nas cidades em que conviviam com crentes de outras religiões. Sua vida transcorria placidamente e gozavam de prosperidade econômica, seja dedicando-se à agricultura ou à artesania, seja participando da vida comercial do país.

A par da liberdade física, gozavam de certa independência política, já que à frente dos judeus achava-se o Resh Galuta (literalmente, "chefe do exílio"), ou seja, o exilarca, dignidade que ostentavam os descendentes de David, confirmados pelo monarca reinante. O exilarca era o representante dos judeus reconhecido pelas autoridades do país e ocupava lugar destacado nas grandes solenidades da côrte. Mas, junto a isto, tinha atribuições mais concretas: atuava como juiz em causas civis e também penais de seus correligionários. Alguns exilarcas aliás, gozavam de grande aprêço e autoridade em assuntos propriamente religiosos, devido a seus conhecimentos particulares.

Lógico é que sob tais circunstâncias favoráveis florecesse e se desenvolvesse no decorrer de três séculos um grande movimento cultural, centrado principalmente na ciência religiosa muito embora sem excluir por inservíveis ou inúteis os conhecimentos profanos. Durante esses trezentos anos discutiu-se a Mishná de Rabi e, ao final, foi reunido todo o material elaborado, constituindo-se assim a Guemará.


As Sete Gerações de Amoarim


Estes comentários foram realizados pelos amoarim babilônicos, designados com o título de rav ("mestre"), que se agrupam, por razão de métido, em sete gerações(*) que abrangem aproximadamente as seguintes épocas (junto aos períodos vão os nomes dos principais sábios de cada geração):



(*)Os palestinenses vêm designados com o título de rabi e só desenvolveram sua atividade durante as cinco primeiras gerações.

1ª de 200-250

Rav e Samuel.

2ª de 250-300

Huna e Judá bar Ezequiel.

 
3ª de 300-335

Huna b. Hía, Hisda, Rabá, José bar Hía.

4ª de 335-360

Abaié e Rava.

 
5ª de 360-375

Papa.

 
6ª de 375-425

Ashi.

7ª de 425-500

Ravina II.



1ª geração (200-250):



A primeira geração dos amoarím babilônicos havia-se formado intelectualmente na Palestina, principalmente sob a direção de Rabi. À morte do Mestre, a maioria deles regressou ao seu país natal levando consigo a Mishná, a cujo comentário iam dedicar-se. Desse modo transportaram para as margens do Eufrates a bagagem de conhecimentos, a ciência adquirida nas escolas palestinenses, e ali desenvolveram, paralela e simultaneamente aos seus correligionários palestinenses, uma grande atividade no terreno da ciência religiosa. Dois foram os principais introdutores e ao mesmo tempo os que criaram as bases de tais estudos: Rav e Samuel.

Aba Arecha (175-247), mais conhecido por Rav, ou seja, "o mestre" por antonomasia, era sobrinho de R. Hía, o autor da Tosefta. Havia estudado em Séforis, onde tinha sido ordenado por R. Judá ha-Nassi. Ao regressar à Babilônia, foi nomeado chefe da escola de Nehardea, fundada anos antes, mas cujo brilho intelectual fora escasso até então. Não obstante, renunciou ao cargo em favor de seu bom amigo e condiscípulo, Samuel, que era justamente natural de Nehardea. Durante algum tempo, Rav teve a seu cargo a inspeção de pesos e medidas e, em geral, a vigilância do mercado. Mas pelo ano de 219, após haver considerado o abandono cultural em que se achava a região de Sura, decidiu-se a abrir ali uma Academia que haveria de compartir, primeiro com a de Nehardea e a seguir com a de Pumbedita (fundada mais tarde), a supremacia religiosa do judaísmo babilônico.

Sua escola viu-se de pronto concorrida, assistindo a ela numerosos discípulos, os mais pobres dos quais eram ajudados por Rav graças aos emolumentos que obtinha de seus cargos civis. Para incrementar ainda mais o comparecimento à sua escola, organizou o ensino de tal modo que possibilitava a assistência de que precisava lutar pelo seu sustento; duas vezes por ano, durante os meses de Adar e Elul(*), chamados "meses de reunião", dava conferências públicas às quais assistiam numerosos discípulos que dedicavam o resto do ano aos seus afazeres profanos. Permaneceu à frente de Sura até sua morte, em 247.



(*)Ou seja, no princípio da primavera e do outono, respectivamente.



Seu caráter, semelhante ao de Hilel, era suave, dócil, benevolente. Desconhecemos o método que seguia em sua docência; porém sabemos que se dedicava a comentar sistematicamente cada um dos tratados da Mishná elaborada pelo seu Mestre, e que com suas interpretações e deduções agravou bastante as leis rituais, embora em questões de direito civil sua opinião tenha tido pouco peso, sendo preferidas as decisões de seu amigo Samuel.

Mar Samuel (180-254), conhecido por Samuel (também por Arioch), era filho de Aba bar Aba. Havia comparecido aos ensinamentos do patriarca Judá, ao qual tinha curado de uma grave affecção; porém, em que pesem os seus grandes conhecimentos, não chegou a ser ordenado.

Natural de Nehardea, Samuel ocupou a direção da escola por renúncia de Rav. Já mencionamos que gozava de grande autoridade em assuntos de direito civil. A ele deve-se a célebre sentença Dina d'malcuta dina, "a lei do estado é a lei" que tanta importância haveria de ter para o futuro dos judeus estabelecidos nos mais variados territórios e submetidos a leis estatais muito diferentes das suas próprias.

Além de conhecer profundamente a tradição e de saber interpretá-la, Samuel sobressaia também em medicina(*) e em astronomia, estudo no qual fora introduzido por seu amigo pagão Ablat e não se envergonhava de afirmar, nem a modéstia lhe vedava dizer, que "os caminhos do céu lhe eram tão familiares como as ruas de Nehardea".



(*) Cf. SCHAPIRO, D.: Les connaissances médicales de Mar Samuel. Revue des Etudes Juives. XLII (1901), 14-26.



Assim, pois, Rav e Samuel, unidos por profunda amizade, se completavam e juntos constituíam a máxima autoridade religiosa do país, até tal extremo que o conhecimento dos demais sábios de sua época são como uma "gota d'água comparada ao oceano".

Nessa ocasião sobressaiam na Palestina alguns sábios, cujos nomes aparecem freqüentemente nas páginas do Talmud babilônico, pelo que não será inútil citar os mais importantes: R. Ushaia, que recolheu parte dos baraitot; R. Josué ben Levi, adversário da Agadá e que por capricho do destino é protagonista de muitos relatos agádicos; R. Hanina ben Hama, assim como Iohanan bar Napaha e Simão bar Laquish, que citaremos na segunda geração.


2ª geração (250-300):

Dois são também os principais sábios desta geração: o primeiro formado junto a Rav e o outro discípulo de Samuel; ambos seguiram os caminhos e os métodos iniciados pelos seus respectivos mestres. Huna (212-297), que estudou com Rav, sucedeu ao seu mestre à frente da escola de Sura. Homem de modesta posição, que por si mesmo cultivava o seu campo, chegou a enriquecer e a possuir vultosas riquezas; mas a sua fama, deve-a aos seus vastos conhecimentos e, sobretudo, aos seus dotes de organizador, pois foi ele quem dotou o Judaísmo babilônico de uma organização que persistiu no decorrer de vários séculos. Durante os cinqüenta anos que permaneceu à frente da escola de Sura, esta alcançou grande esplendor e importância, até o extremo da autoridade de R. Huna ser reconhecida não só na Babilônia, como também na própria Palestina, onde foi sepultado por ocasião de sua morte.

Judá bar Ezequiel (220-299), o outro sábio mais destacado da época, era discípulo de Samuel, que o chamava "o sagaz" por suas grandes faculdades dialéticas. Dedicou-se a estudar a fundo as leis jurídicas de aplicação imediata, desdenhando ocupar-se das leis de pureza assim como as prescrições que careciam então de utilidade, ou melhor especificando, as referentes ao culto do Templo ou aquelas que só tinham aplicação na Palestina.

Na segunda metade do século III, Judá bar Ezequiel fundou em Pumbedita uma escola que depois da destruição de Nehardea (destruição realizada por Odenato, príncipe de Palmira, em 259), alcançou grande importância, disputando a supremacia à de Sura. Os membros de Pumbedita distinguiram-se sempre por sua grande profundidade dialética, até mesmo exagerada, ao passo que os sábios de Sura se destacavam pela vastidão de seus conhecimentos, mas eram pouco dados a deduzir novas leis. Estas são precisamente as características de cada uma das escolas.

Por ocasião da morte de Huna, em 297, Judá bar Ezequiel (cuja autoridade era também reconhecida na Palestina) foi nomeado chefe de Sura, cargo que ostentou durante dois anos.

Entre os demais sábios da época merecem destacar-se os nomes de Raba bar Abuha e, na Palestina, as figuras de Iohanan bar Napaha (179-279), aluno de Rabi, e de seu cundado, o célebre R. Simeão ben Laquish(*) (200-275), apelidado "remove-montanhas" que também havia conhecido Rabi, assim como o agadista Simlai, que polemizou com os cristãos.


(*) Também chamado Resh - R(abi) Sh(imon) - Laquish.



3ª geração (300-335):

Tendo falecido Judá bar Ezequiel, recaiu a direção da Academia de Sura nas mãos de R. Hisda (217-309) que se havia formado junto a Rav. Embora houvesse assistido as lições de R. Huna, seguiu o método dialético da escola de Pumbedita. Pobre em sua juventude, R. Hisda chegou a conseguir uma riqueza que se tornou mesmo proverbial. Por ocasião de sua morte, foi sucedido por Rabá bar Hana, que dirigiu Sura desde 309 até 323.

Nessa época os discípulos de Sura começam a emigrar, dirigindo-se à escola de Pumbedita, para cuja direção havia sido eleito Raba bar Nahmani, o qual renunciou em favor do rico Huna bar Hía, que manteve o cargo até a sua morte, ocorrida em 309.

Morto este, estabelece-se um pleito sucessório. Dois candidatos disputam o cargo: José bar Hía e Raba bar Nahmani. Mas como um astrólogo havia predito ao primeiro que só exerceria o cargo durante dois anos, renunciou este ao seu opositor.

Raba bar Nahmani (270-330), conhecido simplesmente por Raba, era natural da Galiléia e havia estudado nas escolas de seu país natal; porém logo se transferiu para a Babilônia, onde alcançou grande prestígio na halachá - também é conhecido por "remove-montanhas" -, ao contrário de seus irmãos Ushaiá e Hananiá, que se destacaram como agadistas.

Sob sua direção a escola de Pumbedita alcança o auge, comparecendo a ela doze mil discípulos, aos quais explicava sistematicamente todos os tratados da Mishná, porém entremeando as suas explicações com relatos agádicos para atenuar, desse modo, a aridez da matéria haláchica.

À sua morte, foi sucedido pelo já mencionado José bar Hía (270-333), que gozava de reputação pela enorme quantidade de conhecimentos que guardava em sua memória, razão que explica o apelido de "Sinai" pelo qual é conhecido. Porém de corpo enfermiço, perdeu primeiro a vista e, mais tarde, a memória, o que é um indício do perigo que encerrava entesourar mais e mais conhecimentos confiando-os unicamente à memória para que uma enfermidade pusesse fim a toda a ciência adquirida.

A esta geração pretencem, entre outros: Rav Sheshet, o orgulhoso R. Nahman bar Jacob (235-324), discípulo de Samuel, casado com Ialta, filha do exilarca, mais orgulhosa ainda que o seu marido; e também o babilônio R. Zeira, cuja atividade se desenvolve na Palestina em uma época em que lá gozavam de preferências o agadista Abahu e os halachistas R. Ami e R. Ashi.


4ª geração (335-360):

A José bar Hía, chamado o Cego, sucedeu Abaié, sobrinho do antes citado Raba bar Nahmani, que junto com Rava bar José bar Hama personalizava a ciência religiosa daquela época, e ambos aparecem citados em quase cada página do Talmud babilônico.

Abaié (280-338), cujo verdadeiro nome era Nahmani - trocou-o seu tio - exerceu seu magistério em Pumbedita numa época na qual se acentua a decadência iniciada na geração anterior.

Rava bar José bar Hama (299-352), chamado usualmente Rava, era natural de Mahoza, localidade na qual fundou uma escola a cuja frente permaneceu até a morte de Abaié, ao qual sucedeu em Pumbedita. Chegou a ser tão rico como R. Hisda e tão sábio como R. Huna, porém, a despeito de seus desejos, não logrou adquirir a modéstia que caracterizava Raba bar R. Huna.

Nesta geração destacam-se também: na Babilônia, R. Nahman bar Isaac (280-356), sucessor de Rava em Pumbedita; e na Palestina, o patriarca Hilel II e R. Jeremias.



5ª geração (360-375):

Continua, em ritmo acelerado, a decadência das escolas, pelo que são poucos os doutores que se podem equiparar aos citados nas páginas anteriores. O mais importante é R. Papa bar Hanan (300-375). Rico e órfão desde tenra idade, fundou, em 356, uma escola em Naresh, perto de Sura. R. Papa, com seu amigo R. Huna bar Josué, professor da referida Academia, quis encher o vazio que se havia produzido com a morte de Rava; mas em que pesem os seus bons desejos, não o lograram por carecerem da forte personalidade do Mestre.



Enquanto isso, de 356 a 377, a escola de Pumbedita era dirigida por R. Nahman bar Isaac.


Nessa época foi terminada a redação do Talmud palestinense, por obra de rabís pouco conhecidos e dos quais pouca coisa sabemos, tais como: R. Jonas, Tanhum bar Aba e o patriarca Judá IV, falecido no ano de 400.



6ª geração (375-425):

As condições favoráveis que até então haviam sustentado ao Judaísmo babilônico começam a decrescer e, em certas ocasiões, sofrem prolongado eclipse. Ante os perigos, físicos e espirituais, que ameaçam a vida, começa-se a sentir a necessidade de pôr a salvo a tradição.

Apesar de haver Amemar restabelecido a Academia de Nehardea, à frente da qual esteve de 390 a 422, a supremacia volta uma vez mais à Academia de Sura, dirigida por uma das maiores figuras do período talmúdico, a de R. Ashi.

Rabana Ashi (352-427) era de família acomodada e ainda jovem (tinha apenas 23 anos) quando foi nomeado, cerca de 375, chefe da Academia de Sura, cargo no qual permaneceu durante 52 anos. É evidente que esta longa permanência - tenha-se presente que durante o período em que Ashi esteve em Sura, em Pumbedita sucederam-se sete doutores - haveria de ter favoráveis efeitos no desenvolvimento e na fixação da tradição recebida. Rabana Ashi tinha, entre outras coisas, uma grande vantagem: à profundidade dialética própria dos doutores de Pumbedita unia os vastos conhecimentos tradicionais pelos quais eram célebres os mestres de Sura. Isto conferiu-lhe grande autoridade e explica o qualificativo de Rabana ("nosso mestre"), com que era designado.

Graças a ele, Sura converteu-se no centro indiscutível da vida religiosa do Judaísmo babilônico, tornando-se as suas aulas cada vez mais concorridas. Sua inteligência, autoridade e longa permanência no cargo tornaram possível que realizasse uma obra importante: recolher, recompilar tudo o que até então se havia elaborado. Cada ano, durante os "meses de reunião", dedicava-se a expor sucessivamente os tratados da Mishná, ao mesmo tempo que os ia comentando. Durante trinta anos foi recompilando materiais e, terminados estes, iniciou seu segundo período de atividades, ou seja, a elaboração mediante a qual havia de completar a obra de R. Judá ha-Nassí, pois a ele se deve a primeira ordenação do Talmud - alguns tratados foram redigidos em Pumbedita - que iria crescendo e sendo elaborado até que o encerrou definitivamente Ravina II.

Rabana Ashi não se limitou a levar a cabo um trabalho passivo ou de mera transmissão, mas, além disso, deduziu numerosas leis, resolveu as questões duvidosas e discutidas ou de conteúdo obscuro.


7ª geração (425-500):

Em meados do século V a insegurança chega na Pérsia ao extremo. Ao mesmo tempo, e como conseqüência disso, a cultura religiosa vai decaindo a passos gigantescos, pois a maioria dos sábios se limita a repetir, sem tentar criar.

Entre 455 e 468, tem lugar um curto renascimento: é a época em que Mar, filho de Rabana Ashi, dirige a escola de Sura e, seguindo as diretrizes de seu pai, prossegue a obra deste. A seguir as coisas vão se complicando e a situação piora a olhos vistos. No ano de 470, o exilarca Huna Mari e vários sábios sofrem, pela primeira vez na comarca, o martírio. Quatro anos mais tarde foram suprimidos os tribunais judaicos e proibidas as assembléias dos "meses de reunião". Começa a emigração.

Os dois últimos amoraim, ou seja: Ravina II, chefe de Sura de 488 a 499 e R. José, de Pumbedita, consagram-se, com o auxílio de outros sábios, a terminar o Talmud, fazendo uma elaboração quase definitiva, até aproximadamente o ano de 500, quando R. José declara o Talmud encerrado.


A partir de então, como veremos, começa o trabalho do comentário ou, melhor ainda, do super-comentário, labor iniciado no século VII e que prossegue ainda.


A REDAÇÃO DO TALMUD BABILÔNICO

A Guemará babilônica que vinha sido transmitida oralmente, não obstante por vezes os doutores se utilizassem de apontamentos particulares e siglas mnemotécnicas, foi se ordenando gradualmente, mediante um processo longo e complicado, até que no primeiro quarto do século V Rabana Ashi, segundo já citamos, realizou uma cuidadosa revisão e coordenação dos tratados, reelaborada e acrescida continuamente até a morte de Ravina II.

Esta é a opinião mais aceita. Sem embargo, o momento em que teve lugar a redação da Guemará foi objeto de numerosas teorias (Gräetz, Frankel, Rapoport, Brull, Isaac Hirsch Weiss, Halevi) que aparecem resumidas em uma obra de Kaplan(*), em que após discutir e rechaçar as teses de seus antecessores, emite uma nova teoria, segundo a qual a Guemará não foi redigida pelos amoraim, que apenas fizeram uma breve e concisa formulação, mas que foi obra dos saboraim.


(*) KAPLAN, JULIUS; The redaction os the babylonian Talmud. New York, 1932.


Fonte básica para conhecer a redação da Guemará, é a epístola do gaon Sherirá que a escreveu como resposta à pergunta formulada pelos sábios de Kairuan, no norte da África, desejosos de conhecer como e quando fôra redigido o Talmud Babli(*).


(*) Um estudo de Abraham Weiss foi dedicado a analisar Le problème de la rèdaction du Talmud de Babylone par R. Asi à la lumiére de la Lettre de Serira. Revue des Etudes Juives, CII (1937), págs. 105-114.

CONTEÚDO DO TALMUD BABILÔNICO



O Talmud Babli é editado geralmente em 12 volumes de letra miúda, incluindo em seu interior o texto da Mishná. Embora comente apenas 361/2 tratados desta (*), tem uma extensão três vezes maior que a de seu homônimo palestinense, se bem que a Guemará babilônica seja oito vezes maior que a palestinense.


(*) O Talmud Ierushalmi compreende 39 tratados, embora muitos autores sustentem a opinião, muito discutível, de que comentou todos os tratados da Mishná, porém que somente estes 39 chegaram até nós.

Todas as leis agrárias, que eram válidas somente na Palestina, e as que guardam relação com os sacrifícios diretamente ligados à existência do Templo, não foram objeto de comentário na Babilônia. Por essa razão, da primeira ordem da Mishná tem guemará um só tratado, o Berachot ("bendições"), e da sexta ordem apenas meio tratado Nidá. Assim mesmo, tampouco comenta os tratados Pirquei Avot, de conteúdo agádico e o Eduiot - "testemunhos", acerca da antiguidade de algumas halachot, que não eram suscetíveis de comentário. Por outro lado, nas edições o tratado Shecalim está incluído em sua versão palestinense.

O Talmud Babli é o processo verbal das sessões celebradas nas Academias babilônicas e tratando-se de algumas atas, não é de estranhar a grande sutileza dialética que salientam os rabis, pelo que as discussões são amiúde longas e quase sempre bastante complicadas, pois vão passando sucessivamente de um tema a outro e logo a um terceiro, retornando, sem transição, ao primeiro, após haverem citado um sem fim de coisas que guardam relação com algum dos temas surgidos durante a discussão. Em geral a relação não é lógica, mas sim apaixonada, já que, por exemplo, ao aduzir-se a opinião de determinado doutor sobre o assunto, citam-se ao mesmo tempo todas as opiniões desse doutor seja qual for o tema a que se refiram. Tudo isso explica perfeitamente por que a ordenação não seja sistemática e meramente expositiva (como ocorria com a Mishná e com a Tosefta), mas que os tratados tratem principalmente, mas não exclusivamente, do que indica o seu título.

Mesmo que à primeira vista possa parecer que se analisam com expressivo detalhe, prolixamente, certas questões aparentemente bizantinas, não se deve julgar a priori, visto que é preciso ter em conta o motivo pelo qual são trazidas para confronto. Assim, por exemplo, o fato de discutir se certos alimentos são bons ou maus, ou se têm tais ou quais características ou propriedades - tem sua importância já que da conclusão a que se chega no final do debate, poder-se-á determinar que fórmula de bênção deve ser recitada ou que dízimos devem ser aplicados.

Todos os materiais contidos no Talmud podem classificar-se em dois grandes grupos, embora em geral esses materiais aparecam entremeados ou amalgamados. Estas duas partes são: a Halachá e a Agadá, as quais já tivemos oportunidade de mencionar em algumas ocasiões.

A Halachá, que também é conhecida pelo nome de Shematá (que em aramaico significa "a oral"(*)), é o conjunto de regras de conduta; porém não abrange unicamente estas regras, mas também as discussões que conduzem à sua formulação, pelo que está redigida em forma discursiva.


(*) Assim é conhecida, inclusive entre os muçulmanos. Cf., por exemplo MASUDI: Kitab al-tanbih. Tradução de B. Carra de Vaux. Paris, 1896, pág. 160.


Porém, apesar da sua importância, uma vez que ainda hoje regula a vida do judeu ortodoxo, a Halachá tinha um inconveniente para chegar a ser popular: era excessivamente árida e o povo não era capaz de captar o seu valor. Isto nos explica a grande preferência que, em troca, sentia pelos relatos anedóticos e lendários que se incluem na Agadá.

A Agadá, literalmente "narração", abrange tudo o que não é Halachá e esta é a definição mais exata que dela pode se dar, pois sua temática é variadíssima: desde a medicina aos feitos históricos, desde a arte culinária à moral. Do conjunto da Agadá (que no Talmud Babilônico representa a terça parte do total(*), é preciso destacar as narrações de conteúdo histórico, das quais nos valemos, junto com outros textos - principalmente dos midrashim, e examinando-as criticamente - para expor a sucessiva formação da Mishná e da Guemará.


(*) No palestinense ocupa só a sexta parte.
As edições do Talmud Babli contêm, além da Mishná e da Guemará, os chamados "pequenos tratados"(*) - por sua reduzida extensão - que figuram depois da quarta ordem. Alguns desses diminutos tratados remontam à época dos tanaim, se bem que a redação que chegou até nós foi realizada pelos seus sucessores. Assim ocorre com os tratados Semachot e Avot de R. Natan(**). Outros, em troca, são obra dos amoarim. Todos eles estão dispostos como se constassem da Mishná e da Guemará, o que quer dizer que oferecem um texto e alguns comentários ao mesmo. Estes tratados não foram incluídos no cânone talmúdico; mas como acontece que por si só, independentemente, têm escassa importância, e, por outro lado, são produções da mesma época da qual nos ocupamos, são por isso editados juntamente com o Talmud.



(*) Estes pequenos tratados são: Avot d'Rabi Natan, Soferim, Evel Rabati, Calá, Derech eretz zuta, Perec Shalom, Guerim, Cutim, Avadim. Outros quatro foram publicados pela primeira vez em 1851, por Kirchheim: Sefer torá, Mezuzá, Tefilim e Tsitsit.

(**) R. Natan foi contemporâneo de Rabi. O minúsculo tratado é uma espécie de "tosefta" ao Pirquei Avot.


IDIOMAS E ESTILO

O Talmud Babli contém textos escritos em três línguas diferentes. Em primeiro lugar, as passagens bíblicas aparecem citadas textualmente, ou seja, em hebraico clássico ou bíblico. O segundo idioma é o neo-hebraico, no qual está redigida a Mishná e, além disso, todas as opiniões e relatos dos tanaim e de alguns dos primeiros amoraim que vêm citados na Guemará. A estas duas línguas, acrescenta-se a terceira: o aramaico, representado basicamente por dois dialetos: o ocidental, falado na Palestina, e o oriental, na Babilônia.

Além das citações dos amoraím palestinenses, os quais, naturalmente, falavam o aramaico ocidental, foram-nos conservados no referido dialeto os textos daqueles doutores que, ou eram naturais da Palestina e se haviam transferido para a Babilônia, ou eram babilônios que haviam realizado seus estudos, ou parte deles, na terra dos seus antepassados. A dispeito disso, em que pese o seu número, são menos numerosos que os que nos chegaram em arameu oriental.

O arameu oriental que aparece no Talmud da Babilônia é, em regra, a fala popular, eivada de refrões; porém às vezes o texto ou a citação procedem de obras literárias. Junto a estas duas variantes, não se deve esquecer que os rabis são originários de diversas regiões mesopotâmicas, o que explica a existência de rodeios ou modismos locais; porém, por outro lado, é preciso ter presente a longa elaboração da obra, que nos esclarece a rezão de não haver um dialeto uniforme, já que aparece em muitos momentos de sua evolução. A tudo isso deve-se acrescentar as palavras gregas, latinas e persas que invadiram o léxico aramaico.

Esta variedade de idiomas em uma mesma obra, cria certo número de dificuldades para a sua interpretação. Não são, entretanto, as únicas, pois a elas deve-se acrescentar as derivadas do estilo.

O estilo da linguagem talmúdica é extremamente conciso, cortante, com pouca elegância, visto que afinal se trata de um idioma vivo, falado, reproduzido tal como, ou quase, saía da boca dos interlocutores. As orações estão unidas por simples justaposição, por uma associação de idéias que a miúdo é afetiva e não lógica; é muito freqüente a omissão do artigo, das proposições e até mesmo dos verbos; carece por completo de todo o sinal de pontuação, inclusive dos pontos e parágrafos. As únicas separações que aparecem no corpo do texto são os princípios de capítulo e a indicação, em abreviatura, do começo de um texto mishnaico ou da guemará. Tudo isso, ademais, escrito segundo a ortografia das línguas semíticas que, como é sabido, só escrevem as consoantes, ao passo que as vogais devem ser supridas pelo leitor.

Como já indicamos, todo esse aglomerado de dificuldades torna muito difícil a compreensão do texto talmúdico, que só se pode dominar ao cabo de longos anos de estudo constante, e mesmo assim só com a ajuda dos numerosos comentários e inclusive supercomentários (Rashi, "tosafot", etc.) que são editados, como que para adorná-lo, em redor do texto.


MANUSCRITOS, EDIÇÕES E TRADUÇÕES

Os mais antigos manuscritos do Talmud Babli que chegaram até nós são dois manuscritos parciais: o de Florença, escrito em 1176-1177 e o de Hamburgo, do ano 1184; porém o mais completo, embora não total é o Munich 95. Quando se empreender uma edição crítica do Talmud Babli, será preciso tê-los em conta, assim como muitos outros mais.

Sem embargo, até agora e deixando aparte adições mais ou menos críticas de certos tratados, o Talmud vem se reproduzindo exatamente do mesmo modo que apareceu na primeira edição, saída da prensa de Daniel Bomberg, em Veneza, desde 1520 a 1523. Uma vez que as edições modernas reproduzem exatamente esta edição, sem sequer mudar a paginação, as citações do Talmud Babli são feitas por fólios, linhas e versos (a e b respectivamente).

São numerosas as traduções parciais do Talmud babilônico; mas só existe uma versão completa, para o alemão, obra de L. Goldschmidt, publicada em Berlim-Leipzig, La Haya, 1897-1935.





fonte: http://colecao.judaismo.tryte.com.br/index.php